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Qual o sentido de não comer carne na Quaresma? Padre explica o significado da tradição cristã

A abstinência de carne carrega um simbolismo espiritual que convida à reconciliação com a fé, mas outras atitudes também são recomendadas aos fiéis

Publicado em 18/03/2025 às 12:15
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É comum que a Quaresma seja entendida como um período do ano em que católicos fazem abstinência de carne. Mas embora faça parte dos costumes desse tempo, essa prática penitencial é apenas um aspecto de uma série de atitudes adotadas entre os fiéis nessa época.

Na Igreja Católica, a Quaresma, que se inicia com a Quarta-feira de Cinzas, marcando o fim do Carnaval, é um período de preparação para a festa da Páscoa, que na tradição cristão celebra a ressurreição de Jesus Cristo.

O padre jesuíta Creômenes Maciel explica que essa tradição começou como uma preparação para o batismo entre pessoas que estavam se convertendo ao cristianismo, no contexto da expansão da religião no antigo Império Romano, entre os séculos I e IV.

“Foi aí que surgiu a Quaresma, com uma preparação imediata para aqueles que iam ingressar no cristianismo, se tornarem cristãos, serem batizados na noite da Páscoa”, afirma Creômenes.

Mas além do caráter batismal, o jesuíta diz que a Quaresma também surgiu como um tempo de reconciliação para quem já era cristão, mas estava distante da fé. É desse aspecto que derivam as práticas penitenciais da tradição, que ajudam os fiéis a fazerem uma revisão de vida, com o propósito de se reaproximarem de Deus.

“Nesse período, a gente busca voltar a ter uma relação mais estreita com Deus, para, a partir dessa relação, ter uma relação justa e fraterna com os nossos irmãos e também com toda a humanidade, com a natureza, com o planeta, com toda a realidade ao nosso redor”, explica o sacerdote.

Acervo Comunidade dos Viventes
O jesuíta Creômenes Maciel diz que a Igreja pede a abstinência de carne às sextas-feiras e afirma que atitudes como a caridade e a consciência ecológica também são importantes para fazer um caminho de conversão na Quaresma - Acervo Comunidade dos Viventes

Por que não se come carne?

Na verdade, católicos podem comer carne durante a Quaresma, exceto em alguns dias. Embora haja quem faça abstinência em mais momentos, Creômenes explica que a Igreja só pede que os fiéis deixem de comer carne na Quarta-feira de Cinzas e às sextas-feiras, incluindo a Sexta-feira da Paixão, na Semana Santa.

A abstinência de carne é uma atitude penitencial que visa entrar em comunhão com as dores da crucificação de Cristo. “Um gesto externo que manifesta uma realidade espiritual mais profunda”, diz o padre.

Para a desenvolvedora Heloisa Marquim, de 31 anos, praticar a abstinência de carne às sextas-feiras é um ato que a ajuda a se lembrar do sacrifício de Jesus e, a partir disso, se sentir mais identificada com ele.

“Fazer isso, para mim, é me tornar um pouco parecida com Jesus. É tentar me aproximar um pouco mais dele. Por que não fazer um pequeno sacrifício, perder uma comida, um alimento, para me lembrar de alguém que perdeu algo muito maior por mim?”, diz Heloísa.

A jovem conta também que a abdicação é uma forma praticar a ascese, conceito da filosofia grega incorporado pela tradição da Igreja que consiste em um conjunto de práticas de austeridade como forma de promover o autocontrole do corpo e do espírito.

“Fazer abstinência nos ajuda a controlar os nossos quereres e a moderar mais nossas vontades”, diz a desenvolvedora.

Além da carne

Padre Creômenes explica que abdicar da carne vermelha não é o único gesto que promove a identificação com Jesus que os católicos buscam na Quaresma. Ele diz que a prática do jejum às sextas-feiras pode ser aplicada a outras realidades da vida humana, e não necessariamente à carne ou a não ingestão de alimentos.

“Você pode jejuar, como algumas pessoas falam, a ‘língua’, que é parar de falar das pessoas ou fazer o jejuem os olhos, não ficar com o olhar voltado para recriminar, para condenar”, exorta o jesuíta.

E além do jejum penitencial, ele esclarece que existem outros exercícios recomendados pela Igreja que ajudam os fiéis a viverem uma boa Quaresma, como a caridade e a oração.

Para Maria Heloísa, isso ocorre em atitudes como fazer mais silêncio e estar mais atenta às necessidades alheias.

“A gente tenta ficar mais de olho em quais são as necessidades de alguém próximo, gastar mais tempo ouvindo quem está precisando de escuta ou fazer algum trabalho voluntário e ajudar pessoas em situação de rua”, diz.

Eu não posso ser cristão e defender a salvação das pessoas se eu não trabalho efetivamente pela salvação no que é mais concreto e urgente hoje: a defesa da vida no nosso planeta, a defesa da natureza

Consciência ecológica para viver uma boa Quaresma

Questionado sobre como viver uma boa Quaresma, padre Creômenes orienta que os católicos devem ficar atentos à Campanha da Fraternidade, uma iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que incentiva os fiéis a refletir sobre determinadas questões durante o período quaresmal.

Este ano, com o tema ‘Fraternidade e Ecologia Integral’, a campanha exorta os católicos a exercitarem a consciência ecológica, um apelo que acompanha um dos temas recorrentes do pontificado do Papa Francisco, que em 2015 publicou a encíclica Laudato Si’, uma mensagem apostólica sobre a relação humana com a natureza.

Para fazer um caminho de conversão nessa perspectiva, na Quaresma, Creômenes sugere atitudes como plantar uma árvore, fazer coleta seletiva, atuar em ONGs que fazem trabalho ecológico, ajudar a difundir os alertas da crise climática que o planeta enfrenta e, inclusive, tentar reduzir o consumo de carne vermelha, tendo em vista o impacto ambiental de sua produção.

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A Campanha da Fraternidade de 2025, da CNBB, orienta os fiéis a refletir sobre a relação com a natureza - okugawa/iStock

 

“Eu gosto de dizer que se você quer fazer um verdadeiro jejum, trabalhe pela defesa da natureza”, aconselha o jesuíta, que recomenda aos fiéis que o procuram a refletirem, por exemplo, sobre a relação que têm com o consumo, como o hábito de comprar muitas coisas e a atenção sobre a responsabilidade ecológica das empresas dos produtos que adquirem.

“Ou a gente muda, ou a vida é insustentável. Eu não posso ser cristão e defender a salvação das pessoas se eu não trabalho efetivamente pela salvação no que é mais concreto e urgente hoje: a defesa da vida no nosso planeta, a defesa da natureza. Eu preciso dela para sobreviver”, conclui.

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