LITERATURA

'A Revolução dos Bichos', de George Orwell, vira cordel nas mãos de pernambucanos

Em domínio público, clássico da literatura mundial ganhou adaptação com versos de Josué Limeira e ilustrações de Vladimir Barros. 'O cordel caiu como uma luva, pois nessa história podemos ir para o quintal do Nordeste', diz autor

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Emannuel Bento

Publicado em 29/03/2022 às 20:32 | Atualizado em 29/03/2022 às 22:31
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A obra do britânico George Orwell entrou em domínio público em 2021, o que foi uma festa para editores e escritores. Em Pernambuco, terra de tantas revoltas históricas, o clássico "A Revolução dos Bichos" acabou virando um cordel com versos de Josué Limeira e ilustrações de Vladimir Barros, dupla recifense responsável por "O Pequeno Príncipe em Cordel", finalista do Prêmio Jabuti em 2016.

"A Revolução dos Bichos em Cordel" (112 páginas) foi lançado em fevereiro pela editora Yellowfante, junto a uma reedição de "O Pequeno Príncipe em Cordel", sucesso que inspirou até o enredo da escola de samba Tom Maior, de São Paulo, que desfilará em abril. Ambos livros estão à venda on-line.

O escritor, poeta e cordelista Josué Limeira teve a tarefa de transportar para a literatura popular em verso, com formas rimadas tipicamente nordestinas, a obra satírica britânica de 1945. Na famosa fábula, animais expulsam humanos de uma fazenda e passam a gerir o espaço com um discurso de igualdade, até que um regime autoritário vai se formando.

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GEORGE ORWELL Capa de "Revolução dos Bichos em Cordel", com versos de Josué Limeira e ilustrações de Vladimir Barros - VLADIMIR BARROS/DIVULGAÇÃO

Limeira desenvolveu uma técnica bastante funcional quando manteve o site Cordéis do Amor, em que fazia cordel por encomenda para casamentos e aniversários. "Eu pego o texto em prosa, leio várias vezes, entendo e vivo cada capítulo. Então, começo a transformar os versos. A ideia é passar a essência do livro. Não escrevo tudo o que está na prosa, mas sim a ideia principal”, resume o autor, sobre a prática de adaptar romances ao cordel.

Após o sucesso de "O Pequeno Príncipe em Cordel", que o fez circular por diversos eventos e feiras literárias, ele até pensou em adaptar "Reinações de Narizinho", clássico de Monteiro Lobato. Foi a pandemia, um momento tão distópico, acabou o direcionando para George Orwell. O domínio público coincidiu com um desejo antigo.

'Obra fala da questão do poder'

"Estando enclausurado e lembrei da época que li 'A Revolução dos Bichos', '1984', 'Admirável Mundo Novo'. No pior momento da pandemia, comecei a escrever os versos desse novo livro. A história sempre me chamou muito a atenção por ser uma fábula e pela sátira à Revolução Russa. Veio bem a calhar, pois deu uma poética muito grande", diz Josué Limeira, ao JC.

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OBRA Na famosa fábula de George Orwell, os animais de uma fazenda expulsam os humanos e passam a gerir a propriedade com um discurso de igualdade; os porcos assumem o poder - VLADIMIR BARROS/DIVULGAÇÃO
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CONFLITO Após os animais tomarem o poder, a proposta da revolução desanda e se estabelece na fazenda a tirania - VLADIMIR BARROS/DIVULGAÇÃO

"O cordel caiu como uma luva, pois nessa história podemos ir para o quintal do Nordeste, um ambiente bastante conhecido nosso. Isso me deu uma liberdade, inclusive, de usar termos de cordel de forma mais ampla do que em 'O Pequeno Príncipe'. Uso termos como 'fuleiragem', 'aperreio' e 'gogó'".

Da mesma forma como foi feito no cordel anterior, o clássico foi separado em capítulos que não existem na obra original. Essa divisão aproxima mais o livro da realidade da literatura de cordel, com grandes ilustrações a cada início de capítulo.

"Foi muito bacana fazer esse livro, porque Pernambuco é incorporado com essa ideia de revolução. Então, dá para criar um parâmetro muito legal, pois essa história fala da questão do poder, de como as pessoas mudam diante do poder. A obra original é muito adotada no ambiente escolar, que é algo que desejamos muito. É interessante que o cordel chegue no ambiente escolar."

Ilustrações mesclam xilogravura, armorialismo e construtivismo russo

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GEORGE ORWELL "Revolução dos Bichos em Cordel" tem versos de Josué Limeira e ilustrações de Vladimir Barros - VLADIMIR BARROS/DIVULGAÇÃO

O ilustrador Vladimir Barros, que em seu trabalho carrega características pernambucanas, foi buscar inspiração em elementos estrangeiros para "A Revolução dos Bichos em Cordel". No livro, traços da xilogravura de J Borges e do movimento armorial de Ariano Suassuna e Gilvan Samico ganham influência do construtivismo russo, estética que marcou a propaganda comunista da União Soviética.

"Como o livro é uma sátira da Revolução Russa, eu queria falar sobre o momento que o país passava. O grande expoente do construtivismo russo foi o designer El Lissitzky. Essa arte russa era usada como um movimento de vanguarda artística que precedeu a Segunda Guerra Mundial e também esteve presente no pós-guerra", explica Vladimir.

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GEORGE ORWELL "Revolução dos Bichos em Cordel" tem versos de Josué Limeira e ilustrações de Vladimir Barros - VLADIMIR BARROS/DIVULGAÇÃO
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GEORGE ORWELL "Revolução dos Bichos em Cordel" tem versos de Josué Limeira e ilustrações de Vladimir Barros - VLADIMIR BARROS/DIVULGAÇÃO

Nas ilustrações, os porcos - grupo de animais que assume o poder - ganham traços que remetem ao autoritarismo. Na capa, o porco Napoleão (que acreditam ser uma sátira a Joseph Stalin) aparece sentado numa cadeira com aspectos de um senhor de engenho nordestino. "O coronel de engenho seria a figura autoritária dentro da nossa vivência popular. Também trago elementos da cultura pop. Quando pensei na cadeira, lembrei logo de Game of Thrones", explica.

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