ARTES CÊNICAS

"Será que o teatro morreu?", questiona Marcelo Médici, que apresenta no Recife a peça "Teatro Para Quem Não Gosta"

Ator sobe ao palco do Teatro RioMar, sábado (27), junto com Ricardo Rathsam

Romero Rafael
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Romero Rafael
Publicado em 24/08/2022 às 20:38 | Atualizado em 25/08/2022 às 8:42
JAIRO GOLDFLUS/DIVULGAÇÃO
EM CENA Marcelo Médici e Ricardo Rathsam escreveram, dirigem e interpretam 32 personagens em Teatro Para Quem Não Gosta; montagem foi criada em 2018, em São Paulo, e viaja pelo País - FOTO: JAIRO GOLDFLUS/DIVULGAÇÃO
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Um caminhão carregado com cenários e figurinos da peça Teatro Para Quem Não Gosta chegará ao Recife pela BR-101 na próxima sexta-feira. Os atores Marcelo Médici e Ricardo Rathsam mais uma equipe de seis técnicos vão virar a noite montando e ensaiando no palco do Teatro RioMar, onde o espetáculo fará — apesar de todo esse esforço e investimento — apenas uma sessão, no sábado (27), às 21h. Os ingressos custam R$ 80 e R$ 40, meia-entrada, e estão à venda na bilheteria e pelo site uhuu.com.

"Não tem sentido em fazer, se não pelo amor que eu tenho ao teatro", afirma Marcelo Médici, em entrevista por telefone, recorrendo, como ele disse, à "cafonice", para justificar o que move um ator a fazer teatro — "quando o teatro, hoje, a grosso modo, está restrito a stand-up comedies, musicais e a youtubers em apresentações para ganhar mais dinheiro ainda."

A comédia Teatro Para Quem Não Gosta é, desde o título, uma isca para achar o público e pastoreá-lo até à boca de cena.

"Será que o teatro morreu?", provoca o ator, requentando a pergunta-chave que ele e Rathsam se fizeram em 2018, quando decidiram montar a peça. "Será que as pessoas não gostam mais de teatro? Será que só querem ver show de stand-up? — que, aliás, eu já fiz, e por isso me sinto à vontade em falar, porque não é uma crítica contra. Eu estou realmente levantando uma discussão: será que vai restar esse teatro de cenário e figurino?"

Em Teatro Para Quem Não Gosta, os dois atores militam artisticamente pelo teatro feito com trabalho (suor, inclusive) e dramaturgia — que é quando o ator precisa estudar e fazer mais do que abrir a boca escorado na fama. Eles interpretam 32 personagens num passeio ao longo do tempo da arte a que se dedicam, desde a Antiguidade até os dias atuais, sem pretensão de darem aula. Encenam clássicos, como "Édipo Rei" e "Romeu e Julieta", e também teatros de revista e infantil, musicais e stand-up comedies.

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HISTÓRIA Sem didatismo e com graça, atores passeiam pela história do teatro: da Antiguidade aos stand-up, hoje - JAIRO GOLDFLUS/DIVULGAÇÃO

Usando o fogo do humor, a proposta deles deve acender na plateia a chama de um teatro vivo, independente das novidades e intempéries que vão aparecendo no mundo. "O teatro sempre sobrevive, mas pula umas fogueiras, passa por umas crises complicadas", resume, lembrando de tudo que já o ameaçou: o rádio, o cinema, a televisão, e agora a internet.

"A gente encara uma crise de público"

Se há quatro anos, quando estrearam a peça, a crise estava, de certo modo, personificada nos humoristas — tentando fazer graça com piadas inclusive sem graça — e nos influenciadores — quase coaches falando de si mesmos — ocupando as pautas nos teatros e as chances de bilheteria, os artistas têm tido que lidar também com a precariedade econômica dos brasileiros, cada dia mais com dinheiro contado e crédito estourado.

"Sobre essa volta agora, pós-pandemia, não é que a gente está voltando: o pessoal do teatro está mais uma vez resistindo, porque a gente está tendo que puxar o público novamente. A gente encara uma crise de público", relata Marcelo Médici, que completa: "se você não é uma personalidade da internet, a musa do verão, uma pessoa da mídia". O ator até tem mais de 320 mil seguidores no Instagram, conquistados com trabalhos na TV, mas não é ajudado pelo algoritmo. "Quando posto divulgação de teatro, some."

