Se hoje é difícil imaginar uma livraria que não tenha poltronas ou sofás para que os leitores possam folhear as obras com calma, que não realize eventos culturais ou agregue clientes em torno de um café ou pequeno restaurante, isso se deve ao pioneirismo de Tarcísio Pereira. Foi na mítica Livro 7, que funcionou na área central do Recife por três décadas (além das filiais na Paraíba, em Alagoas e no Ceará), que o livreiro inovou o ofício e propiciou a tantos leitores momentos inesquecíveis com os encontros, seminários, lançamentos e festas que promovia semanalmente. Tarcísio celebra hoje os 50 anos de inauguração da livraria com uma live em seu perfil do Instagram, às 20h.
Mesmo que o encerramento das atividades — ocorrido definitivamente em 2000, em decorrência da instabilidade econômica e do advento de novos modelos de livrarias em shoppings — tenha sido sentido com muito pesar, a Livro 7 permanece, 20 anos depois, sinônimo de um espaço que fomentou a cena cultural e formou gerações de leitores. Sem esquecer que foi motivo de orgulho para a megalomania pernambucana, já que figurou como a "Maior livraria do Brasil" no Guinness Book, graças a seus 1.200 m².
Mas a trajetória da Livro 7 tem início anos antes de atingir este recorde. Durante a década de 60, Tarcísio trabalhou na livraria Imperatriz, onde se formou livreiro e decidiu abrir sua própria loja em 1970. "A história da Livro 7 tem várias fases. A primeira durou dois anos, quando ficava em uma galeria, era pequena, tinha uns 20m². Eu esperava as outras lojas fecharem de noite para usar o corredor e fazer os eventos. Tivemos exibição de filmes de Super-8 de Celso Marconi, Jomard Muniz de Britto, Fernando Spencer. Em 72, aluguei a loja ao lado e ampliei, então, o espaço com uma porta entre as duas até que, em 74, vi que um casarão da Sete de Setembro estava para alugar. Era muito grande, tinha 10 salas e sabia que seria demais só para os livros. Então subloquei", conta.
O que atualmente é conhecido como "espaço colaborativo", muito em voga na cidade, já se desenhava com contornos nítidos 45 anos atrás, no casarão da Sete de Setembro. Além de livros, o local agregava lojas de plantas de interiores, artesanato, discos, uma cervejaria no jardim e um teatro com espetáculos nas sextas e sábados. "Antes do teatro eu tinha montado uma galeria de arte que inaugurou com uma exposição de Cavani Rosas. Era um espaço cultural vivo, nunca vi a livraria apenas como uma casa repleta de prateleiras de livros. No início foi um desafio saber como atrair o público para uma livraria de galeria, mas era importante para mim que as pessoas que frequentassem pudessem participar da programação", lembra Tarcísio.
Semanalmente aconteciam lançamentos, debates e outros eventos. João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna e Eduardo Galeano foram alguns dos que fizeram história na livraria. Uma das sessões de autógrafos mais disputada foi a de Sidney Sheldon que, no final dos anos 80, figurava entre os mais vendidos internacionalmente.
GERAÇÕES
Não foram poucos os momentos que marcaram os 30 anos da Livro 7. Ela foi palco dos encontros quase que diários da Geração 65, formada por Alberto da Cunha Melo, Jaci Bezerra, Marcus Accioly, Terêza Tenório, Lucila Nogueira, Janice Japiassu, Raimundo Carrero e tantos outros poetas e romancistas. "Foi a nossa catedral. Era a um só tempo religião, rua e universidade porque funcionava, a nosso modo, a Sorbonne. Um lugar acolhedor sobretudo pelo nível cultural e pelos livros", lembra Carrero que, inclusive, usou o espaço como cenário em seu livro Sinfonia para Vagabundos (1993).
"A gente tinha orgulho da Livro 7 como se fosse nossa. Tarcísio era como um patrono da literatura, muitas ações do movimento de escritores independentes aconteceram lá", conta a poeta Cida Pedrosa, que começou a frequentar o local adolescente, em 1978, quando chegou de Bodocó para estudar no Recife. "Nos estávamos vivendo um processo de abertura do cárcere, em 79 teve a Anistia. Era sempre um grande encontro de gerações."
Os escritores Marcelino Freire e Xico Sá também faziam parte desses então jovens que amadureceram artisticamente entre uma ida e outra à livraria. "Vários livros que trago hoje comigo trazem o selo da Livro 7. Eu tive crediário por lá, participei de lançamentos. E também a Livro 7 me ajudou nas primeiras produções artísticas. Se hoje eu sou escritor, algumas dessas páginas da minha história foram escritas lá", conta Marcelino.
Xico chegou a trabalhar no espaço. Ele lembra com carinho dos encontros que fez na Livro 7, dos "livros comprados e também roubados (risos), até nisso a casa era generosa — milhares de amigos têm histórias para contar desses furtos, uma certa delinquência cult. A causa era nobre. Além de formar leitores, a Livro 7 era o jardim dos caminhos que se bifurcam."
Tarcísio pretende continuar as comemorações realizando novas lives, com escritores e antigos clientes.
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