Registro raro de Maria Bethânia em Cuba está no Spotify
Gravado ao vivo em 1987, álbum tinha sido lançado apenas no país latino e é inédito no Brasil
*Por Danilo Casaletti, Especial para o Estadão
Em 1987, a cantora Maria Bethânia foi à Cuba participar do VI Festival Internacional de la Canción de Varadero, criado 20 anos antes para celebrar a música cubana e internacional. O registro em áudio dessa apresentação foi lançado apenas na ilha pela gravadora estatal EGREM e jamais chegou ao Brasil em qualquer formato.
>> Maria Bethânia fará live em fevereiro; Saiba onde assistir
>> Maria Bethânia reafirma seu amor ao samba em novo disco
>> Maria Bethânia mesclando o moderno com a nostalgia
É justamente essa rara gravação que está disponível na plataforma digital Spotify pelo selo Alegria Music Latino. A qualidade do registro surpreende. Procurada pela reportagem do Estadão, a cantora não se manifestou sobre o áudio. No próximo dia 13 de fevereiro, Bethânia fará sua primeira live, que será exibida pelo Globoplay.
Em um medley de mais de oito minutos, bem parecido com o que Bethânia apresentava na abertura do show Nossos Momentos, a cantora interpreta canções como O Que É, O Que É, Grito de Alerta, Explode Coração e Sangrando, todas de Gonzaguinha.
Por fim, canta Podres Poderes, de Caetano Veloso, música que ela jamais gravou, seja em disco de estúdio ou ao vivo, aqui no Brasil. A canção fez parte do show batizado de 20 Anos de Paixão, estrelado pela cantora em 1985, com direção de Bibi Ferreira e cenografia de Flávio Império.
O curioso é que Bethânia, como indica a gravação, não sabia de cor a letra que fala dos "ridículos tiranos" da "América católica". "Atenção, meu papel", diz a cantora, já com a introdução da música sendo executada pela banda.
Um dos músicos que esteve com Bethânia no festival foi Jaime Alem. É dele ao arranjo de Podres Poderes. Procurado pelo Estadão, Alem disse que suas memórias da apresentação são "difusas", mas apontou os músicos que tocaram com a cantora, além dele: Raul Mascarenhas (sax), Moacir Albuquerque (contrabaixo), José Maria (piano), Túlio Mourão (teclado), Tutty Moreno (bateria) e Djalma Correia (percussão).
Nesse mesmo ano estiveram no Festival de Varadero Chico Buarque e Gilberto Gil. Há registro em fotos de Bethânia e Chico no palco. Os dois cantaram juntos Noite dos Mascarados, de Chico.
Em uma entrevista ao programa Sem Censura, a cantora relembrou o show que fez durante o evento. Um grupo de senhoras da ilha se apresentou antes dela. Em um jogo cênico, elas colocaram um copo com água na cabeça que derramou no palco. Bethânia, que sempre fez shows descalça, ao pegar o microfone, levou um choque. Gil viu e alertou Chico, que respondeu: "Que nada, é a chegada dela no palco".
A cantora Joyce Moreno, casada com o baterista Tutty Moreno, esteve presente no festival. Diz que foi uma das poucas vezes que viajou como "esposa", ou seja, acompanhando o marido que foi trabalhar. Ela lembra que após a apresentação, Bethânia foi para Paris. Ela, Gil e Chico e o grupo de músicos foram para Miami e enfrentaram problemas para voltar ao Brasil. "Só o Chico e o Vinicius França, empresário dele, tinham o necessário visto americano. Foi uma encrenca essa volta", diz.
Em 2008, Bethânia gravou um disco e fez uma turnê com uma das estrelas da música cubana, Omara Portuondo. Uma DVD com a apresentação das duas também foi lançado.
Outros brasileiros em Varadero
Antes da apresentação com Bethânia, Chico Buarque já havia estado em Cuba outras duas vezes. Em 1979, liderou um grupo de artistas que tinha nomes como Simone, Gonzaguinha, Djavan, Zezé Motta, Walter Franco, Paulinho Nogueira e Nelson Ayres. Em um depoimento, Zezé Motta lembrou que o grupo precisou ir de Cuba à Jamaica em um avião de Fidel Castro para, dali, voltar para o Brasil, que ainda vivia a ditadura militar e não tinha acordos diplomáticos com Cuba.
Em 1981, Chico estreou em Varadero ao lado do MPB4, João do Vale, Kleyton e Kledir e Olivia Bygniton. Nesse mesmo ano, uma das estrelas do festival foi a cantora e compositora argentina Mercedes Sosa.
A brasileira Elba Ramalho se apresentou na quarta edição do Festival, em novembro de 1984, em sua noite de abertura.
A exemplo do que aconteceu com Bethânia, Elba também teve sua apresentação registrada e lançada em disco pela mesma gravadora, a EGREM. No álbum, que tampouco chegou oficialmente ao Brasil, Elba canta músicas como Banquete de Signos (Zé Ramalho), Energia (Lula Queiroga), No Som da Sanfona (Jackson do Pandeiro/Kaká do Asfalto) e Quero Ir a Cuba (Caetano Veloso).
A canção Quero Ir a Cuba, que tem versos como "Mamãe eu quero ir a Cuba/Quero ver a vida lá/La sueño una perla encendida/Sobre la mar/Mamãe eu quero amar a ilha/De Xangô e Iemanjá/Yorubá igual à Bahia" era cantada por Elba no show Coração Brasileiro. Depois dessa turnê, que ocorreu em 1983, e da apresentação em Cuba, a canção nunca mais voltou ao repertório de suas apresentações.
Porém, no disco Fogo na Mistura, de 1985, Elba, ainda encantada com a viagem que havia feito à terra de Fidel Castro, colocou a composição No Caminho de Cuba, escrita por Jaime Alem, o maestro de Bethânia. A canção, também sumida dos shows da cantora, trazem os versos "Eu fui visitar uma ilha /Que fica no Mar das Antilhas/E lá conheci outra raça americana/Também filha de Olorum".
Documentário sobre Maria Bethânia é lançado em DVD
O documentário Fevereiros, que acompanhou a construção e o desfile campeão da Mangueira em homenagem à cantora Maria Bethânia, em 2016, foi lançado em DVD no último dia 29 de janeiro pela gravadora Biscoito Fino (R$ 57).
Dirigido por Marcio Debellian, o longa, além da Sapucaí, foi à cidade natal da cantora, Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, para mostrar a família e a religiosidade de Bethânia. A cantora faz questão de passar o mês de fevereiro na cidade em que nasceu para acompanhar os festejos da padroeira da cidade.
O documentário traz depoimentos de Caetano Veloso, Chico Buarque e do carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, entre outros.