MÚSICA

'O agro engoliu o mercado da música por inteiro', diz Johnny Hooker. Confira entrevista

Cantor pernambucano roda o país com o Clube da Sofrência, show em homenagem à Marília Mendonça: 'Ela foi o que chegou mais perto de alguma representatividade 'fora do padrão' no novo sertanejo'

Emannuel Bento
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Emannuel Bento
Publicado em 19/05/2023 às 16:32 | Atualizado em 22/05/2023 às 10:09
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MÚSICA Johnny Hooker realiza o projeto 'Clube da Sofrência', em homenagem a Marília Mendonça - FOTO: DIVULGAÇÃO

"Minha impressão foi de uma menina muito doce e calorosa. Rimos porque os dois éramos cantores fumantes querendo largar o cigarro mas não conseguíamos. Acho que depois ela conseguiu". Essa é a principal lembrança de Johnny Hooker sobre Marília Mendonça, falecida precocemente em 2021.

Após esse encontro em uma premiação musical realizada em 2018, a voz do "feminejo" até chegou a publicar uma versão improvisada de "Alma Sebosa", sucesso de Hooker, em seu Instagram. Cinco anos depois, o pernambucano busca em Marília a inspiração para a turnê "Clube da Sofrência", que chega ao Recife neste sábado (20), com show no Itaipava 14, região central.

"Já queria fazer um show tributo, pois nunca tinha feito. Quando surgiu o nome de Marília, me pareceu perfeito, pois somos contemporâneos, tínhamos nos conhecido e trocado admiração por nossos trabalhos. Ela chegou a gravar um vídeo cantando uma música minha. Já suspeitava que nossas obras conversavam bastante, mas durante a montagem do show me impressionei o quanto", diz Johnny Hooker, ao JC.

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Johnny Hooker, cantor e compositor pernambucnao - DIVULGAÇÃO
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Johnny Hooker, cantor e compositor pernambucnao - DIVULGAÇÃO

Com músicas de Mendonça e também da sua obra autoral, a "liga" do repertório é justamente a "sofrência". Marília trazia um cancioneiro mais ligado ao sertanejo com toques da bachata, enquanto Johnny bebe de tradições da MPB e da música brega. Ambas formas de cantar, contudo, são bastante populares em suas essências.

Para além dessas nuances estéticas, os próprios posicionamentos dos artistas tiveram convergências em determinados momentos. Marília foi uma voz dissonante no apoio massivo da indústria da música sertaneja a Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. "Acho que ela foi o que chegou mais perto de alguma representatividade 'fora do padrão' no novo sertanejo, seja pela temática das letras, por não ter um corpo de 'barbie', pelo posicionamento político que ela teve", diz Johnny.

Talvez seja justamente nas dinâmicas do sertanejo que também residam as maiores diferença entre os dois. Nos últimos anos, Hooker tem sido um dos vários artistas independentes que criticam a predominância sertaneja nas paradas e no mercado de shows. "Não existe 'competição desleal', porque não existe competição. O agro engoliu o mercado da música por inteiro. Mais de 80%. Acredito que isso seja irreversível. Pra gente só resta continuar fazendo nosso trabalho de formiguinha à margem desse projeto de poder."

"Acho que se o público tivesse oportunidade de conhecer mais [o artista independente brasileiro], ele iria se apaixonar. Dia desses eu recebi um relatório da minha distribuidora que dizia que entre 10 pessoas que conhecem meu trabalho 7 se tornam consumidoras. Chamam de potencial de retenção. Imagina se por exemplo meu trabalho conseguisse chegar em mais gente? Mas os muros que ergueram impedindo isso são intransponíveis. Já me resignei."

Em 2022, Johnny Hooker lançou o álbum "ORGIA", seu terceiro disco de estúdio após "Eu Vou Fazer uma Macumba pra te Amarrar, Maldito!" (2015) e "Coração" (2017). Ele teve faixas como "Amante de Aluguel", "Cuba" e "Larga Esse Boy", com Jáder.

Em maio do ano passado, no meio do período de divulgação desse projeto, ele chegou a fazer um desabafo: "Para um artista existir e sobreviver sem apoio de nenhum lado precisa ter demanda orgânica, e os números do 1º dia de lançamento de CUBA deixam claro isso. Não há mais demanda pelo meu trabalho. Se é que houve um esboço algum algum dia. É preciso saber a hora de se retirar", escreveu no Twitter.

"Naquele momento do Brasil a perspectiva de futuro tinha sido apagada, era nula, zero", diz Johnny, um ano depois. "Agora temos uma perspectiva menos ruim mas ainda assim ruim. Como reconstruir todo um setor depois da devastação? Não sei se o brasileiro é muito ensinado a amar a cultura produzida aqui. Tem muita igreja e fazenda. Parece mais uma fazenda com um monte de igreja do que um país."

Sobre o disco "ORGIA", ele opina: "Acho que foi meu trabalho mais maduro. Os temas que eu abordo nele são mais complexos e doloridos e também mais 'polêmicos', no sentido de que eu até sabia que as pessoas têm muito medo de sexo, mas não dimensionava o quanto. Com ele fiz os clipes e o show pop que eu sempre tinha sonhado, com bailarinos, pole dance e o próprio personagem que eu encarnei era muito interessante. De uma certa maneira, foi um adeus à juventude, um adeus a sonhos artísticos mais utópicos."

Após o "Clube da Sofrência", o artista quer focar na celebração dos seus 20 anos de carreira. "São 20 anos do meu primeiro show da vida. Queria muito lançar um single especial em comemoração. Estamos trabalhando nisso, vamos ver se o dinheiro dá".

SERVIÇO
Johnny Hooker - Show: Clube da Sofrência – Uma Homenagem a Marília Mendonça + DJ Allana Marques
Quando: sábado (20), a partir das 22h
Onde: Armazém 14, Recife Antigo
Ingressos: R$ 60 (meia-entrada) e R$ 70 + 1kg de alimento não perecível (social) disponíveis no Sympla

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