Versos de Pedro Tenório poetizam o Pajeú em documentário pernambucano
Segundo filme do jornalista e cineasta Jefferson Sousa dá continuidade à missão de eternizar os poetas iletrados do Sertão
Quase duas mil visualizações marcam os primeiros dias de lançamento de Pedro Tenório de Lima e a Enxada de Um Poeta Iletrado, documentário que o jornalista e cineasta pernambucano Jefferson Sousa estreou na tarde da última segunda-feira (2). O filme com pouco mais de meia hora de duração acompanha os passos do artista que lhe dá nome, um agricultor nascido na área rural de Itapetim, e é o segundo trabalho de Sousa a dar rosto ao inconsciente coletivo ligado à poesia falada do Sertão do Pajeú, especificamente os artistas que poetizam a vida mesmo que sem acesso formal à educação.
O filme enriquece os versos e observações do poeta, hoje com 75 anos, com belíssimas imagens da fauna e da flora da caatinga. Também estão lá cenas do dia a dia que o inspira, da lida do trabalho braçal ao convívio com os parentes e amigos mais chegados.
Também filho de Itapetim, Jefferson invoca uma cena comum aos moradores do Recife para traçar uma analogia que ajuda a entender como tem se dado sua ligação com a cultura da região, íntima ao ponto de se tornar carro-chefe de seus trabalhos cinematográfico e jornalístico - em 2018, ele venceu o 3º Prêmio de Jornalismo Literário, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Pernambuco, com a série de reportagens em texto Poetas Analfabetos do Sertão do Pajeú.
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"Minha relação com a poesia do Pajeú se dá em duas fases. E a primeira é quando estou imerso nela. Temos poesia o tempo todo na região, no sentido literal, cotidiano. Se você vai ao mercado, tem alguém fazendo poesia. Você passa por uma calçada, estão fazendo poesia, de improviso, na brincadeira. Estamos tão inseridos nessa cultura, que não percebemos a grandiosidade dela. É como o recifense, que não se choca com a agitação, a vida acelerada do centro, por exemplo, porque, para ele, aquilo é o comum", explica ele ao JC.
"Isso aconteceu comigo, que saí do Pajeú aos 18 anos, muito jovem para ter a dimensão do todo. Apenas quando me afasto disso é que percebo a grandiosidade, a história e a estrutura e, acima de tudo, vejo na cultura uma forma de 'voltar' ao meu Sertão quando não posso retornar a ele fisicamente".
Já mergulhado na segunda fase da troca com a poesia pajeuzeira, a da saudade, o roteirista e diretor optou então por documentar a poética cotidiana a partir de pessoas de contato familiar. Leonardo Bastião, protagonista de Leonardo Bastião, o Poeta Analfabeto (2019), o primeiro filme, cresceu junto à tia-avó de Sousa. "Ela salvou Leonardo de um afogamento aos nove anos", recorda. A proximidade se repete em Pedro Tenório, amigo de longa data. "Pude me aprofundar em vidas e obras que refletem vidas e obras de outros tantos artistas, a partir de características particulares da minha região".
GRAVAÇÕES NA PANDEMIA
As filmagens de Pedro Tenório..., além de passarem pelos desafios comuns ao audiovisual independente, foram ainda mais simbólicas por aconteceram em meio à pandemia, demandando jogo de cintura da equipe, reduzida ao máximo. O necessário afastamento social chegou a afetar as técnicas de captação de áudio, mas sem atrapalhar a qualidade final. O impacto maior foi mesmo na distribuição, já que os festivais, seara de onde Sousa saiu premiado com o documentário de estreia, permanecem com as edições presenciais suspensas ou limitadas.
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Até o momento, Pedro Tenório de Lima e Enxada de Um Poeta Iletrado foi exibido na TV Brics, além de integrar eventos na Rússia e África do Sul. Também está previsto para entrar no catálogo da plataforma MUBI. Enquanto isto não acontece, pode ser conferido, claro, no canal oficial do diretor, www.youtube.com/jeffersonsousa, com acesso gratuito.
O documentário é uma realização de J. Sousa Entertainment e A Voz de Cima, e contou com o incentivo da lei Aldir Blanc, Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco e Fundarpe, por meio do Edital de Criação, Fruição e Difusão LAB PE.
Assista ao filme: