No último trimestre de 2019 era difícil entrar em uma livraria e não se deparar, nas estantes em destaque, com dois livros de capas de cores vivas (azul turquesa e verde limão), títulos curtos e design minimalista. A estética contemporânea e instagramável de Conversas Entre Amigos (Alfaguara) e Pessoas Normais (Companhia das Letras), respectivamente o primeiro e segundo romance da escritora Sally Rooney, em tudo revelam as temáticas que esta jovem irlandesa de 28 anos aborda com muita sensibilidade, em uma linguagem inteligentemente sem firulas.
Desde o lançamento de sua estreia ficcional, em 2017, Sally vem chamando a atenção da crítica e do grande público. Rapidamente, passou a integrar as listas de mais vendidos na Europa e nos Estados Unidos e chegou até ser chamada de "Salinger da geração Snapchat", alcunha que se popularizou com seu segundo romance - em 2018 na Grã-Bretanha e no ano seguinte no Brasil, com tradução novamente de Débora Landsberg.
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Celebridades do mundo pop como Taylor Swift, Dua Lipa, Sarah Jessica Parker e Lena Dunham já declararam serem fãs das narrativas de Sally e muitos outros se uniram ao coro quando foi lançada, este ano, a adaptação em série do livro pela BBC e HuLu, que chegou para o público brasileiro no último mês de julho, através da plataforma de streaming Starzplay.
A produção, divida em 12 capítulos e co-roteirizada pela própria autora, concorre em quatro categorias no Emmy Awards, que acontece na noite deste domingo (20): Melhor Ator em Minissérie ou Filme Para TV (Paul Mescal, intérprete de Connel Waldron), Melho Direção em Minissérie ou Filme para TV (Lenny Abrahamson), Melhor Roteiro em Minissérie ou Filme Para TV (episódio 3) e Melhor Elenco de Minissérie ou Filme Para TV.
Pessoas Normais acompanha Marianne Sheridan e Connell Waldron durante os quatro anos que marcam a transição da adolescência para a vida adulta. Moradores da tranquila cidade de Carricklea, localizada no condado de Sligo, no interior da Irlanda, eles se conhecem desde pequenos mas nunca foram realmente amigos. A mãe de Connell, Lorraine, trabalha como diarista para o rico e pequeno núcleo familiar de Marianne, composto pela sua mãe e seu irmão, com quem tem um relacionamento no mínimo conturbado.
A jovem é reservada e solitária, considerada esquisita pelos seus colegas mas, assim como Connell, uma das melhores alunas da escola. Apesar de uma personalidade mais introspectiva, ele é muito popular e vive rodeado de amigos. No último ano do Ensino Médio, eles engatam um namoro às escondidas, que irá resultar em uma forte amizade, entre longas idas e vindas ao longo da faculdade.
Ambos vão estudar na universidade de Trinity, em Dublin, e é neste ambiente que as lógicas de entrosamento coletivo que até então os identificavam são subvertidas. Marianne rapidamente estabelece laços de amizade enquanto Connell sente-se deslocado desde o primeiro dia. É também no ambiente acadêmico que as diferenças socioeconômicas que sempre estiveram na base do relacionamento dos dois saem de uma latência subjetiva e se tornam cada vez mais evidentes e fruto de alguns conflitos.
Mas Pessoas Normais não é um Romeu e Julieta à la geração millennial, não há idealização cega do par romântico. É impossível, ao ler este brevíssimo resumo, conseguir captar o clima do enredo e os desdobramentos da relação de Marianne e Connell. O que há de inovador na obra de Sally Rooney não é a trama propriamente dita, mas sua abordagem direta e atualíssima.
Sua escrita é quase fria em determinados trechos, há muita descrição objetiva dos gestos dos personagens, como se fosse um roteiro, o que pode causar um certo estranhamento de início, mas com naturalidade e de modo crescente ao longo das 262 páginas, a autora nos convida a entrar na intimidade deste dois jovens que falham miseravelmente em se afastar um do outro.
"Eu realmente não acredito na ideia do indivíduo. Sinto-me constantemente atraída por escrever sobre intimidade e a maneira como construímos um ao outro", declarou uma vez Sally Rooney em entrevista ao The New York Times.
Um dos pontos altos do livro são os diálogos, reproduzidos quase sempre ao pé da letra na série. Do primeiro ao último capítulo, nenhum leitor irá se decepcionar com as escolhas da equipe de roteiro e direção. As interpretações de Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones estão impecáveis, assim como a trilha sonora.
A dinâmica de aproximação e afastamento constante entre Marianne e Connell é apresentada tanto na forma quanto no conteúdo nas duas obras. Os momentos em que eles mais próximos são os mais belos, mas também os que proporcionam uma sensação de nunca conseguir atingir totalmente seus anseios e frustrações no leitor/telespectador.
E neste quesito a série acerta em conseguir provocar de maneira mais intensa esse elo que une Marianne e Connell. Tão único que ninguém mais consegue alcançá-los por inteiro. O que não implica em uma ausência de identificação ou envolvimento com as história, muito pelo contrário. É inevitável reconhecer seus próprios desejos e medos, antigos e atuais, na vida dos dois personagens.
Pessoas Normais é uma leitura por momentos desconcertante de tão real; um retrato da juventude dos anos 2010 que, entre expectativas familiares e dinâmica social regida pelas redes digitais, tenta encontrar seu lugar no mundo.
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