Naná Vasconcelos deve ganhar espaço cultural no Recife e documentário
Após desabafo sobre falta de diálogo com instituições, viúva Patrícia Vasconcelos foi procurada por museus, colecionadores, parlamentares, vereadores, Prefeitura do Recife e Governo de Pernambuco
Em vida, Naná Vasconcelos conseguiu a proeza de reunir 15 nações de maracatu de Pernambuco, inclusive aquelas que não dialogavam entre si, para o espetáculo da abertura do Carnaval do Recife. Esse mesmo poder de articulação pôde ser constatado durante a recente estadia da viúva do percussionista, Patrícia Vasconcelos, radicada nos Estados Unidos, no Recife. Após publicações na imprensa sobre a falta de parcerias com instituições públicas e privadas para salvaguardar e divulgar a obra do músico, uma rede de apoio se formou.
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Já existem diálogos para a criação de um memorial no Centro do Recife com a gestão municipal. Também foi divulgado que o documentário "Daqui Pra Lá, de Lá Pra Cá: Mestre Naná Vasconcelos" está sendo produzido pela Associação Raízes da Tradição para circular em festivais internacionais. Como já noticiado pelo JC, uma Cátedra deve ser criada na Universidade Federal Rural de Pernambuco para realização de congressos, palestras, oficinas, pesquisas, publicações e mais ações em torno da obra do músico.
Frente de apoio
Em 5 de janeiro, Patrícia Vasconcelos fez um apelo à imprensa durante a retirada de um acervo de Naná do antigo lar do casal no Recife, no Rosarinho - lá tinham instrumentos, roupas de shows, quadros, fotografias, arquivos de jornais, prêmios e mais. Desde então, tem sido procurada por museus, colecionadores, parlamentares, vereadores, governo municipal e estadual.
"A Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura, se dispôs para tentarmos fazer um espaço físico em homenagem a Naná, sendo inicialmente um memorial. Me reuni com a vice-governadora, Luciana Santos, e Marcelo Canuto, presidente da Fundarpe, que também pensaram em fazer ações paralelas", disse Patrícia, durante coletiva de imprensa realizada na manhã da quinta-feira (20), em Olinda.
"Até cheguei a falar sobre o Pátio de São Pedro, onde temos outros espaços, mas ela disse que existia uma identificação com o Bairro do Recife", diz Ricardo Mello, Secretário de Cultura do Recife. "Ela disse que enxergava um espaço dedicado ao Naná como algo de movimentação, mais do que um museu que abrigasse um acervo para visitação. Isso refletiria a inquietação criativa dele."
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O secretário ressalta que ainda não existe um projeto concretizado, mas as ideias estão alinhadas para serem amadurecidas. "Além de um espaço para visitação, esse seria um encontro com um legado de forma pulsante, gerando debates, conversas. Isso dialoga também com o fato de que o Recife foi considerado uma cidade criativa da música pela Unesco."
A vice-governadora Luciana Santos afirmou que o âmbito estadual está buscando entender as demandas e quais as alternativas para que o acervo seja acessível ao povo pernambucano. "O trabalho de Naná Vasconcelos, tudo que ele construiu em vida e o que ele representa para a cultura brasileira é um verdadeiro tesouro e, como tal, merece e precisa ser cuidado e fomentado. Nos reuniremos outras vezes para analisar projetos mais concretos, que eles ficaram de nos apresentar. Nossa disposição é de contribuir e trabalhar junto".
O gabinete da vereadora do Recife Liana Cirne (PT) também protocolou o Projeto de Lei que tem por objetivo criar um equipamento cultural destinado à preservação, difusão e exibição do acervo, obra e legado de Naná. "Esse espaço poderia firmar convênio e parceria com instituições de ensino, instituições públicas e privadas. Esse espaço poderia garantir que as gerações futuras tenham direito de conhecer esse legado que é constitutivo da formação da nossa identidade cultural", diz Liana.
O deputado estadual João Paulo (PCdoB) se dispôs a criar uma frente parlamentar para defender possíveis projetos que possam passar pela Assembleia Legislativa de Pernambuco.
Futuro do acervo
De início, Patrícia Vasconcelos desejava que o antigo lar do casal se tornasse um memorial. "Ainda não tem projeto para a casa porque as conversas com a Prefeitura e Governo do Estado foram em prol de algo maior, mas guardo a casa para uma ‘célula’, um outro projeto que não impeça o maior. A casa pode estar dentro."
Ela ressaltou que a ideia não era dar todo o acervo do percussionista para apenas um espaço, pois ela vem sendo procurada por muitas instituições, inclusive internacionais. “Gilberto Freyre Neto, secretário de cultura de Pernambuco, nos falou sobre a digitalização desse acervo. Nós precisamos de museólogos e historiadores que ajudem nesse sentido. Ainda estamos entendendo a viabilidade. É um conjunto de forças que irá fazer todas essas ideias se materializarem”, diz.
Como compartilhado com Ricardo Mello, o desejo é que esse memorial do Recife tenha atividades culturais, também criando conexões culturais. “Queríamos que tivesse um espaço dedicado à performance, com música e cinema, ele tinha esse lado do cinema porque fez trilhas para muitos filmes”.
Documentário
A ideia para a elaboração de um documentário surgiu pouco depois que o músico pernambucano Fábio Araújo, que foi discípulo de Naná, aprovou um projeto da Lei Aldir Blanc do Recife com o coletivo da sociedade civil Associação Raízes da Tradição. A série "Oganagô: Raizes da Tradição" rendeu nove documentários sobre expressões vivas de Pernambuco. Versões menores desses filmes foram exibidos na TV Globo Pernambuco.
"Agora, fomos convidados para fazer o décimo documentário dessa série, que será sobre o Naná Vasconcelos”, explica Ana Paula Jones, diretora-fundadora da Associação Raízes da Tradição. “Estamos usando o nosso próprio acervo, de parceiros e novas imagens que estão surgindo. Esse movimento de Patrícia está fazendo as pessoas aparecerem para repassar fotos, por exemplo".
Para o documentário, Ana Paula Jones e Fábio Gomes acompanharam os dias da estadia da viúva no Recife, inclusive as reuniões e uma homenagem recebida pelo Maracatu Almirante do Forte, que a nomeou como embaixatriz. Uma versão resumida do projeto será exibida na TV Globo em 5 de março, ficando disponível no Globoplay logo em seguida.
A obra completa ainda será finalizada para estrear no Festival do México e rodar por outros eventos. "O documentário maior está precisando de parceiros e patrocínio de empresas públicas ou privadas, pois Patrícia Vasconcelos quer gravar uma parte em Nova Iorque com os artistas e produtores de lá.
Estamos em contato com vários artistas, músicos, bailarinos, diretores audiovisuais, pessoas que já trabalharam e tiveram contato com a obra do mestre, inclusive com produtores da Alemanha, Noruega, Argentina, Estados Unidos".
Para enviar fotos ou vídeos de Naná Vasconcelos para o projeto basta entrar em contato pelas contas de Instagram @raizesdatradicao, @anapaulajones e @fabiogomes.on.