Literatura

Ronaldo Correia de Brito reúne textos não ficcionais em novo livro

Narrativas de 'A Arte de Torrar Café' evocam saudades do mundo pré-pandemia

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 09/03/2021 às 8:01
SAMUEL MACEDO/DIVULGAÇÃO
OBSERVADOR Ronaldo Correia de Brito compartilha com o leitor sua percepção sobre miudezas e os grandes fatos do dia a dia - FOTO: SAMUEL MACEDO/DIVULGAÇÃO
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A Arte de Torrar Café: Narrativas Além da Ficção (Objetiva, 200 páginas, R$ 49,90), novo livro de Ronaldo Correia de Brito, com edição de Marcelo Ferroni, é uma obra que reúne escritos produzidos antes da pandemia e que ganham novas camadas diante do estado do mundo em 2021. Com sua curiosidade e gosto pelos detalhes da vida, o escritor cearense radicado no Recife descreve cenas e situações que, se antes pareciam prosaicas, como ir a um restaurante ou encontrar amigos e parentes, no contexto atual se apresentam como mensagens na garrafa de um passado que ainda ressoa dentro do leitor.

Inicialmente programado para chegar às livrarias em abril do ano passado, o livro teve seu nascimento adiado por conta da pandemia. Ronaldo conta que em um primeiro momento, com as incertezas causadas pela crise sanitária, tudo ficou em suspenso e, por isso, acharam melhor esperar. Como a pandemia, infelizmente, ainda parece longe de terminar, ele sentiu que agora seria hora de compartilhar esses textos que evocam uma saudade da vida fora de casa, em comunidade.

"Sou um escritor alimentado por essa relação com o mundo. Gosto de estar atento à vida. Quando escrevo um texto sobre a ida a um café em Montmartre, em Paris, e lá me deparo com uma situação que me evoca outras questões, o texto se torna também uma reflexão sobre a história colonialista da França, as lutas desses povos, os novos fluxos migratórios. Meu olhar não está só voltado para o que às vezes está mais evidente; me interessam os detalhes especiais. Sinto uma falta muito grande de andar pela rua e observar a dinâmica da cidade. Estou com um sentimento de orfandade do Recife. A minha literatura é toda alimentada pelo movimento do mundo", conta o escritor.

Autor de obras como Faca e O Amor das Sombras, de contos; dos romances Galileia, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, e Estive Lá Fora, da peça Baile do Menino Deus, entre outras, Ronaldo Correia de Brito tem uma escrita concisa e envolvente, que descreve cenários sem floreios, mas longe da secura. Esta característica está bem representada em A Arte de Torrar Café, com suas histórias curtas e deliciosas.

Relatos da vida

Sem engessar os textos deste novo livro só como ensaios, crônicas, diários de viagens ou perfis biográficos, Ronaldo prefere classificá-los como narrativas, justamente por passearem por todos esses gêneros. Breves, as histórias têm uma atmosfera familiar, mesmo quando o cenário é distante da realidade da maioria, como Paris, por exemplo. Erudito, o autor escreve sem soberba (em um dos textos, inclusive, ironiza um acadêmico que se vangloria por suas constantes viagens internacionais).

A Ronaldo Correia de Brito, interessam os clássicos da literatura, o cinema, o teatro, a música, as artes visuais (uma grande paixão sua), a cultura popular. Todos esses elementos aparecem permeando suas histórias, que guardam principalmente um apreço pelo ser humano. Como bom observador, ele captura o zeitgeist nas entrelinhas, refletindo sobre o contemporâneo mesmo quando olha para o passado.

Um bom exemplo disso é o texto que nomeia e abre o livro. Singelo, ele fala sobre os profissionais que se especializavam na "ciência de pôr um fim" em um processo com objetivo de atingir o resultado ideal, seja torrar o café (função praticamente extinta), ou fabricar sabão caseiro a partir da gordura e vísceras de animais, entre outros. Nas breves páginas, Ronaldo reflete sobre o processo da escrita e também sobre a nossa própria relação com o tempo e a finitude.

Das histórias de sua família e de personagens da infância no Crato aos relatos pacientes durante as décadas em que exerceu a medicina no Recife, a atenção ao outro sempre foi um norte para o autor. Tanto que, conta, durante a pandemia ainda não encontrou um caminho para a fluidez da escrita — apesar de manter sua prática diariamente.

"Essas 55 narrativas têm uma coisa em comum: por mais duras que sejam, elas são cheias de esperança. São uma celebração à vida. O livro é um convite à vida. Mesmo quando falo da morte, como no texto sobre [a artista visual] Guita Charifker, na verdade estou enaltecendo as trocas, as experiências vividas", reflete. "Estamos vivendo um momento horrível, de muita dor, mas precisamos também buscar alguma esperança. Acho que, no fundo, este é um livro com um potencial curativo, que nos lembra aquilo que sentimos falta e queremos reencontrar."

BATE-PAPO

Ronaldo Correia de Brito participa amanhã, às 19h, de um bate-papo com o jornalista e editor do Suplemento Pernambuco, Schneider Carpeggianni. A conversa gira em torno de A Arte de Torrar Café e dos processos criativos do escritor. A transmissão acontece no canal da Cepe no YouTube.

 

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