Da pujança de duas forças das artes, mulheres, faz-se o espetáculo Abjeto-Sujeito, que após se apresentar no Festival de Inverno de Garanhuns realiza sessão única, nesta quinta-feira (28), às 20h, no Teatro de Santa Isabel. No palco, Denise Stoklos, em sua força cênica, corporifica a força literária de Clarice Lispector. O trabalho da atriz e o texto da escritora fluem, ainda, com a força do canto de Elis Regina.
Os ingressos custam R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia), também para associados do JC Clube. Estão à venda antecipadamente pelo endereço www.guicheweb.com.br/abjetosuspeito.
Denise Stoklos e Clarice Lispector têm uma história
Denise Stoklos mantém, desde seus 17 anos, uma relação com a obra de Clarice Lispector. Foi com essa idade que a atriz paranaense, em visita ao Rio de Janeiro, descobriu o telefone da escritora na lista telefônica, ligou para ela e conseguiu uma entrevista, a pretexto de colaborar com o jornal do diretório acadêmico do curso de jornalismo da UFPR.
Clarice recebeu Denise, mas logo sacou: "Você não veio me entrevistar, você veio me conhecer, não é? Então, deixe de lado a caneta e o bloco de anotações e vamos conversar".
Desse encontro, conta a atriz, não há muita memória. "Eu acho que foi uma coisa tão forte que ficou no evento em si, no próprio acontecimento. Quase não tenho outras lembranças, a não ser tê-la encontrado."
Imatura para alcançar o universo clariciano
Há alguns anos, Denise Stoklos quem foi convidada pelo diretor de teatro Fauzi Arap (1938-2013) para um encontro com Clarice Lispector — no caso, o texto da escritora falecida em 1977 encontraria no palco a sua atuação —, mas disse não. Só há pouco tempo falou sim. E assim foi montado Abjeto-Sujeito.
"Precisou passar o tempo. Eu me achava muito imatura para chegar no universo de Clarice. Agora eu estou com 72 anos e pensei: 'É agora ou nunca! Eu tenho que ser capaz de poder repassar essas grandezas dela, essas colocações do mundo interno que todos temos, e que por isso ela nos toca tanto'", fala Denise Stoklos, por telefone, chegando ao camarim em Garanhuns.
"Clarice dá nome para essas realidades internas que nós temos e que, normalmente, passamos por cima, porque são consideradas muito profundas. Mas que, na verdade, são muito simples, são muito óbvias, inclusive", continua, revelando seu fascínio.
O teatro essencial de Denise
Como, então, traduzir toda a profundidade de Clarice Lispector — ainda que seja sobre o nosso óbvio humano — para o teatro essencial que ela, Denise Stoklos, fundamentou e pratica? (O teatro essencial prioriza a matéria viva, que é o ator, e seus recursos humanos, sobretudo a voz, o corpo e a emoção.) A atriz responde:
"Com muito estudo e, principalmente, dando muito valor à fala. Tanto que eu levo, em cena, o texto escrito, como um objeto que transmite, um hipertexto, mostrando de onde vêm as reflexões — que não são minhas como atriz, mas estão escritas para todos e elaboradas [na dramaturgia] com muita delicadeza, para que sejam ditas da melhor maneira possível."
Nesse trabalho, Denise é dirigida por Elias Andreato e conta com o trabalho do dramaturgista e doutor em literatura pela USP Welington Andrade. Foram pinçados textos diversos da escritora — entre eles, o conto "A Quinta História", a crônica "Vergonha de Viver" e trechos dos romances Água Viva e A Paixão Segundo G.H..
Ela considera que são textos essenciais. "Estamos vivendo momentos de crises muito grandes, e de grandes perguntas: o que fazer, como fazer, como ir daqui pra frente? O texto dela praticamente mobiliza a enfrentar essas crises; nela estão justamente as respostas."
Companhias de Clarice e Denise
As canções "Meio-termo" (Cacaso) e "Os Argonautas" (Caetano Veloso), na interpretação de Elis Regina, entrecruzam o espetáculo Abjeto-Sujeito, que começa com a entrevista da cantora para Clarice Lispector. "Ela tinha interesse na genialidade da Elis, e a gente achou que as duas combinariam."
Na cenografia, combinando com o que Denise diz em cena, está uma peça criada por Thais Stoklos, sua filha. "Ela fez praticamente uma cortina. Não sei se pode falar que é uma cortina, mas uma descortina, um espaço de fios onde parece que vão se descortinando todas as palavras da Clarice."
Dedicada ao teatro em mais de 50 anos de carreira, Denise Stoklos tem estado, fisicamente, sempre sozinha no palco: já realizou 27 solos teatrais de sua autoria, pelos quais recebeu 22 prêmios e com os quais se apresentou em mais de 30 países, de sete diferentes idiomas.
Em alguma ponte estética ou de estilo com Clarice Lispector, na aparente complexidade, a atriz também trata "do muito simples, do muito óbvio, inclusive". Nos anos 70 especializou-se em mímica. Pelos anos 2000, apareceu com certa frequência nos intervalos comerciais da TV Globo performando (e chamando atenção para) campanhas do Ministério da Saúde. Aquela força gestual era tão estranha a tudo o que se via na TV aberta num tempo pré-internet, mas ao mesmo tempo tão natural. Deve ter provocado o olhar de muita gente.
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