A vida dos filmes em curta-metragem costuma ser a da circulação por festivais, talvez sua principal janela, e às vezes são impulsionados para a exibição em algum canal de televisão, geralmente em algum fechado, passando depois a habitar os recantos da internet. Nessa última fase, a expressiva e inventiva produção global e nacional de curtas passa a ser disponibilizada pelos próprios realizadores ou produtoras. Encontram também abrigo em algumas plataformas, como a recente Cardume, com um catálogo dono de uma variedade de produções nacionais, assim como também fazem o Porta Curtas, o Canal Brasil e a Cinemateca Pernambucana.
Há uma verdadeira vastidão de títulos disponíveis, de diferentes épocas, lugares e estéticas. Para quem quer começar a criar o bom hábito de consumir curtas em casa, talvez seja o caso de se encontrar meio perdido, sem saber por onde começar ou quais obras ir atrás. Nesse sentido, uma boa ajuda é o projeto de mediação Um Curta por Dia, idealizado pelo crítico, curador e cineasta Júlio Cavani. A iniciativa, como diz o nome, indica um filme por dia, compartilhando links oficiais de onde estão abrigados, acompanhados de um breve comentário sobre a produção. O projeto começou na conta de pessoal de Cavani no Facebook, apenas para seus amigos, mas depois de pedidos, foi levada publicamente ao Instagram, ao lado de Paula Melo, responsável pela administração da página e também atuante na curadoria.
"É algo que nasceu muito de um desejo de que as pessoas vejam curtas. Eu sempre acompanho a produção deles, mas percebo que ela fica muito restrita a pessoas que frequentam festivais de cinema. Juntei essa inquietação com esse momento de isolamento, que o consumo de cinema através da internet está maior e pensei em todo dia publicar uma indicação por dia", explica Júlio. Sua escolha parte muito de critérios afetivos e de memórias de sua intensa experiência com o cinema ao longo dos anos.
Estilos e lugares são diversos, assim como períodos, apesar da condição de divulgar apenas aqueles com publicações oficiais acabe tendendo para os mais recentes. Há filmes de diretores mais desconhecidos do grande público, assim como curtas de diretores que conquistaram popularidades maiores com longas. As indicações passam desde produção pioneira do francês George Méliès do começo do século 20 ao potente cinema do mineiro André Novais Oliveira feito nos últimos anos, abarcando animações, videoarte e uma gama de outras abordagens.
“Ainda é muito importante que eles sejam vistos no cinema, para onde foram feitos, seja por questões de mixagem, escala e imagens que funcionam muito melhor na tela grande. Não quero dizer como cada uma precisa ver, mas espero que muita gente pegue os links, coloque em uma televisão, com um fone de ouvido ou um som bom. E continuar a vida desses curtas que já estão disponíveis, fazendo essa mediação entre realizadores e o público”, afirma.
Historicamente, o formato dos curtas é um terreno fértil para a experimentação com a linguagem e presente na carreira de grande cineastas. Conhecer essa intensa movimentação é, de certa forma, lidar com novidades formais e temáticas. Para além do contato com esse experimentalismo ou até mesmo com as abordagens tradicionais, há ainda a questão de sua duração ser algo potente para quem quer ter experiências significativas, mas sem exigir ficar tanto tempo na frente da tela, algo dispendioso para muitos neste momento complicado.
"O curta é um formato que não está ligado a bilheteria por vários motivos, então ele não tem essa obrigação de cumprir metas, algo que o torna mais livre esteticamente. Não é sempre, mas o fato também de envolver menos custos também dá a possibilidade de um experimentalismo muito maior. Alguns se aproximam mais de uma forma narrativa mais convencional, mas muitos são pensados em uma linguagem mais própria do curta, ideias que funcionam mais como sugestão e não pretendem ser uma construção completa" explica Cavani. O perfil pode ser encontrado no @umcurta e deve ter continuidade por tempo indefinido, mesmo após o isolamento. Os planos para o futuro também contemplam a possibilidade de lives de entrevistas com realizadores.
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