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O cubo viciante de Erno Rubik

BALANÇO Inventor húngaro de um dos mais populares quebra-cabeças lança livro falando a respeito de sua relação com o Cubo Mágico

ALEXANDRA ALTER
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ALEXANDRA ALTER
Publicado em 13/10/2020 às 2:00
AKOS STILLER/NYT
DESAFIO O húngaro Erno Rubik ainda continua aprendendo com o Cubo Mágico que criou em 1974 - FOTO: AKOS STILLER/NYT
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A primeira pessoa que conseguiu resolver o Cubo Mágico passou um mês lutando para decifrá-lo. Foi o criador do quebra-cabeça, um despretensioso professor de Arquitetura húngaro chamado Erno Rubik. Naquela oportunidade, em 1974, ele não tinha certeza de que o cubo pudesse ser resolvido. Mais tarde, os matemáticos calcularam que há 43.252.003.274.489.856.000 maneiras de organizar os quadrados, mas apenas uma combinação está correta.

Quando Rubik finalmente realizou a façanha, depois de semanas de frustração, foi dominado por "uma grande sensação de realização e de alívio absoluto". Olhando para trás, ele percebe que a nova geração de "speedcubers" - o chinês Yusheng Du estabeleceu o recorde mundial de 3,47 segundos em 2018 - pode não ficar impressionada. "Mas, lembre-se, isso nunca havia sido feito antes", escreveu Rubik em seu novo livro, Cubed.

Nas quase cinco décadas desde então, o Cubo Mágico se tornou um dos quebra-cabeças mais duradouros, sedutores, enlouquecedores e atraentes já criados. Mais de 350 milhões de cubos já foram vendidos em todo o mundo; se incluirmos as imitações, o número será muito maior. Ele cativa programadores de computador, filósofos e artistas. Centenas de livros prometendo estratégias de resolução rápida, analisando os princípios de design do cubo ou explorando seu significado filosófico foram publicados. "O cubo passou a incorporar muito mais do que apenas um quebra-cabeça. É uma invenção mecânica engenhosa, um passatempo, uma ferramenta de aprendizagem, uma fonte de metáforas, uma inspiração", escreveu o cientista cognitivo Douglas Hofstadter em 1981.

Mas, mesmo quando o Cubo Mágico conquistou o mundo, o homem avesso à publicidade por trás dele permaneceu um mistério. Cubed é em parte seu livro de memórias, em parte um tratado intelectual e em grande parte uma história de amor sobre sua relação sempre em evolução com a invenção que leva seu nome e com a comunidade global de "cubers" em torno nela.

"Não quero escrever uma autobiografia, porque não estou interessado na minha vida ou em compartilhá-la. O principal motivo pelo qual escrevi o livro foi para tentar entender o que aconteceu e por que aconteceu. Qual é a verdadeira natureza do cubo?", comentou Rubik durante uma entrevista pelo Skype de sua casa em Budapeste.

ALTO ASTRAL

Rubik, de 76 anos, é animado e cheio de vida, gesticulando com os óculos, pulando no sofá e passando as mãos pelo cabelo para que ele se levante em um tufo cinzento, o que lhe dá a aparência de um pássaro assustado. Fala formalmente e dá respostas longas, elaboradas e filosóficas, frequentemente terminando com a frase "e assim por diante" ao circundar o fim de um assunto. Sentou-se em sua sala de estar, em uma casa que ele mesmo projetou, em frente a uma estante cheia de títulos de ficção científica - seus favoritos incluem as obras de Isaac Asimov e do escritor polonês Stanislaw Lem.

Ele fala do cubo como se fosse seu filho. "Estou muito ligado a ele. Cresceu ao meu lado e agora está na meia-idade, por isso sei muito sobre ele. Aqui está um", disse Rubik, que em seguida pegou um cubo na mesa de centro e brincou distraidamente com ele por cerca de uma hora enquanto conversávamos.

Segundo ele, enquanto escrevia Cubed, sua compreensão sobre a invenção evoluiu. "Na jornada para tentar entender a natureza do cubo, mudei de ideia. O que realmente me interessou não foi a natureza do cubo, mas a natureza das pessoas, a relação entre elas e o cubo", observou Rubik.

Ler Cubed pode ser uma experiência estranha e desorientadora, análoga a mexer em um de seus cubos. O livro carece de estrutura ou de um arco narrativo claro - um efeito deliberado, segundo Rubik. Inicialmente, ele nem sequer queria que o livro tivesse capítulos ou mesmo um título.

"Tive várias ideias e pensei em compartilhar essa mistura delas que tenho em mente e deixar que o leitor descubra quais são valiosas. Não estou pegando você pela mão e o levando por esse caminho. Você pode começar o livro a partir do fim ou do meio", observou o autor. Ou do início.

Erno Rubik nasceu em 13 de julho de 1944, cerca de um mês depois do Dia D, no porão de um hospital de Budapeste que havia se tornado um abrigo antiaéreo. Seu pai era um engenheiro que projetava planadores.

