Essência do clássico hardcore

DEAD FISH Mirando as três décadas de estrada, banda uniu em álbum dez faixas selecionadas entre as compostas de 2004 até 2019

Nathália Pereira
Cadastrado por
Nathália Pereira
Publicado em 28/07/2020 às 6:00
ELTON PEREIRA/DIVULGAÇÃO
FORMAÇÃO Ric Mastria (guitarra), Rodrigo Lima (voz), Marcão Melloni (bateria) e Igor Tsurumaki (baixo) - FOTO: ELTON PEREIRA/DIVULGAÇÃO
Leitura:

Prestes a completar 30 anos de estrada, o Dead Fish lançou há alguns dias o que se pode chamar de 9º álbum da carreira. Trata-se, na verdade, de um compilado, batizado Lado Bets, reunindo dez músicas, que vão de sobras de estúdio a singles, versões e "faixas escondidas" gravadas entre 2004 - ano de lançamento do já clássico Zero e Um - e 2019, quando a banda capixaba de hardcore concebeu seu último de inéditas. O disco tem selo da Deck e está disponível para audição em plataformas de streamig e no YouTube.

"Era para ser um EP, mas achamos tanta coisa legal que virou um álbum", explica o vocalista Rodrigo Lima sobre Lado Bets, cujo resultado é fruto de uma pesquisa feita em parceria com o produtor Rafael Ramos durante a forçada quarentena necessária para barrar o contágio pelo novo coronavírus.

O destaque vai para as que datam do início da década passada, a exemplo da rápida Décimo Andar (2005), com duração de um minuto e feita para um projeto da finada MTV Brasil, A Recompensa (2006), à época, um extra para quem conseguisse o código colocado dentro do CD Um Homem Só, e Manic Nonlinear, tributo ao Manic Compression (1995), segundo álbum do Quicksand. É um bom apanhado do que o Dead Fish fez nas últimas décadas para além da formalidade do que contém os álbuns fechados.

Lado Bets, além disso, é um passeio pela contribuição de alguns dos músicos que ajudaram a solidificar o Dead Fish como uma das mais importantes bandas da cena hardcore nacional desde a fundação, em 1991. Aparecem lá nomes como os do baterista Leandro Nô, do guitarrista Philippe Fargnoli e o do baixista Alyand Mielle, que integrava o quarteto desde 1996 e precisou se afastar em 2018 para tratar três hérnias de disco na coluna. A atual formação do Dead Fish tem Rodrigo Lima no vocal, Ricardo Mastria na guitarra, Igor Tsurumaki no baixo e Marcão Melloni na bateria.

PONTO CEGO

As mais recentes entre as dez escolhidas para a "coleção de raridades" são Sem Remédio e O Outro do Outro, sendo esta última originalmente um bônus da versão em mídia física de Ponto Cego, álbum de estúdio lançado também pela Deck, gravadora para a qual a banda retornou depois de sete anos, em maio de 2019. Assim como todo o disco, a faixa foi mixada por Bill Stevenson, produtor, baterista da californiana Descendents e ex-Black Flag.

Há nela ainda a marca umbilical que une todas as demais 14 tracks do registro, a menção ao ponto cego do título, referência direta ao eixo temático explicitamente esmiuçado da abertura - A Inevitável Mudança -, ao desfecho, Descendo as Escadas: o cenário sociopolítico contemporâneo, com ênfase, claro, ao que se passa no Brasil. Estão lá, entre outros subtemas, o jogo de poderes, a ganância, as inúmeras contradições repetidas sem critério e sem análise pelo cidadão médio brasileiro, elitismo, racismo e, evidentemente, a cegueira generalizada a respeito das complexas relações políticas nacionais que se retroalimenta de tudo isso.

"Ganhar mudando as leis/Viver sem competir/Desaprender a enxergar e a sentir/O ponto cego desumaniza o outro/Nega e anula o outro, e o outro/Do outro, do outro", diz trecho da letra de O Outro do Outro, direta e propositalmente sem deixar espaço para divagações ou suposições em cima do que é exposto. "Ele (o álbum Ponto Cego) não me emociona num nível de alcançar as profundezas do meu sentimento. (Ele) é tudo que já está aflorado, é uma raiva trabalhada", pontua Rodrigo Lima em documentário com os bastidores da gravação do álbum.

Em entrevista para o canal da 89 - A Rádio Rock no YouTube, dias antes do lançamento do Ponto Cego, Rodrigo explica que este foi o primeiro álbum no qual contou com um parceiro na criação das letras, principalmente porque sentiu necessidade de ter um contraponto à intensa fúria que vivenciava e precisava passar para o papel. "Escrevi com o Álvaro Dutra (também músico, produtor e nome à frente do selo Prótons), amigo meu de Brasília, porque se não ia ser um disco só de palavrão. Eu queria ter certa classe", diz Rodrigo.

O frontman aproveitou a mesma ocasião para mais uma vez citar que este seria, enfim, o último trabalho do Dead Fish em formato de álbum cheio, com músicas pensadas, compostas, distribuídas e trabalhadas como conjunto - o que ele considera gerar menos engajamento, principalmente entre os mais jovens, se comparado ao atual modo de se consumir música, quando há preferência por singles. Para a alegria de seus seguidores, a banda, ao que indica a chegada de Lado Bets, deve repensar a ideia.

DECKDISC/DIVULGAÇÃO
LADO B Registro tem sobras de estúdio, singles e até versões - FOTO:DECKDISC/DIVULGAÇÃO

Comentários

Últimas notícias