No texto em que explica o conceito de seu oitavo álbum, Folklore, Taylor Swift discorre sobre as narrativas que, independente de sua origem ser real, ganham status de verdade e se consolidam no imaginário coletivo. Fantasia, história e memória se mesclaram, segundo ela, na criação deste trabalho, desenvolvido durante o isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus. Intimista, delicada e cheia de nuances, a obra reforça a potência da estadunidense como compositora e contém algumas de suas melhores interpretações.
A habilidade em contar boas histórias,muitas delas baseadas em suas próprias vivências, em um processo entre o biográfico e a autoficção, é uma das características mais marcantes da discografia de Taylor Swift. Descobrir as origens das crônicas presentes nas músicas, os supostos temas de suas composições, sejam eles amores, desafetos ou personalidades da mídia, se tornou quase uma missão para os fãs. Swift sabe dessa fixação e a alimenta, deixando várias pistas em seus trabalhos. Não é diferente com Folklore que, no entanto, chegou sem alarde, anunciado pela artista horas antes de seu lançamento.
O novo álbum, inspirado no fol e no rock alternativo, a primeira vista, pode parecer uma antítese estética e sonora de Lover (2019), disco com canções construídas a partir vertentes do pop como o synth e o electro e representado por clipes com cores vibrantes. O primeiro single daquele disco, Me!, evocava uma fantasia pueril, como uma alusão à jovem que o mundo viu crescer acreditando em contos de fadas e príncipes encantados.
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No entanto, o oitavo álbum da estadunidense deve muito à poética lúdica de 2019, que constituiu parte importante de um processo de libertação e de leveza da cantora, após anos de uma narrativa carregada que começou em 2009, no Video Music Awards, em que teve seu discurso interrompido por Kanye West. Naquele momento, Taylor, até então uma estrela country, começava sua transição para o pop, aprofundada com Red (2012) e consolidada no 1989 (2014).
Em mais um capítulo da confusão, Kim Kardashian, esposa de West, divulgou o trecho de uma ligação em que Swift supostamente concordava com o uso de um verso sexual envolvendo seu nome, após ela negar ter autorizado a menção. O episódio criou uma mácula na aura de "boa moça" associada à cantora desde o início da sua carreira, ao ponto do emoji de cobra nos aplicativos se tornar quase um sinônimo para Taylor, tamanho o bullying virtual em cima dela.
A disputa entre Kanye e Swift evocou debates sobre questões estruturantes da sociedade americana, como o racismo e a misoginia, e ganhou desdobramentos também nas eleições presidenciais de 2016. Enquanto celebridades como Beyoncé, Madonna, e Lady Gaga se engajaram politicamente, Swift não se manifestou, o que para muitos foi encarado como um apoio velado a Donald Trump, reforçado com o uso da imagem de Taylor por grupos supremacistas brancos (ela entrou na justiça para que as páginas fossem bloqueadas).
No disco seguinte, Reputation (2017) ela incorporou as conversas de tablóide sobre sua figura e a utilizou a seu favor: cobra foi adotada como um símbolo de empoderamento e a cantora tentou apresentar uma imagem mais falha e complexa permitindo-se ser lida como a jovem adulta que era, ainda que às vezes de forma tão incisiva que não soava orgânica. A narrativa de Taylor como vítima ou algoz, inclusive, está associada a problemáticas dentro da obra da cantora, cujo trabalho já foi acusado de reforçar conceitos machistas e pregar a rivalidade entre mulheres.
Com Lover, ela pareceu encontrar a diversão que estava ausente desde 2014, com a diferença de que, agora, já não se esquivava de assumir suas convicções e contradições, em músicas como The Man e The Archer. Em entrevistas, explicou que sofreu pressões para não se posicionar politicamente, mas que agora entendia a importância de usar sua voz.
Desde então, apesar de manter sua vida pessoal cada vez mais reservada, a artista manifesta enfaticamente seu apoio à comunidade LGBT, ao movimento Black Lives Matter e incentiva os fãs a votarem por candidatos democratas que defendem pautas progressistas.
Nos últimos anos, Swift também comprou briga com gigantes do streaming, como Apple Music e Spotify, demandando melhores condições de pagamentos para os artistas, além de ser o centro de uma batalha por seu próprio catálogo após sua ex-gravadora, a Big Machine Records, vender os direitos das canções de Taylor a Scott Braun, empresário de Justin Bieber e com quem a cantora é brigada. Em carta aos fãs, Swift expressou suas frustrações com a indústria musical e afirma ter sido ludibriada quando assinou seu primeiro contrato, ainda adolescente.
Suas composições também passaram, cada vez mais, a refletir suas complexidades, entendendo que o mundo não é binário e nem dividido em bons e maus, mas feito de pessoas falhas, tentando, cada uma a seu modo, ser feliz. Folklore é resultado desse contexto de amadurecimento e tomada de rédeas da própria narrativa. Ela parece, finalmente, estar à vontade para expressar sua subjetividade sem ter que "responder" às demandas da opinião pública sobre seu caráter.
Ao contrário de parte de suas contemporâneas, que têm refletido as angústias do momento pandêmico em exercícios utópicos a partir da dança e do desejo, Taylor optou por uma abordagem minimalista de suas emoções, trabalhando as dinâmicas difusas dos relacionamentos.
O álbum conta com algumas das composições mais lapidadas da artista, trabalhando as dificuldades dos afetos de forma complexa e, ao mesmo tempo, sem floreios, com produções minimalistas assinadas por Aaron Dessnes, da banda de rock The Nation, e Jack Antonoff, com quem Taylor trabalha desde o 1989. As canções são construídas majoritariamente em cima do piano e de instrumentos de cordas, com momentos de espaçamento e silêncios que ajudam a construir a atmosfera intimista da obra.
Canções como The 1, Illicit Affairs, The Last Great e My Tears Ricochet evocam memórias de amores quebrados, de fantasmas que ainda habitam os pensamentos, mas sem desespero ou indignação. Há, ao contrário, uma serenidade, como se Taylor investigasse essas experiências com a consciência de que, recontando-as, elas podem, como sugere o título do álbum, assumir outros significados e se transformar em um folclore pessoal, a exemplo de Invisible String, Seven e Exile, o excelente dueto com Bon Iver.
As ótimas Cardigan, August e Betty se conectam como uma crônica de um triângulo amoroso contado pela perspectiva de cada um dos envolvidos. This Is Me Trying é uma confissão delicada do esforço (e da frustração) de tentar remendar o que, aparentemente, já está roto em uma relação. Mad Woman é a referência mais direta às raízes country de Taylor, e é outro destaque do álbum. Já The Last Great American Dynasty é um dos melhores exemplos da destreza da artista em criar imagens vívidas através de suas composições.
Na mitologia que constrói em torno de si, Folklore talvez seja o momento de maior vulnerabilidade de Taylor Swfit desde os primeiros álbuns, quando expunha a visão ingênua e padrão do mundo com uma franqueza irresistível. Agora, mais experiente e madura, ela utiliza seu talento para refletir sobre a complexidade do amor, do estar no mundo e da dificuldade que é se relacionar com o outro (sempre um misto de realidade e fantasia).
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