Quando menino, Rubik gostava de desenhar, de pintar e de esculpir. Estudou Arquitetura na Universidade de Tecnologia de Budapeste e em seguida cursou a Faculdade de Artes Aplicadas. Ficou obcecado por padrões geométricos. Como professor, ministrou aulas de Geometria Descritiva, que envolvia ensinar os alunos a usar imagens bidimensionais para representar formas e problemas tridimensionais. Era um campo estranho e esotérico, mas o preparou para desenvolver o cubo.

ACASO

Na primavera de 1974, quando tinha 29 anos, Rubik estava em seu quarto, no apartamento de sua mãe, mexendo nas coisas. Ele descreve seu quarto como o interior do bolso de uma criança, com giz de cera, barbante, pedaços de pau, molas e papel espalhado por todas as superfícies. Também ficava cheio de cubos que ele mesmo fizera, de papel e de madeira.

Um dia - "não sei exatamente por quê", escreveu Rubik -, tentou colocar oito cubos para que ficassem juntos, mas também pudessem se mover e trocar de lugar. Fez os cubos de madeira e, em seguida, furou os cantos de cada cubo para uni-los. O objeto rapidamente se desfez.

Depois de muitas tentativas, Rubik encontrou um design único que lhe permitiu construir algo paradoxal: um objeto sólido e estático que também é fluido. Depois de dar um giro inicial em seu cubo de madeira, ele decidiu pintar os quadrados para tornar seu movimento visível. Pintou os lados dos quadrados de amarelo, azul, vermelho, laranja, verde e branco. Girou uma vez, depois outra, depois outra, e continuou girando até que percebeu que não seria capaz de restaurá-lo ao seu estado original.

Ele ficou perdido em um labirinto colorido e não fazia ideia de como navegá-lo. "Não havia caminho de volta", anotou o autor.

Depois de conseguir decifrá-lo, Rubik deu entrada em um pedido no Escritório de Patentes da Hungria para um "brinquedo lógico tridimensional". Um fabricante de jogos de xadrez e de brinquedos de plástico fez cinco mil cópias. Em 1977, o Buvös Kocka, ou Cubo Mágico, de Rubik, estreou nas lojas de brinquedos húngaras. Dois anos depois, 300 mil cubos haviam sido vendidos na Hungria.

Rubik assinou contrato com uma empresa americana, a Ideal Toy, que queria um milhão de cubos para vender em outros países. Em 1980, a Ideal Toy trouxe Rubik a Nova York para uma feira de brinquedos. Ele não era o vendedor mais carismático - um professor de Arquitetura tímido com um nível de inglês limitado -, mas a empresa precisava de alguém para mostrar que o quebra-cabeça tinha uma solução.

As vendas explodiram. Em três anos, a Ideal vendeu cem milhões de exemplares do Cubo Mágico. Guias para resolvê-lo dispararam na lista dos livros mais vendidos. "Em certo sentido, o cubo é muito, muito simples - ele só tem seis lados, seis cores. Em pouquíssimo tempo, no entanto, ele se torna incrivelmente complexo", disse Steve Patterson, filósofo e autor de Square One: The Foundations of Knowledge (Casa Um: As Fundações do Conhecimento, em tradução literal), que escreveu sobre o cubo como uma incorporação de paradoxos.

A mania desapareceu quase tão rapidamente quanto surgiu. Falsificações baratas inundaram o mercado e a demanda diminuiu. Em 1986, o The New York Times publicou um artigo que mais parecia um obituário, definindo o cubo como "um meteoro brilhante que se extinguiu".

NOVOS PROJETOS

Rubik abriu um estúdio de design na Hungria e começou a trabalhar em novos projetos e a retomar os que tinham sido abandonados, incluindo os quebra-cabeças Snake e Rubik's Tangle.

Os relatos da morte do cubo foram prematuros. Na década de 1990, uma nova geração de entusiastas o descobriu. Novos recordes de "speedcubing" foram estabelecidos, bem como para resolvê-lo debaixo d'água, em queda livre, com os olhos vendados, fazendo malabarismos. A Associação Mundial do Cubo Mágico organiza anualmente mais de mil competições de "speedcubing".

O próprio Rubik não passaria da primeira fase. Ele consegue resolver o cubo em cerca de um minuto - melhor do que aquele primeiro e agonizante processo -, mas não está interessado em velocidade. "A solução elegante, a qualidade da solução, é muito mais importante do que o tempo", argumentou.

Hoje em dia, ele passa o tempo lendo ficção científica, jogando tênis de mesa, cuidando do jardim e de seus cactos: "Eles têm flores maravilhosas e vivem por longos anos." Seu relacionamento com o cubo ainda não se encerrou, e Rubik ainda reflete sobre as possibilidades - não de melhora do design, mas das aplicações potenciais.

"Não estou fazendo isso porque quero ser campeão, nem porque espero fazer novas descobertas. Ao mesmo tempo, espero ter algumas novas ideias básicas. Vejo potenciais que ainda não são aproveitados. Estou procurando por isso", completou Rubik.

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