ENTREVISTA

Secretário de Cultura do Recife responde se haverá Carnaval ainda em 2022 e revela planos de retomada

Gestão promete movimentar equipamentos subutilizados, com especial atenção ao Pátio de São Pedro; além de consolidar a estrutura de salvaguarda de patrimônios culturais imateriais e ações que façam valer o título de Cidade Criativa da Unesco

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Romero Rafael, Emannuel Bento

Publicado em 14/03/2022 às 16:31 | Atualizado em 25/03/2022 às 10:22
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Jornalista, professor e produtor cultural, Ricardo Mello assumiu a Secretaria de Cultura do Recife durante a pandemia, período repleto de inviabilidades para a pasta — que pressupõe movimentos coletivos. Ele, então, vem dedicando a sua gestão à execução de algumas demandas antigas da classe artística, a começar pela retomada do Sistema de Incentivo à Cultura (SIC) e do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), que passou dez anos sem renovação.

Em entrevista ao JC, Mello — que desde janeiro também acumula a presidência da Fundação de Cultura da Cidade do Recife (FCCR) — ressaltou o número de editais emergenciais lançados no período (caso do Lab Recife, proveniente da Lei Aldir Blanc; do Recife Virado, com recursos da gestão, além do Plano AMA Carnaval, auxílio para quem trabalhou na festa nos últimos dois anos) e também a criação do Patrimônio Vivo do Recife.

Para a retomada de agora, com o afrouxamento da crise sanitária, promete movimentar equipamentos subutilizados, com especial atenção ao Pátio de São Pedro; além de consolidar a estrutura de salvaguarda de patrimônios culturais imateriais e ações que façam valer o título de Cidade Criativa da Unesco. Editamos a conversa, que foi além, com a notícia da reforma do Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam) para breve. Acompanhe:

JC — Os dois últimos anos foram, basicamente, para buscar maneiras de fomentar a cultura diante de um período de exceção. Pensando agora, em que se vislumbra um período de melhor segurança sanitária, o que a gestão tem pensado para a frente, saindo do emergencial?

RICARDO MELLO — Tem duas linhas aí que somam, pois o edital é socorro e é fomento ao mesmo tempo, pois ele cria uma perspectiva de agenda. O pessoal dizia que queria voltar a trabalhar, não apenas um auxílio que lhe deixa apoiado e que não lhe assegura um retorno. Uma pessoa que representou uma agremiação disse que não queria mais ser agremiação, pois é como se só existisse durante 30 dias. O  Recife AMA Carnaval tem uma fase que chamamos de Ativação, no sentido de criar uma perspectiva de volta. Temos também o Move Cultura, que começou no ano passado com a reabertura da Casa do Carnaval, no Pátio de São Pedro, e a Escola de Frevo, que foi entregue agora. É um movimento de valorização dos espaços culturais com um olhar permanente. Uma valorização dos espaços, que vão ser cuidados e abertos para essa agenda de volta. Tivemos reuniões ordinárias do Conselho de Cultura, que voltou a funcionar na sede no Pátio, e vamos reabrir o Memorial Chico Science neste domingo (13), no aniversário dele.

JC — Alguns equipamentos culturais do Pátio de São Pedro, como no Museu de Arte Popular e a própria Casa do Carnaval, estavam fechados desde antes da pandemia. Serão realizadas atividades para realmente movimentar esses espaços, sobretudo os memoriais Chico Science e Luiz Gonzaga?

MELLO - Estamos discutindo com o Itaú Cultural a questão do compartilhamento do acervo, porque eles fizeram uma ocupação de Chico. Agora, pretendemos no dia 30 de março fazer uma ativação no Pátio pelos 30 anos do manguebeat. Queremos criar uma agenda de ativação no Pátio. Me reuni com muita gente que vive ali e discuti com as secretarias ligadas ao trânsito e à segurança, que são preocupações. Discutimos ainda com a Universidade Católica em relação ao Observatório da Cultura, uma parceria que ainda não foi anunciada oficialmente, mas que queremos colocar no Pátio, pois leva a 'estudantada' para lá, fazendo estudo de campo na fonte, convivendo com as pessoas que fazem a cultura. O Pátio é simbólico, como um início, é a história que estamos chamando de centro histórico de criação do futuro. Não é colocar um monte de restaurante, mas algo sistêmico, que puxa para vários lados. Não pode ser só algo para turista ver, tem que criar uma vida ali, algo orgânico. Estou com muita confiança.

