"Ascânio, tem algo mais que você queira dizer?", pergunto antes de encerrar a entrevista por chamada de voz feita pelo WhatsApp. "Eu estou impressionado com a altura dos prédios da praia de Boa Viagem. Não sei como a Prefeitura deixou fazer esses prédios à beira-mar. Eu estou impressionado."
Meu interlocutor é Ascânio MMM, escultor com cinco décadas de trabalho artístico, que havia visitado o Recife, pela última vez, no início dos anos 90, e está de volta agora para sua primeira exposição individual na capital pernambucana: Geometria Oscilante, que abre nesta quinta-feira (8), a partir das 19h, na galeria Amparo 60, em Boa Viagem.
Ascânio MMM é, além de artista formado pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, um arquiteto — o que ilustra seu estado boquiaberto para os prédios erguidos na orla de Boa Viagem. Não que só arquitetos deem conta de que um paredão de concreto em frente a uma praia seja contra a lógica urbana, a estética, os ventos e o sol.
Mas bem, importa dizer que a arquitetura é fundamento para o olhar e a criação deste artista visual. "Falo sempre que, se eu tivesse feito só o curso de artes plásticas e história da arte, não teria chegado ao estágio em que eu estou. O curso de arquitetura foi muito importante para o desenvolvimento do meu trabalho."
Arte feita de alumínio
Em seu estágio atual, o artista arquiteta esculturas de chão e parede a partir de alumínio. O material entrou em seu ateliê, no Rio (onde vive desde 1959, quando chegou de Portugal, onde nasceu), a partir dos anos 90. À época, teve de criar uma obra para fixar em via pública, e então recorreu a algo mais resistente do que a madeira, com que trabalhava e ficou conhecido.
Quando não está em viagem (antes do Recife, expôs no MON, o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba), Ascânio MMM recebe em seu ateliê barras de alumínio de seis metros, que manuseia, cortando, furando, parafusando, com a ajuda de quatro jovens formados naquele espaço (e que entraram sob a condição de estarem matriculados e frequentando o Ensino Médio).
Aos 80 anos (e prestes a completar 81, no próximo dia 16), ele cumpre uma rotina de trabalho de segunda a sexta, das 10h às 16h. Foi nessa lida, já neste ano, que criou as obras reunidas na exposição do Recife, Geometria Oscilante. São oito trabalhos, duas esculturas de chão e seis de parede, medindo de 70 x 70 a 1,20 x 1,20 m. Todas de alumínio.
"Hoje, a minha obra é toda de alumínio." Nem por isso se define condicionado. "Com a minha idade, eu sou um dos poucos artistas que está inventando a cada dia coisas novas. Eu não estou acomodado." Cogita, inclusive, trabalhar com outro material:
"O alumínio nunca foi estranho para mim, ele é muito usado na arquitetura, mas não sei se amanhã eu volto a continuar a fazer tudo de alumínio. Eu estou sempre aberto a novas invenções."
Um artista construtor
O arquiteto tem criado, nessas décadas todas, movido pelo processo da obra, e não pela obra em si. Indício disso é que ele não só desenha as peças, mas as executa, ou supervisiona a execução no próprio ateliê — é comum que seja o contrário: o artista desenha um projeto ou faz uma maquete e envia a uma oficina que executa o trabalho.
"Há uma coisa no meu trabalho — e isso é muito importante", introduz. "Eu invento as peças e construo. Esse percurso é muito importante para mim: sempre há questões a serem resolvidas nessa execução", completa, com a práxis de um arquiteto que pensa em resoluções para a arte.
É a chamada relação corpórea que Ascânio MMM mantém com a arte, em que há um embate do artista com o material.
Embora a obra dele leve a falar de materiais e processo de construção, o que remete à rigidez da construção civil, ela pretende outra coisa. "Suas obras não se pautam numa discussão sobre massa ou volume; são translúcidas porque querem, exatamente, criar agenciamentos, embates e encontros entre elas e o corpo do espectador. Querem ser atravessadas, tocadas, usadas assim como desejam ser percebidas como projeções virtuais no espaço", escreve o curador da mostra, Felipe Scovino.
"As obras de Ascânio trazem essa ideia de participação. O público precisa se locomover, precisa observar a peça de vários ângulos, perceber suas possibilidades", registra o curador.
E assim é ainda mais compreensível que Ascânio MMM se abisme diante dos espigões da orla de Boa Viagem, construções com que não há diálogo — só se impõem como grande massa ou volume.
Primeira exposição no Recife
Ascânio MMM já havia recebido dois convites para expor na capital pernambucana: nos anos 1980, no Rio de Janeiro, ele conheceu a arquiteta pernambucana Janete Costa, de quem se aproximou e quem o convidou. Agora, o artista pertence ao casting da Amparo 60, da galerista Lúcia Costa Santos, filha de Janete. "Estou com a sensação de que estou respondendo ao pedido de sua mãe."
Geometria Oscilante permanece em cartaz até o 16 de outubro na Amparo 60 (3º andar da Dona Santa, à Rua Professor Eduardo Wanderley Filho, 187, Boa Viagem). A galeria está aberta à visitação de segunda a sexta, das 10h às 19h, e aos sábados das 10h às 15h.
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