Com o crescimento do streaming no Brasil, o que mudou para o cinema e TV fechada?
Netlflix, Amazon Prime Video, HBO Max, Disney+, Globoplay, Telecine, Starzplay, Star+ e Paramount+ disputam mercado cada vez mais acirrado
Em setembro de 2021, a Netflix completou uma década no Brasil. Quando a plataforma chegou ao País, em 2011, o grande desafio era atrair os consumidores da televisão para o novo formato de transmissão de conteúdo. O preço era atrativo, levando em consideração ao que era cobrado pelas provedoras dos canais fechados. Nesses 10 anos, a plataforma não só viu o número de assinantes aumentarem - os brasileiros são os responsáveis pelo segundo mercado da empresa -, como também o acirramento por parte das concorrentes nacionais e internacionais. Amazon Prime Video, HBO Max, Disney+, Globoplay, Telecine, Starzplay, Star+ e Paramount+ são os principais players que disputam o nicho com a gigante norte-americana.
Por sua vez, essa concorrência mudou a forma como os brasileiros consomem conteúdo, sobretudo durante a pandemia - época em que salas de cinema foram fechadas e as opções de entretenimento foram reduzidas por causa do isolamento social.
Segundo a Finder, empresa especializada nesse tipo de mercado, o Brasil é o segundo país que mais assiste a streaming no mundo. O estudo analisou através de entrevistas a quantidade de pessoas que assinavam plataformas de vídeo em diversos países. Enquanto o mundo tem uma média de 55%, o País conta com 64,58% de assinantes de sites de transmissão. O único que está acima do Brasil é a Nova Zelândia, com pouco mais de 65%. Isso pode ser sintetizado por números. A Netflix tem, por exemplo, uma base de 19 milhões de assinantes nacionais. Enquanto isso, a TV fechada possui pouco menos de 15 milhões de consumidores, de acordo com um levantamento da Anatel publicado no jornal Folha de S. Paulo em janeiro de 2021.
Há alguns motivos para essa mudança de seguidores. Primeiro seria o preço oferecido pelos serviços digitais - bem abaixo das provedoras de televisão. "Eu assino as plataformas faz mais ou menos quatro ou cinco anos. A gente cancelou porque começou a pesar muito. Eram oferecidos vários canais, mas a gente não assistia 70%. E pensando na parte econômica, sai bem mais em conta", diz a servidora pública Claudicea Santiago, de 57 anos, que trocou a assinatura de canal fechado por três plataformas de streaming. Com o pacote mensal de canais, ela gastava em torno de R$ 300, enquanto os aplicativos chegam a apenas R$ 60 - tendo a possibilidade de serem divididos com os familiares.
O streaming também alterou os hábitos culturais de Claudicea. Ela, que sempre gostou de frequentar o cinema, passou a diminuir as idas às salas de exibição comerciais. O custo da pipoca, refrigerante e do ingresso começaram a pesar frente à experiência de assistir a um longa-metragem com antecedência no cinema. "Cinema para mim sempre foi uma forma de lazer excelente. Vendo aquele filme que você gosta e escolheu para ver com amigos ou até sozinha com uma pipoca e o guaraná. Acho que aumentou muito o preço nesses últimos anos", explica a servidora, que hoje passou assinar a plataforma de filmes - como uma forma de se conectar com a sétima arte.
Segunda tela
Pelos números e pela quantidade de empresas que chegaram ao País nos últimos dois anos, não há dúvida de que a pandemia acelerou o processo de migração dos telespectadores para os serviços digitais. Entretanto, ele não foi o único. A usabilidade, a consolidação de um modelo mais próximo de consumo digital - como a integração com as redes sociais -, e a exclusividade foram essenciais para atrair novos assinantes. "Uma coisa que eu sinto é que o streaming incentiva o consumo do filme ou uma série como uma segunda tela. Você consegue ver o filme, a série ou qualquer outra coisa arrumando a casa ou acessando as redes sociais", explica o analista de sistemas Damásio Ramos, de 28 anos.
Damásio começou assinando apenas dois serviços, mas durante a pandemia virou cliente de outras três plataformas. Embora considere quais os seriados estão disponíveis nos catálogos, ele explica que o consumo da banda larga (internet) poderia ser otimizado pelos players. "Eu vejo que só a Netflix, mesmo quando a internet está oscilando, continua performando bem. As outras plataformas não seguem isso não. E o que eu considero principalmente é conteúdo e preço. A usabilidade não considerava tanto até assinar mais plataformas", conta Damásio Ramos, que também passou a frequentar menos os cinemas durante o período da crise sanitária.
Cinema perde exclusividade
A exclusividade e produção em massa de conteúdos também se tornaram os pontos fortes das redes de streaming. Isso aconteceu a partir do momento em que gigantes, como a Disney e Warner, lançaram suas plataformas com foco no Brasil. A Disney+, por exemplo, detém as produções da Disney, Pixar, Marvel, Star Wars, National Geographic, além de produções originais exclusivas lançadas diretamente na plataforma. Já a Warner apostou na HBO Max, que agrega a HBO, Warner Channel, TNT, DC, Looney Tunes e Cartoon Network e os conteúdos originais para o serviço.
Assim como a Netflix, alguns desses estúdios lançaram filmes diretamente no streaming - diferente do modelo tradicional de lançar no cinema e, por seguinte, ser levado à televisão ou serviços de assinatura. Apesar desse padrão de lançamento estar mudando a partir da reabertura das salas, com o volume de bilheterias de grandes franquias no fim do ano - "Homem-Aranha" e "Os Eternos" foram os destaques -, os consumidores do streaming estão cada vez mais próximo da exclusividade que o cinema possui.
Caso essa tendência se confirme, a crise nas salas de exibição pode ser mais agravada. Segundo a Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec), foram fechadas 300 salas no País. No começo da pandemia, em 2020, havia 3,5 mil exibidoras de filmes em território nacional. Hoje, restam 3,2 mil. De acordo com o relatório da Feneec, havia uma expansão do cinema antes da pandemia, principalmente para as cidades interioranas brasileiras.
Conteúdo nacional
O conteúdo nacional também importa para o crescimento das plataformas. Embora não tenha uma regulamentação como os Estados Unidos e a Inglaterra, o próprio público dá um retorno positivo sobre o que é produzido no Brasil. Prova disso são as novelas produzidas pelo SBT na Netflix, como "Carrossel", "Carinha de Anjo" e "Chiquititas", que figuram entre as produções mais vistas dentro da plataforma - batendo fenômenos mundiais.
A Netflix anunciou em 2021, dentro do evento "Mais Brasil na Tela", que vai investir em 40 produções brasileiras em 2022. As novelas, principal formato narrativo brasileiro, estão sendo estudadas pela companhia. "A gente está entendendo qual vai ser a nossa versão de novela no Brasil. A gente não vai fazer uma obra que dura quase um ano inteiro, escrita como um livro aberto. A nossa vai ser uma obra seriada, fechada", afirmou a vice-presidente de conteúdo no Brasil, Elisabetta Zenatti.
Nesse sentido, a plataforma iria competir com o Globoplay, Amazon Prime Video e a HBO Max, que são as empresas que mais apostam em conteúdo brasileiro. No ano passado, a Globo decidiu investir na sua primeira novela para o streaming, "Verdades Secretas 2", sendo a produção vista por mais tempo dentro do seu catálogo. Além disso, o acervo de conteúdos antigos da emissora carioca tem sido explorado, com o resgate de títulos clássicos. "O Bem Amado", "Pecado Capital" e "Vereda Tropical" são algumas das novelas já disponíveis aos assinantes.