JC — Temos a possibilidade de realizar o Carnaval ainda este ano, como o prefeito João Campos cogitou durante o anúncio do AMA Carnaval?

MELLO — A gente cogitou em fazer uma programação em maio, considerando que a pandemia estará enfraquecida. O AMA Carnaval prevê uma agenda que não seria o Carnaval, mas um evento celebrando o Carnaval. E aí é possível experimentar, com atrações que bebam da festa, com uma ocupação da cidade n um festival que pode até envolver outras expressões. Podemos colocar museus para dentro. Temos perspectivas conciliáveis, pois a quantidade de expressões que você contrata para o Carnaval dá pra fazer um festival como esse citado e outras apresentações ao longo do ano.

JC — Recentemente, o Recife recebeu o título de Cidade Criativa da Unesco. O que esse prêmio pode contribuir nas políticas públicas culturais da cidade?

MELLO — A candidatura foi como um 'enxerimento' recifense, pois tem cidades que passam o ano se preparando para pleitear. A gente entrou, criamos um grupo de trabalho interno com participação de representantes do meio musical, produtores, artistas e cantoras, e criamos uma série de entrevistas com várias expressões da nossa música, o que era uma demanda. Passamos pela comissão, fomos pra França. O que ele dá efetivamente? Dá, na verdade, responsabilidade. Com o prêmio, você está dizendo que a cultura é um elemento estratégico para o desenvolvimento da cidade. Você está assumindo isso, dizendo que vai trabalhar sob essa perspectiva. Esse diálogo tem a ver com isso, de viver e discutir experiências. Vamos trabalhar esse olhar sobre duas perspectivas: uma é o direito a viver da arte, de quem tem a cultura como sua busca de pão, e o segundo é o direito de conviver com a cultura e com a arte, que é as pessoas terem acesso aos bens e às expressões culturais.

JC — Recentemente, o Recife aprovou leis que consideraram o brega e a música gospel como patrimônios culturais imateriais. Já que a decisão passou apenas pela aprovação da Câmara e pela sanção do prefeito, qual o real significado desses títulos? A Fundarpe, por exemplo, tem equipes para elaboração de inventários de possíveis patrimônios. Qual a estrutura do Recife nesse sentido?

MELLO — Desde o brega, começamos a pensar sobre isso, pois gerou uma discussão. Criamos um decreto junto ao prefeito para um comitê com várias instituições, incluindo órgãos municipais, estaduais e federais, como o Iphan, a UPE, a UFPE e a Unicap, para discutir diretrizes que permitam fazer análises, deixando de ser uma decisão apenas entre os vereadores e o prefeito. Pode ser que o cara coloque lá um requerimento, e o grupo criado formalmente discuta isso. Estamos criando também a Casa dos Patrimônios, onde hoje funciona a Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural, para abrigarmos e discutirmos esse tipo de assunto. Qual o plano de salvaguarda do maracatu, em que pé está? Está atualizado, terminou? O que está sendo feito? Se não, o patrimônio corre o risco de não ser revalidado, já que existe o risco de não salvaguardar o patrimônio imaterial.

JC — Sobre o auxílio do Carnaval, a gente sabe que agora está na fase das inscrições e que houve melhorias em relação ao do ano passado. Mas, em recente reportagem do JC, alguns representantes de manifestações da cultura popular desabafaram que, sobretudo, para as agremiações, o valor do auxílio ainda é pouco, o que acaba desmotivando as pessoas, que têm de procurar outras atividades para obter renda.

