"Sejam gentis uns com os outros". Esse é o mantra proferido há anos por Ellen DeGeneres em seu programa de televisão e que ajudou a solidificar a imagem da apresentadora como uma pessoa simpática e empática. No entanto, acusações recentes de que ela seria conivente com um ambiente de trabalho abusivo, e em alguns casos discriminatório, têm posto em xeque essa percepção coletiva e gerado reflexões sobre a cultura de celebridades e a perpetuação de comportamentos tóxicos.
Com seu jeito extrovertido e acolhedor em seu programa de variedades, no ar há 17 anos, a humorista se tornou um case de sucesso: lésbica, quebrou barreiras e se tornou um ícone do entretenimento, convertendo-se também uma das apresentadores mais vistas e bem pagas da televisão norte-americana durante o concorrido horário matinal, espaço tradicionalmente heteronormativo.
Desde sua estreia, em 2003, o The Ellen DeGeneres Show já recebeu alguns dos maiores nomes da música, televisão, política, cinema e cinema, como Barack e Michelle Obama, Oprah Winfrey, Beyoncé e Adele. Ellen parecia uma unanimidade, querida entre todos, mas a realidade dos bastidores se mostrou mais complexa.
Rumores de que a artista seria uma pessoa de difícil trato, contradizendo, portanto, a imagem que ela passa na televisão, já circulavam em sites de fofoca há anos. A comediante Kathy Griffin, por exemplo, em sua biografia, contou em 2016, sem citar nomes, que uma colega de profissão "baixa e de cabelo loiro e curto" teria sido a responsável por sua expulsão de um camarim no Emmy. Ela adicionou ainda que essa mesma pessoa era conhecida nos bastidores de Hollywood por ser "má".
Mas, somente em, 2020 as acusações ganharam corpo e nomearam diretamente a apresentadora. Relatos de diferentes fontes, como o comediante Kevin T. Porter. "Neste momento, todos nós precisamos de um pouco de amor, como diz Ellen DeGeneres. Ela também é notoriamente uma das pessoas mais maldosas", escreveu em um tuíte que recebeu mais de 70 mil curtidas e 18 mil compartilhamentos.
Os relatos foram ganhando mais força nos últimos meses: Nikkie de Jager, youtuber conhecida por tutoriais de maquiagem, contou que sua experiência no programa não foi agradável, que Ellen não a cumprimentou antes de entrarem no ar e que o ambiente não era acolhedor. Pouco depois, um ex-segurança da artista afirmou em entrevista que ela era fria e não bem pessoas fora do seu ciclo de amizade ou interesse.
Em junho, o BuzzFeed publicou uma matéria com depoimentos anônimos de uma dezena de funcionários explicando as supostas dinâmicas dos bastidores do The Ellen DeGeneres Show. De acordo com os relatos, o ambiente é tóxico, pouco aberto às minorias, inclusive perpetuando atitudes racistas, e que basicamente toda a equipe era proibida de dirigir a palavra à apresentadora ou até mesmo olhar para ela.
O artigo teve forte repercussão e a Warner Bros, responsável pelo programa, anunciou que faria uma investigação interna para apurar os fatos, segundo matéria publicada na Variety. Desde então, muitos têm apontado que Ellen seria a mais nova "cancelada" da internet.
De acordo com o The Hollywood Reporter, a apresentadora finalmente comentou sobre o assunto (ainda que internamente) na semana passada, quando enviou uma carta para sua equipe. Nela, Ellen pede desculpas pela forma como a situação foi conduzida e afirma que seu objetivo sempre foi criar um ambiente de trabalho harmônico e seguro. Ela pontou ainda que delegou responsabilidades a alguns executivos que ela imaginava seguirem seu modo de gestão - o que, segundo a apresentadora, não ocorreu.
