* Atualizada em 29/10
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, muito se tem debatido a respeito das necessidades do agentes culturais e do quanto se consumiu cultura em casa. Dentre os temas mais falado, sem dúvidas se encontram duas máximas: a de que o setor foi um dos primeiros a fechar e está sendo um dos último a voltar, e que, se não fosse pelos serviços de streaming, lives e outras ferramentas digitais, o confinamento teria sido ainda mais duro. Uma pesquisa realizada pelo Itaú Cultural em parceria com o Datafolha, cujos resultados foram divulgados na última semana, revelou que, para a maioria dos brasileiro, ter consumido produto culturais melhorou de fato a qualidade de vida neste difícil período.
A pesquisa se debruçou sobre os hábitos de consumo de cultura no ambiente digital durante a pandemia e revela dados interessantes. Com abrangência nacional, os pesquisadores entrevistaram, por telefone, 1.521 pessoas entre 16 e 65 anos, sendo 42% delas moradoras das regiões metropolitanas e 58% de cidades do interior. Deste total, a maioria é da região Sudeste (43%), depois vem o Nordeste (26%), Sul (15%) e Norte e Centro-Oeste (8% cada).
Para 54% dos brasileiro fazer uma atividade cultural ajudou a diminuir a sensação de solidão e 45% creditaram o fato de estarem menos estressados e ansiosos a essas atividades. Além das questões de ordem mais individual, para 58% dos entrevistados este consumo também ajudou a melhorar o relacionamento com outras pessoas.
O pernambucano José Victor Nunes, de 20 anos, integra a parcela da população representada por esses dados. Estudante do primeiro período de medicina, ele passou o primeiro semestre de 2020 dedicado aos estudos, antes de ingressar na universidade em agosto. Para driblar a saudade das saídas, dos amigos e do peso consequente das notícias tristes em relação aos números da Covid-19, ele mergulhou nos catálogos das plataformas digitais de produções culturais e na leitura.
"Meu refúgio era ler ou ver um filme alegre para não ficar preso apenas à rotina de estudos e do noticiário. A única forma de sair da realidade e do mesmo cenário de casa sempre era isso. Me tranquilizava por alguns momentos e me tirava um pouco da pressão de estar em um contexto pandêmico, sem puder viajar e encontrar as pessoas", conta. "Inclusive acabei assinando outra plataforma de streaming e procurando conteúdos disponibilizados por iniciativas, instituições."
Sâmia Carvalho, também pernambucana, tem 30 anos, é publicitária mas cursa sua segunda graduação em nutrição. No momento ela está focada nos estudos, então foi confrontada, como muitos brasileiros, a um aumento considerável de tempo livre dentro de casa durante os primeiros meses da pandemia. Ter acesso a conteúdos digitais de série, filmes, cursos e lives foi fundamental para superar a ansiedade provocada pelo contexto global.
"Eu e meu marido assistimos a quase todas as lives nos fins de semana. Acabava sendo uma festa em casa, só a gente, vimos de tudo, de Chico César a Safadão. Foi realmente uma maneira de ter um objetivo, tanto planejando as lives quando os filmes que iríamos assistir e assim conseguiu aliviar a preocupação. E também uma forma de encontrar com os amigos, mesmo que virtualmente. Ficávamos conversando por ligação, comentando as músicas por mensagens. Pudemos nos manter unidos e sãos", lembra.
De maneira geral, os dados da pesquisa Itaú Cultural reforçam o que já se observava empiricamente através do convívio de familiares, amigos e dos depoimentos nas redes sociais. Assim como José Victor e Sâmia, a maioria dos brasileiros - 57% - intensificou o acesso à internet durante o período de confinamento. Dentre as atividades mais procuradas, em primeiro lugar está a música (84%), seguida de filmes e séries (73%), shows (60%), leitura em formato e-book (38%), cursos (38%), jogos eletrônicos (34%), atividades voltadas para o público infantil (28%), escuta de podcast (26%), espetáculos de teatro (21%) e visitas virtuais de exposições ou tours em museus (17%).
É importante, entretanto, apontar para o percentual de brasileiros que afirmou não ter acesso à internet (7%), um número que evidencia a desigualdade digital do país, segundo Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. 71% afirmaram que usam a internet todos os dias e 90% deste acesso é realizado pelo celular. "O objetivo dessa pesquisa foi justamente podermos observar como o público se comportou digitalmente em relação ao setor cultural neste período difícil e, a partir dos dados, podermos ter uma ideia de como continuará sendo a produção de cultural neste meio virtual. E já possível atentar para a adoção de um formao híbrido de consumo", ressaltou Saron.
A pesquisa do Itaú Cultural/Datafolha também mediu o impacto do consumo de cultura no cotidianos dos brasileiros que obedeceram às medidas de isolamento. Os resultados revelam que para 54% fazer uma atividade cultural ajudou a diminuir a sensação de solidão e 45% creditaram o fato de estarem menos estressados e ansiosos a essas atividades. Para 44% dos entrevistados, consumir cultura melhorou a qualidade de vida na pandemia. E para 58%, isso ajudou a melhorar o relacionamento com outras pessoas.
Há também a questão da democratização do acesso à cultural através do digital, destacada por 67% dos entrevistados. Um ponto extremamento positivo, mas que sucinta muitas questões para Eduardo Saron e Paulo Alves, gerente de pesquisas do Datafolha, também presente na coletiva de imprensa. "A gratuidade de muitos desses serviços foi importante para contribuir com a democratização. Mas precisamos pensar igualmente nos desafios da monetização, tanto para o artistas quanto para toda a cadeia de trabalhadores da cultura. E planejar ainda soluções tecnológicas que aumentem a qualidade da internet."
Hábitos que permanecerão após a pandemia
Além de mapear os hábitos adquiridos ou intensificados durante a quarentena, a pesquisa também aponta as tendências de consumo digital de cultura neste momento de retomada das atividades. Os números relativos ao que os brasileiros pretendem continuar mantendo são dos mais interessantes para artistas e produtores.
A partir deles é possível ter uma ideia de possíveis projetos e em que áreas vale a pena investir.
Há uma leve queda de interesse em continuar realizando essas atividades virtualmente - mas, na grande maioria dos casos, é realmente muito pequena a porcentagem de entrevistados que disse que não pretende manter. A maior queda foi encontrada entre os que assistiram shows: os 60% caem para 53% no cenário pós-pandemia. Um dado que dá brecha para pensarmos que o formato de apresentações musicais em lives passa por um esgotamento.
Assistir filmes e séries na web também perderá alguns adeptos. 73% dizem adotar a prática durante a quarentena, mas 69% pretendem continuar a realizar este tipo de atividade quando a crise for superada, talvez já pensando na reabertura dos cinemas. José Victor Nunes é cinéfilo de carteirinha mas confessa ainda não se sentir seguro para voltar a frequentar as salas. "Mas, assim que as coisas melhorarem, eu pretendo continuar também consumindo audiovisual através do streaming. Não vou abrir mão de ir ao cinema, que é algo que amo, mas quero manter as duas atividades na mesma proporção talvez."
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