Por outro lado, um influenciador digital sequer precisa divulgar sua apresentação em outros meios que não as próprias redes e canais, e a bilheteria estará esgotada.

Uma das personagens de Teatro Para Quem Não Gosta sintetiza as agruras de atores, diretores e outros profissionais da cena. "Ela diz que não gosta de fazer teatro porque tem muita barreirinha", conta ele, rindo. "E é verdade: tem muita barreirinha! Será que eu tenho que fazer stand-up? Eu faço, tudo bem, mas será que a ideia é essa: chegaria ao Recife só à tarde, entraria em cena com a roupa com que eu tivesse e depois iria embora? Não tem caminhão, cenário, figurino...", ilustra. "Tem hora em que eu penso nisso, não vou mentir pra você."

Marcelo Médici levanta todos esses questionamentos sem que soe desabafando. Ele ri enquanto costura as palavras que relatam o que tem vivenciado desde que começou nos palcos profissionalmente ("Eu estreei há 32 anos e o teatro sempre esteve em crise"). Explica que gosta de falar com sinceridade, porque é necessário discutir a sobrevivência do teatro — e, a reboque, dos que vivem dele.

No seu caso particular, não faltam convites no audiovisual. Estreou, há pouco, no elenco da série "Nada Suspeitos", da Netflix. Em setembro, será visto no novo humorístico da Band, "Nóis na Firma", junto com Moacyr Franco e Gorete Milagres. Começou a gravar a 10ª temporada do "Vai Que Cola", do Multishow. E já recusou trabalho para poder estar no teatro. Assim vai equilibrando segurança financeira e sorte no seu amor: "Nada supera, nenhum tipo de tecnologia: a experiência do teatro vai ser sempre única."

"Não sei qual é o pecado em fazer sucesso. No Brasil tem uma culpa em relação a isso"

Embora empilhe dificuldades, Marcelo Médici tem conseguido fazer teatro com sucesso. Em outro tempo, é verdade, Teatro Para Quem Não Gosta teria fôlego para fazer uma minitemporada no Recife, ou ao menos duas sessões, mas, nesse tempo de nadar contra a corrente, o espetáculo surpreendeu: estreou em São Paulo no horário tímido das quintas-feiras, feito por amigos sem remuneração alguma, e foi crescendo, indicado a prêmios e no boca a boca. Daí, esticou-se até os fins de semana e ganhou patrocínio. A chancela do sucesso é que tem feito a peça rodar pelo Brasil.

Médici vem de outra grande experiência exitosa no teatro. Cada um com seus Pobrema — peça com texto dele e dirigida por Ricardo Rathsam, também seu parceiro em Teatro Para Quem Não Gosta — chegou a ter ingressos esgotados por três meses e público de 4.500 pessoas por fim de semana, em São Paulo. É um dos grandes sucessos do teatro brasileiro, ainda que, no início, ele tenha a encenado para somente 20 espectadores. "A gente tem que ter uma perseverança, uma resiliência que é quase religiosa. E tem que fazer igual para vinte ou nove mil pessoas. Tem que ter essa firmeza, se não desiste."

Ainda que valorize 20 pessoas na plateia, ele quer, obviamente, as nove mil. "Nunca entendi o problema que a galera tinha de fazer sucesso", comenta, referindo-se a atores e diretores do teatro paulistano, onde começou a carreira. "Não sei qual é o pecado em fazer sucesso. No Brasil tem uma culpa em relação a isso. Quando penso em Nova York, grande parte da economia da cidade é pautada na Broadway", compara. E cita como os restaurantes paulistanos da Bela Vista ficam cheios quando há peças de sucesso em cartaz, o que expõe o quanto o teatro pode movimentar a economia e a vida de uma cidade.

Mas então, como se produz um sucesso? "Não faço teatro para agradar, mas eu quero muito agradar o público", compartilha seu ingrediente-intenção. "E sempre tentando elevar, fazer uma coisa legal, não ir pelo lugar mais fácil", continua sua fórmula. "Eu adoro tudo o que é popular, mas acho que não precisa ter escatologia nem ser preconceituoso", vai aí uma dica preciosa.

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