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Onde é a festa hoje? Conheça novas produtoras e espaços de festas no Recife

Novos selos de festas e casas de eventos têm realizado programações acessíveis e voltadas às pessoas negras, periféricas e LGBTQIA+

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Bruno Vinicius

Publicado em 11/12/2021 às 16:17 | Atualizado em 11/12/2021 às 17:03
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Não há uma sexta-feira ou um sábado em que os perfis recifenses nas redes sociais não se perguntem: "onde é hoje?". O questionamento genuíno, se fosse feito há alguns anos, poderia levá-los a locais já estabelecidos de produtoras voltadas ao público LGBTQIA+ da Cidade. Entretanto, nesse processo de retomada de festas e eventos culturais no Recife, não só o público, mas quem produz os rolês também mudou. Novos selos de festas e casas de eventos têm realizado programações acessíveis e voltadas ao público que vem da periferia, às pessoas negras e LGBTQIA+, como uma forma de reivindicar os espaços culturais que a Capital Pernambucana oferece.

Foi nesse sentido que surgiu a Brota. A produtora, que devia ter saídO em 2020, teve a sua estreia adiada para este ano. Nasceu no dia 1º dezembro, após a etapa de retomada de festas com o alívio da pandemia da Covid-19 e o avanço na vacinação, sob o comando do DJ e produtor cultural Vanderson Santos. "Quando eu tava com a DIP e o Quintas Na Rua (dois projetos meus) acontecendo, percebi que era isso que queria pra minha vida, a minha arte era produzir rolê, movimentar a cidade e juntar pessoas, então decidi criar a brota para, a partir da produtora, ampliar o meu leque de opções", explica o produtor, que assina como Vands. 

Ocupar o espaço em que pertence hoje não foi uma tarefa fácil, sobretudo pela crise sanitária que afetou toda uma cadeia cultural. "Afetou drasticamente, foi um período bem complicado. Eu não pude trabalhar, fiquei sem emprego e até sem renda por um tempo. E ainda assim me movimentei e fui o primeiro produtor dessa cena a fazer uma live na quarentena, que foi a DIP no Mixlr (junto com meus sócios na festa, Kaique e HB)", explica ele, que trabalha com nomes como Kaique, HB, Suilane, Iury Andrew e Cherolainne.

Entretanto, o retorno do público tem ajudado nessa etapa. Antes mesmo da Brota surgir, Vands estava produzindo outras festas, com um grande retorno. "Eu acredito que o público se sente parte disso, e eles realmente são, quem vêm disseminando a marca organicamente nas redes são eles, até hoje eu não gastei 1 real com impulsionamento, parece mentira, às vezes nem eu acredito quando vejo os números, mas é isso, a gente só solta o evento e a galera faz o resto. E aí eu acredito que uma coisa essencial pra você manter essa fidelidade é ouvindo o seu público, e eu costumo fazer isso, tudo que crio é pra eles, é quem paga o ingresso e faz a roda girar, nada mais justo que ouvir o que eles têm a dizer".

Cultura que move o entorno

A realidade reflete a trajetória de Vands. O intuito de provocar festas que mexam com um público que nasceu a partir das suas vivências também fez com que as produções fossem acessíveis financeiramente - ou até gratuitas na rua -, como é o caso da primeira festa que ocorre neste sábado, no Armazém do Campo, na área central.

"Muita gente que faz parte dessa juventude preta, periférica e lgbtqia+ não tem acesso ao mercado de trabalho, às vezes não tem nem a passagem pra ir num rolê (eu já fui essa pessoa), quem dirá pagar a entrada da festa e é por isso que eu sempre tento praticar preços acessíveis e quando rola a oportunidade, faço alguma programação gratuita na rua, além de impactar essas pessoas, impactamos também a cidade, ela é nossa, a rua é nossa e precisamos desfrutar dela e ocupar cada lugar que merecemos", reflete.

É com a proposta da coletividade que surgiu também o Kilombo Urbano, um "espaço de experiências e compartilhamentos afroculturais". A abertura, programada para este sábado (11), com o Afrobaile, foi pensada antes mesmo da pandemia. "O Kilombo Urbano nasceu da necessidade de espaços de pessoas negras para pessoas negras. A gente tem uma cidade e uma região metropolitana imensa, apesar disso os grandes locais de festas e culturais, de circulação de produção, são locais produzidos por pessoas brancas - por mais que pessoas negras estejam lá consumindo", explica a produtora cultural e idealizadora do espaço, Rafaella.

Para além da produção e circulação cultural negra, ela enfatiza também a rede que se constrói quando abre um espaço voltado para essa população. "Eu tenho plena ciência de que, mesmo eu tocando o Kilombo, eu não estou ocupando esse lugar sozinha. É um lugar que é ocupado por todas as pessoas negras que se apresentam lá, que trabalham lá e sempre que tem eventos o Kilombo se torna um ponto de geração de renda, porque pessoas são contratadas para trabalhar. Eu me sinto muito feliz, quando a gente vê um espaço pronto e funcionando dentro dessa política me preenche muito", afirma Rafaella, que pensava na casa antes mesmo da pandemia.

Oficialmente, Kilombro abre suas portas neste sábado (11), com o Afrobaile. Luana Consegue, Margot, Milena Cinismo, Kai, Iury Andrew e Boneka são as atrações da noite. "É um projeto que foi pensado antes da pandemia, mas com a crise foi adiado. Está sendo retomado com muita responsabilidade, as pessoas que frequentam precisam estar vacinadas e respeitando o limite da casa. E como a gente está começando agora, o Kilombo está na expectativa de desenvolvimento, porque o desenvolvimento dele é também dar oportunidades a outras pessoas negras", afirma.

Coletiva artística

Pouco antes da pandemia, a Scapa veio a público. Uma idealização das artistas Anti Ribeiro e Libra, o projeto foi interrompido presencialmente por causa da crise sanitária. O nascimento da coletiva, como as organizadoras pontuam, veio de inquietações de processos criativos de ambas, sendo as festas uma parte de todo uma parte ainda maior.

"A Scapa surgiu a partir do encontro, meu e de Anti, na vontade de construir um espaço para falar e aplicar essa experiência de texto a partir de outras pesquisas. E aí surgiu a primeira no Texas, que foi gratuito, e aí depois que deu muito certo esse dia, decidimos criar algo maior que realmente pudesse produzir experiências artísticas ou mesmo festivas a partir desses trabalhos", conta Libra.

Desde o início da coletiva, Anti explica que o intuito era focar num público "que não vive a experiência branquitude", frisa. "Eu falo isso, porque a gente vive no Brasil, e também não é nosso interesse cristalizar essas identidades. A gente acaba focando num público negro e indígena, mas sabemos que é algo mais complexos. De fato, estamos tentando partir de outras referências que não sejam centralmente brancas", afirma Anti.

Na próxima sexta-feira (17), a Scapa retorna com Nina, Jovem Ralph, Margot, Uana e os sets das residentes, Libra e Anti. "Essa retomada, talvez, a gente siga o fluxo da primeira física. Mas agora muito mais madura com essa construção e sobre o que a gente quer construir com essa experiência de noite. E, assim, acho que a festa vem pra isso e voltar para conquistar um novo público, mostrando o nosso trabalho e outras coisas que estão sendo construídas, quando falamos de músicas a partir dos nossos corpos aqui no Recife", reitera Libra.

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