"Como alguém que foi julgada e praticamente perdeu tudo apenas por ser quem eu sou, eu realmente entendo e tenho uma profunda compaixão por aqueles que são olhados de maneira diferente, ou tratados injustamente, de forma desigual ou, pior, desrespeitosa. Pensar que qualquer um de vocês possa ter se sentido assim é horrível para mim", escreveu, comprometendo-se ainda a fazer mudanças para evitar que os erros se repetissem.
A movimentação em torno do assunto pode ser vista como um desdobramento do #MeToo, que em 2017 expôs de forma contundente os abusos e assédios sexuais cometidos por grandes figuras de Hollywood, como o produtor Harvey Weinstein. No caso da apresentadora, ainda que ela não esteja envolvida em escândalos de ordem sexual, seus executivos foram acusados de assédios e, como chefe do programa, o ambiente tóxico do show é também atribuído a ela, que não teria se preocupado com o bem-estar e a segurança de seus funcionários.
Representatividade
Ellen DeGeneres é uma figura marcante da televisão e da cultura pop dos Estados Unidos. A artista de 62 anos começou sua carreira como comediante, fazendo stand-ups em pequenos clubes, e, aos poucos, conquistou uma audiência nacional no circuito de humor, participando também de alguns filmes. Mas, foi na televisão onde ela construiu seu império.
O sitcom Ellen estreou 1994, com boas críticas e audiência. Em 1997, a artista se tornou manchete nacional após assumir-se lésbica na série. O episódio foi um marco por ser um dos primeiros da televisão americana mainstream no qual a protagonista falava abertamente sobre sua sexualidade, em um momento em que o assunto ainda era considerado um grande tabu.
A atração foi cancelada no ano seguinte e as carreiras de Ellen e Laura Dern, que dividia a cena com ela no episódio, viram suas carreiras esfriarem por um tempo, ao que muitos atribuíram a um boicote homofóbico da indústria.
No Globo de Ouro de 2020, Ellen foi celebrada com o prêmio Carol Burnett por suas colaborações para a televisão. A estatueta celebrava a forma como a apresentadora ajudou a transformar a representatividade no meio de comunicação. Na mesma premiação, Laura Dern também saiu premiada como Melhor Atriz Coadjuvante por História de Um Casamento, em um momento que muitos apontaram como elucidativo das transformações sociais ocorridas as últimas duas décadas, com maior abertura e aceitação para a comunidade LGBT.
De fato, com a popularidade do The Ellen Show, DeGeneres conseguiu abrir várias portas, tratando questões de gênero e sexualidade com naturalidade, incluindo sua relação com a esposa, Portia de Rossi, para uma audiência ampla. Com seu uniforme característico (terno, calça e tênis) e um sorriso largo no rosto, criou um visual internacionalmente reconhecido e solidificado na cultura pop.
Seu carisma era tão celebrado, e sua figura tão querida, que ela já foi responsável por apresentar o Oscar, Emmy e Grammy, tamanha sua popularidade. A influência de Ellen nas redes sociais também impressiona pelos milhões de seguidores: no Twitter, são quase 80; no Instagram, 92. No Youtube, seu canal tem 37,6 milhões de inscritos e mais de 20 bilhões de visualizações.
É precipitado dizer se as acusações feitas pelos funcionários vai afetar a forma como o público enxerga Ellen - e se a própria vai, de fato, se engajar em transformar a política do ambiente de trabalho de seu programa.
Rumores afirmavam que ela estaria pensando em se afastar da atração, mas, em uma interação recente no Twitter, um dos seus produtores negou que essa seja uma possibilidade. As gravações presenciais estão suspensas enquanto a pandemia do novo coronavírus durar, o que, de certa forma, é benéfico para a apresentadora, dada a origem da crise.
Até agora, ela não se pronunciou publicamente, apesar de postar com regularidade nas redes sociais, onde tem compartilhado conteúdos de sua casa. Mas, com as denúncias se amontoando e o ativismo crescente nas redes sociais, demandando justiça e comportamentos respeitosos a todos, veículos como US Weekly apontam que ela deve se posicionar em breve, como uma forma de conter a crise.
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