MELLO — Entendi a reflexão que a reportagem fez. O que ocorreu foram algumas posturas que estavam um pouco defasadas no pontual. Recentemente, tivemos uma audiência pública de oito horas sobre pandemia e cultura popular, a gente ouviu ali tudo o que se pode imaginar. Estamos ouvindo as queixas, elas não são da última semana. Isso é da origem do Brasil, com os povos originários e o preconceito de raça. Sobre o auxílio ter sido muito pouco, agora estamos pagando 100% do cachê. Com a suspensão do Carnaval, muitos dizem que o auxílio não é a solução, mas sem o auxílio você não corrige o urgente. É uma medida de amparo para resolver aquele momento enquanto pensamos em caminhos de políticas.

JC — No caso do frevo, Júnior Afro, que é membro do Comitê Gestor de Salvaguarda do Frevo, reclamou à nossa reportagem que falta uma política pública de preservação do patrimônio. Embora reconheça que existam iniciativas, como o Paço do Frevo e a Escola de Frevo. O que mais poderia ser feito?

MELLO — A salvaguarda do frevo é a gente articular, como está acontecendo com o Paço agora; se articular com a comunidade e fazer ações descentralizadas. Qual é a situação dos blocos? Recentemente, perdemos Marcelo Varella, um grande pesquisador e compositor do frevo, e que sempre defendia o festival de frevo e tudo mais. Qual o formato de um festival de frevo? Como é que a Rádio Frei Caneca pode entrar nisso para que a gente faça com que o frevo se renove mais? A estratégia mais perene que existe é a preservação da tradição, mas não se fechando só nela. É preciso fazer um encontro de gerações, fazer a galera dialogar. Temos de aproveitar dessa nova autoestima que existe, tem o passinho que está aí. Como é que faz para a galera dialogar uma com a outra? Queremos levar os Patrimônios Vivos para as escolas, para conversar com a garotada, e pensar em festividades, se isso for uma política para a educação. Também vamos trazer essa experiência para o Compaz, que pode ter trabalhos. Conversei com [o músico] Lucas dos Prazeres, que tem um método de ensino e cultura pela troca cultural.

JC — Atualmente, você acumula o cargo de secretário de Cultura e presidente da Fundação de Cultura, antes ocupado por José Manoel Sobrinho. Como ocorreu essa mudança e qual é o objetivo?

MELLO — Tivemos uma reunião no final do ano passado com o José Manoel, ele já tinha uma proposta para atuar junto com Cida (Pedrosa), e que a Fundação e a Secretaria precisavam resolver — não uma crise de relacionamento, mas — um cenário em que não era muito claro esse negócio de 'eu formulo' e 'você executa'. Tem sempre alguém que entra no meio do caminho. Estou numa experiência de tentar pensar com as equipes em conjunto. Como vamos viabilizar as coisas? Está vindo tudo para cá e dá para entender melhor os processos. Acho que estamos conseguindo. Desde o começo, essa gestão disse que tínhamos de acabar com essa coisa de 'isto é com você' e 'isso daqui é comigo'. Fomos exercitando isso ao longo do ano, e acho que agora temos um passo a mais para dar.

JC — A cultura, especialmente no Recife, tem um potencial grande. Inclusive, para o turismo. Como você analisa a posição ou o tamanho da atenção da gestão de João Campos para a cultura?

MELLO — Sinceramente, preciso admitir que há uma sensibilidade grande. Ele demonstrou isso quando apresentou a proposta de cultura, que eu participei da discussão, que apresenta o fortalecimento do Conselho, do SIC, dos Arrecifes Culturais, que é um debate sobre a territorialidade da cultura. Conseguimos colocar para tocar o Recife Virado, criamos o Patrimônio Vivo, habilitamos dois espaços. Agora, diante de uma realidade que é difícil. É importante ir lá discutir, sentar com Planejamento, Finanças, e explicar a importância de um SIC, que é a movimentação da cadeia produtiva. Pagamos cachês atrasados na pandemia e foi quase R$ 1 milhão. Temos um olhar para a cultura que vai além da produção de coisas, ou de garantir atrações artísticas. É um olhar para política pública além dos ciclos festivos. É para garantir que a pessoa não desista de viver da cultura e que a cidade tenha esse viés.

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