Nascida na aristocracia recifense, a pintora Tereza Costa Rêgo, que faleceu neste domingo (26) aos 91 anos, pôde desenvolver a sua arte desde nova, quando aos 15 anos ingressou na Escola de Belas Artes, mas os seus traços autoriais só começaram a se consolidar a partir de uma série de mudanças na sua vida pessoal. O envolvimento com questões e feministas permeiam toda a sua obra e contribuíram para a criação de uma poética singular atravessada pelo desejo e pela liberdade.
Um dos fatos mais marcantes dessa reviravolta foi a decisão de deixar seu marido para viver o amor com Diógenes Arruda Câmara, então dirigente do Partido Comunista do Brasil, com quem se muda para São Paulo. O desquite e o seu posicionamento político à esquerda marcaram o rompimento de Tereza com a alta sociedade pernambucana.
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Com a o golpe militar em 1964, passa a viver na ilegalidade, posteriormente exilando-se no Chile em 1972, onde também presenciou a instauração de outra ditadura com a deposição de Pinochet. Com Diógenes, se refugia na França, onde passa a usar o nome Joanna e cursa o mestrado em História na Universidade Sorbonne.
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"Tereza viu o século 20 se fazer e desfazer na sua frente. Ela tinha uma consciência social profunda e foi testemunha de muitos eventos históricos, como a Revolução dos Cravos, em Portugal, os círculos do poder da China maoísta, a ebulição política da Albânia. Tereza foi atravessada pela política e este elemento permeia sua obra, de forma direta, como a série Sete Luas de Sangue e o painel Tejucupapo, que retrata diferentes momentos da história do Brasil. Ela viveu às últimas consequências sua escolha pelo amor e pela política e sempre dizia que podia estar até pintando uma natureza morta, mas que ainda assim aquela tela era afetada por tudo que ela viu e viveu", enfatiza o jornalista Bruno Albertim, amigo e autor da biografia Tereza Costa Rêgo: Uma Mulher em Três Tempos (Cepe Editora).
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Com a anistia política, Tereza retorna ao Brasil em 1979, mudando-se para Olinda após a morte precoce de seu companheiro. Na sua casa na Rua do Amparo, se dedica com afinco à sua arte e começa a dar corpo à sua obra, ensolarada, tropical, hormonal e política, destaca Albertim.
Contraponto feminista
Para Bruno Albertim, Tereza ofereceu um contraponto feminista ao universo majoritariamente masculino da arte moderna em Pernambuco.
"Ela era muito controlada pela família: não podia rir em público, não podia usar certas roupas, como maiô. Quando a mãe dela morre, instintivamente ela pinta uma mulher nua pela primeira vez. É como uma libertação. Tereza entende o patriarcado como um fato histórico e ela sentiu na pele os efeitos dele.
Sua opinião é partilhada pelo curador Marcus Lontra, que defende que a expressão da subjetividade feminina na obra de Tereza Costa Rêgo está entre as mais ousadas e impactantes da arte brasileira do século 20.
"Poucas pessoas captaram a questão do feminino de uma forma corajosa como ela. Com a sensualidade, autonomia, potência, com um olhar para o futuro, jamais aceitando a ideia da mulher submissa, recatada e do lar", explica Lontra.
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