'Vamos decepcionar alguns, não teremos unanimidade', diz diretora de ‘O Auto da Compadecida 2’
Cineastas Guel Arraes e Flávia Lacerda, codiretores de 'O Auto da Compadecida 2', deram entrevista ao JC antes da noite de pré-estreia no Recife
Ao longo de 20 anos, o longa-metragem "O Auto da Compadecida" cristalizou-se como um cânone da cultura brasileira, tornando ainda mais popular a obra do dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014).
Valeria a pena mexer em algo tão especial? Essa pergunta se passa pela cabeça de muitos brasileiros com a continuação anunciada, "O Auto da Compadecida 2", marcada para estrear no dia 25 de dezembro.
Os diretores Flávia Lacerda e Guel Arraes (diretor do filme de 2000) não pretendem agradar a todos. "Temos a certeza que vamos decepcionar alguns (risos). Unanimidade não teremos", diz Lacerda. A dupla deu entrevistas antes da pré-estreia na capital pernambucana, nesta quarta-feira (11).
Expectativa
"Tem todo um sabor de aventura em sermos capazes de fazer uma história diferente, de dar continuidade, ao mesmo tempo ser tão legal e prazeroso de assistir afetar o público em determinados aspectos. Mas sempre vai ter quem prefira o primeiro" continua a cineasta.
Guel Arraes comenta que o final do filme guarda uma espécie de brincadeira sobre essa "necessidade ou não" de continuidade.
"O Chicó diz que vai fazer 'as segundas aventuras do João Grilo'. Ele diz basicamente o que acabamos de fazer no filme. A Rosinha diz: 'Olha lá como vai ser isso, hein?'. Costumamos dizer que nosso maior concorrente nas bilheterias não é Mufasa: O Rei Leão, é o primeiro Auto da Compadecida."
Enredo
O novo filme é, de fato, uma continuidade. João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) se encontram após décadas na mítica cidade de Taperoá, no Sertão da Paraíba.
Agora, João vive da venda de santinhos esculpidos em madeira e conta a história da ressurreição de João Grilo. Seu grande amigo não dá notícias há duas décadas e Chicó acha que ele morreu novamente.
Eis que João Grilo reaparece vivo e cheio de planos mirabolantes, que vão virar a cidade de cabeça para baixo, inclusive com contornos políticos que envolvem o coronelismo decadente e mídia de massa, representada pelo rádio.
Obra de Ariano
O primeiro filme leva o título de uma das obras mais conhecidas de Ariano Suassuna, mas era um retalho de várias de suas peças - com cenas em referências de 'O Santo e a Porca'. Agora, surgem outras, como "A Farsa da Boa Preguiça", com a personagem Clarabela Catacão (Fabiula Nascimento).
Contudo, o fio condutor do novo longa são os protagonistas. "Em cima da história original é que fomos trazendo personagens da obra de Ariano, mas também de Decamerão [livro de Giovanni Boccaccio], assim como teve no primeiro", diz Guel.
"Usamos o mesmo método do primeiro para rechear esse. Mas a história de começo, meio e fim, de aventura de João Grilo, é totalmente original", continua o diretor.
"O próprio Ariano também trabalha assim, pescando histórias do imaginário popular, a exemplo do cordel”, ressalta Flávia.
Tecnologia
Algo que também chama atenção em "Auto da Compadecida 2" é a escolha de uma cenografia muito mais colorida e fantasiosa, com bastante uso de imagens geradas por computador, trechos com animação e outros efeitos especiais para reconstruir um Nordeste dos anos 1950.
"O filme é mais descolado da realidade. A gente sempre achava que a cidade de Taperoá era realista demais para ser palco de uma obra que vem do teatro, então tivemos a intenção de fazer algo um pouco mais operístico e lançar mão da tecnologia para isso", diz Flávia.
"Pareceu mais natural contar essa história com Taperoá enquanto espaço mítico, com uma cidade que realmente representasse o local da infância do Ariano, que não é a Taperoá real", diz Arraes.