A presença das ideias de Gilberto Freyre no debate público atual, ainda que numa visão discordante, mostra como o seu legado continua tendo grande influência na cultura brasileira. O livro "O Enigma Gilberto Freyre - Ensaios de Imersão" (240 páginas, Cepe), organizado por Josias de Paula Jr. e Roberto Azoubel, quer discutir esse legado trazendo temáticas e perspectivas relevantes para os nossos tempos.
Lançado neste sábado (17), às 16h, no Museu do Estado de Pernambuco, Zona Norte do Recife, a obra traz nove ensaios, assinados por intelectuais que possuem ligação com a obra de Freyre - isso não impede que eles busquem sobriedade e consigam ponderar os paradoxos do autor.
O ensaio que abre o livro, por exemplo, é assinado por Maria Lúcia Garcia Pallares-Burk, pesquisadora de Cambridge e autora da biografia "Um Vitoriano nos Trópicos" (2005). Ela foca num assunto polêmico em dias de polarização: o lado político de Gilberto Freyre, que foi acusado de comunista nos anos 1940 e chegou a apoiar o golpe militar de 1964.
Já Anco Márcio Tenório, professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco, vai trazer uma discussão atualizada para o conceito de “democracia racial”, que ganhou uma nova amplitude nos tempos das redes sociais.
Ensaios de João Cezar de Castro Rocha, Antonio Dimas, Elide Rugai Bastos, Josias de Paula Jr. Alfredo Cesar Melo, Gleyce Kelly Heitor e Antonio Risério completam a compilação.
Os responsáveis pelo novo livro ressaltam que um lançamento desse tipo não ocorre desde “O Imperador das Idéias: Gilberto Freyre em questão", organizado por Joaquim Falcão (hoje imortal da Academia Brasileira de Letras) e Rosa M. B. de Araújo na ocasião do centenário de Freyre.
'Há um falso debate sobre uma suposta ideia de democracia racial brasileira e a inexistência do racismo', diz organizador
"O Enigma Gilberto Freyre" iria aproveitar o ano de 2020, quando o nascimento do sociólogo completou 120 anos. Com a pandemia, contudo, o lançamento ficou inviável.
"A ideia foi concebida a partir de uma live que tivemos com Anco Márcio Tenório. Imaginamos que esse hiato de 20 anos entre os livros já era um tempo suficientemente interessante para atualizar a dimensão do Brasil sobre a obra", diz Roberto Azoubel.
De fato, muita coisa mudou nos últimos 20 anos. O questionamento dos cânones na academia e a disseminação de informações pelas redes sociais influenciou diretamente na visão que as novas gerações possuem de Freyre.
"A gente tem uma preocupação muito grande com essa lógica estabelecida pelas redes sociais, que trouxe opiniões muito fechadas. Isso é justamente o oposto do que era feito pelo Freyre em relação ao ensaio, que é aberto, sem a pretensão de definir a verdade sobre as coisas", diz Azoubel.
"Nós, organizadores, não concordamos com tudo o que Freyre escreveu, obviamente (nem com ele, nem com ninguém, uma relação intelectual não pode ser uma relação religiosa). Mas isso não nos impede de reconhecer a importância das questões colocadas por ele, da forma como ele colocou", continua.
Para exemplificar o pensamento, o organizador cita justamente a ideia da democracia racial. "Há um falso debate sobre uma suposta ideia de democracia racial brasileira e a inexistência do racismo. Quando, na verdade, as duas coisas coexistem. Temos formas bastante peculiares das relações raciais no Brasil e afirmar isso não nos cega da presença do racismo na sociedade brasileira."
"Não dá pra pensar na lógica binária dos computadores, das redes sociais, da lacração. Convocamos a complexidade proposta pelo próprio formato do ensaio. A realidade é complexa para reduzir em apenas uma opinião ou um olhar", finaliza.
SERVIÇO
Lançamento do livro O enigma Gilberto Freyre: Ensaios de imersão
Quando: neste sábado (17), a partir das 16h
Onde: Museu do Estado de Pernambuco (Avenida Rui Barbosa, 960, Graças)
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