As restrições impostas por conta da pandemia do novo coronavírus exigiu uma reconfiguração quase completa dos profissionais das artes da cena. Sem a presença física do público, as plataformas digitais têm sido o palco para experimentos que mesclam teatro e audiovisual e as possibilidades desse híbrido têm expandido a pesquisa de alguns coletivos. É o caso do pernambucano Teatro de Fronteira, que estreia a obra #Queerantena – Puro Teatro, sexta (24), às 20h, no site do Itaú Cultural.
Formado atualmente por Marconi Bispo, Ricardo Maciel, Rodrigo Cavalcanti e Rodrigo Dourado, o Teatro de Fronteira comemora uma década de atividades em 2020. Os artistas tinham vários planos para marcar a efeméride presencialmente, mas precisaram reformulá-los em decorrência da crise sanitária. Diante desse cenário, o grupo recorreu às tecnologias digitais para trabalhar a teatralidade online e continuar sua pesquisa.
"O coronavírus pegou a gente de surpresa não só em relação ao nosso planejamento de atividades, mas também no que diz respeito ao nosso próprio fazer. Alguns integrantes, com uma grande parcela da população, se viram sem trabalho, sem renda, e isso nos levou a alguns questionamentos", explica Rodrigo Dourado. "Há muito tempo trabalhávamos sem qualquer tipo de apoio, mas com a necessidade desse contexto, os editais também se reformularam e abriram espaço para os microprojetos, o que acabou nos estimulando a desenvolver novas criações."
Ao todo, o coletivo pernambucano conseguiu aprovar três projetos em chamadas públicas distintas. Puro Teatro, primeiro deles a ser compartilhado com o público, foi selecionado pelo Itaú Cultural e compõe o festival Arte Como Respiro, que neste primeiro momento é dedicado às produções de artes cênicas, produzidas antes da pandemia ou durante o isolamento social. A iniciativa do Fronteira se enquadra neste último grupo.
Em diálogo com a investigação do grupo, o vídeo trabalha com elementos do teatro documental e conta com atuações de Rodrigo Cavalcanti e Rodrigo Dourado, que é autor do texto. A direção é de Marconi Bispo e Ricardo Maciel, também é responsável pela edição. O trabalho toca em memórias relacionadas ao fazer teatral, à magia da criação da cena e também em questões ligadas à sexualidade e estará disponível no site da instituição, gratuitamente, por 24h.
"Sou um entusiasta deste campo expandido do teatro, como artista, professor (do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da UFPE) e pesquisador. Acho que as formas presenciais vão voltar e são necessárias e fundamentais, mas eu não gosto muito de definições essencialistas do teatro, que encerram como ele pode ou deve ser. Gosto do teatro que reflete o seu tempo e se adapta a ele. Acho que o que vai do teatro para esses trabalhos, que cria uma distinção em relação às outras obras de audiovisual, é a artesania. As tecnologias digitais têm sido uma grande aventura e ajudado a criar esses híbridos que me interessam bastante", enfatiza Dourado.
O artista acredita ainda que o compartilhamento das criações na internet oferece um ganho importante para os criadores fora do eixo sudestino, possibilitando um maior alcance para produções que, normalmente, ficariam circunscritas às suas regiões. O grupo já experimentou um pouco da potência desse maior alcance no início do isolamento social, quando compartilharam conteúdos autorais nas redes sociais.
Além de Puro Teatro, o Teatro de Fronteira compartilhará ainda dois projetos nestes próximos meses: leitura de O Evangelho Segundo Vera Cruz, baseado nas censuras sofridas pelo espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, com Renata Carvalho, em Pernambuco, e a videoarte 600 Réis, com texto de Marconi Bispo, obraque discute a situação socioeconômica dos artistas e das populações negras e periférias a partir do valor do auxílio emergencial fornecido pelo governo federal durante a pandemia. As criações foram selecionados por editais do Sesc Pernambuco e nacional, respectivamente.
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