Quem são os autores contemporâneos da literatura infantil no Brasil, que estão encantando crianças e adultos?
Literatura infantil brasileira avançou e está no patamar de qualidade do que se faz mundo afora. Neste domingo se comemora o Dia Nacional da Literatura Infantil

Era uma vez, uma menina de narizinho arrebitado chamada Lúcia, que morava com sua avó dona Benta, no Sítio do Picapau Amarelo. A garota tinha uma companheira inseparável, a desajeitada boneca de pano Emília…Com essa história, que atravessou um século, Monteiro Lobato mudou o mercado do livro infantil no País. Não por acaso, a data de seu nascimento - 18 de abril - foi escolhida para celebrar o Dia Nacional do Livro Infantil. Daquele 1920 para cá, a literatura para crianças viveu uma torrente de transformações.
Hoje são muitos os escritores contemporâneos que assinam livros infantis e colocam o Brasil numa posição de destaque no mapa da literatura mundial para pequenos leitores. As publicações evoluíram e deixaram de ser vistas apenas com a função de ajudar no processo de alfabetização. Os livros viraram verdadeiras obras de arte. Ganharam formatos e projetos gráficos inovadores, apostaram em mais interatividade, valorizaram as ilustrações e perderam o receio de abordar os temas mais diversos.
"Chama atenção o estado de maturidade em que se encontra a literatura infantil no Brasil. O País não deixa a desejar em qualidade gráfica e em texto na comparação com o que se faz de melhor no mundo. Temos uma turma de altíssima qualidade produzindo, como Odilon Moraes, Renato Moriconi, Fernando Vilela, Aline Abreu, Graça Lima e muitos outros", enumera a editora-executiva dos selos infantis da Companhia das Letras, Mell Brites.
Prova disso é que o Brasil tem se destacado no Prêmio Internacional Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da Literatura Infantil. As primeiras a ganhar foram as escritoras Lygia Bojunga (1982) e Ana Maria Machado (2000). Em 2014, foi a vez de Roger Mello vencer na categoria ilustrador, trazendo o prêmio pela primeira vez para a América-Latina. "Foi uma conquista importante para o Brasil ter seus artistas gráficos reconhecidos lá fora. O texto já tinha conquistado esse espaço e a ilustração vem evoluindo ao longo dos últimos anos", observa Mell.

LIVRO ILUSTRADO
Durante muito tempo, a ilustração funcionou como uma legenda do texto. À medida em que a história ia sendo contata, os desenhos apareciam de forma quase literal ao que estava escrito. Com a evolução do mercado editorial, o livro ilustrado começou a ser entendido como um tipo de linguagem. "O livro ilustrado constitui uma experiência expandida de leitura. A ilustração não precisa legendar o texto, na verdade ela tem interdependência e correlação. A ilustração pode, inclusive, fazer referência às entrelinhas do texto. São metáforas visuais e, de fato, pedem um leitor com mais repertório", analisa o premiado ilustrador e escritor de livros infantis, Alexandre Rampazo.
Rampazo tem uma extensa trajetória de produção de livros autorais e de parcerias ilustrando livros de outros escritores. São pelos menos 13 livros próprios, como Pinóquio - O livro das pequenas verdades (Boitatá), Este é o lobo (Pequena Zahar), Se eu abrir esta porta agora... (Sesi-SP), Um belo lugar (VR Editora), A cor de Coraline (Rocco Pequenos Leitores) e outros, além de 62 ilustrados para outros autores.

CARISMA
Ao longo da sua trajetória criativa, a escritora e ilustradora Silvana Rando acertou a medida para encantar os pequenos leitores sem infantilizar o seu trabalho. Prova disso é o elefantinho Gildo, que comemorou 10 anos em 2020 e continua sendo sucesso. Tanto, que vai virar uma série de televisão produzida pela Coala Filmes, com exibição primeiro na TV pública e depois poderá ser vendida a plataformas de streaming.
"Um ganho que percebo na literatura infantil contemporânea foi deixar de substimar a capacidade de compreensão das crianças. Elas são seres pensantes e muito inteligentes. Não precisa falar com elas o tempo tudo numa linguagem no diminutivo ou como se elas não entendessem", diz Silvana.
BIBLIODIVERSIDADE
Para quem acompanha a diversidade e a valorização da literatura infantil atualmente é difícil imaginar que um dia esses leitores foram tratados como miniaturas de adultos, sem livros dedicados a eles. "Os contos de fadas não foram escritos em linguagem adequada ao público infantil. Na Idade Média os livros foram escritos por adultos para distrair os próprios e adultos e traziam muitas cenas de violência, além de esteriótipos sociais e de gênero", recorda a líder da equipe de curadoria da Leiturinha, Caroline Lara. Ele foi o primeiro e é o maior clube de assinantes de livros infantis do Brasil, com mais 185 mil participantes.
"Antônio Candido (crítico literário e sociólogo) dizia que o ser humano tem necessidade de fabulação e de fantasia para lidar com os conflitos internos e externos. E na criança isso é ainda mais forte. O importante é oferecer o livro que melhor se conecta com a etapa do desenvolvimento em que a criança está. Só criando significado para a leitura é que ela se transformará em um hábito", explica Caroline, que também é psicóloga.
Os temas dos livros infantis foram se diversificando, sobretudo nos últimos dez anos. "As temáticas acompanham o que o mundo está pautando. A literatura antirracista está na literatura infantil, assim como diversidade, identidade, questão indígena, meio ambiente e refugiados. Autores e editores estão preocupados em mudar paradigmas antigos", pontua Mell Brites.
Um dos títulos nacionais que ganhou o mundo foi Eleição dos bichos (Companhia das Letrinhas), que fala sobre o processo democrático para crianças. Depois de lançado no Brasil, outros 15 países compraram o direito de publicar a obra. O livro chega num momento em que o mundo discute o futuro da democracia e o seu esgarçamento em alguns países.
PRÊMIO CEPE

A diversidade motiva escritores estreantes a tirar seus projetos da gaveta. Foi o que fez o pernambucano Helder Herik. "Demorei a concluir o trabalho e a inscrever em um prêmio, porque estava buscando o tom certo. Não queria que ficasse infantilizado demais, tratando a criança como boba nem adulto demais. Acho que quando o livro serve aos dois públicos se encontra o equilíbrio", acredita.
Helder venceu o Prêmio Cepe Nacional de Literatura Infantil e Infantojuvenil com o livro O menino mais estranho do mundo. Com o prêmio, a Cepe cumpre o relevante papel de publicar autores e valorizar a literatura infantil. Autobiográfica, a história do garoto Dário traz o cotidiano de quem convive com a dislexia e brinca com ela. Um texto emocionante.
E assim, todos foram felizes... Aliás, esta história não se encerra por aqui. Continua a ser escrita, todos os dias, por quem faz da literatura infantil um ofício de fé e de amor.
-
1 / 4
-
2 / 4
-
3 / 4
-
4 / 4