Por Motoko Rich, c. 2022 The New York Times Company
Sendai, Japão — Kotaro Isaka, um dos mais famosos autores japoneses de romances policiais de suspense, é declaradamente caseiro; raramente deixa Sendai, a cidade onde mora no nordeste do Japão, e na qual muitos de seus livros são ambientados.
Contudo, quando a adaptação de Maria Beetle, romance de 2010, tornou-se Trem-Bala, filme de ação hollywoodiano estrelado por Brad Pitt, Brian Tyree e Joey King, o autor acolheu o elenco majoritariamente ocidental e o cenário altamente estilizado, repleto de luzes neon, que lembra vagamente o Japão.
Ao escrever Maria Beetle, suspense sobre vários assassinos encurralados no mesmo trem de alta velocidade, Isaka criou um grupo de personagens heterogêneos que não são "pessoas de verdade e talvez nem sejam japoneses", afirmou o autor de 51 anos em recente entrevista no restaurante de um hotel não muito longe de sua casa e a poucos passos da estação local do shinkansen — ou do trem-bala. O romance, originalmente publicado no Japão, estreou em inglês no ano passado.
Isaka sempre sonhou que o romance, com enredo acelerado, assassinos pitorescos, mortes aos montes, um vilão adolescente sádico e humor irreverente, fosse ideal para Hollywood — segundo ele, o contexto japonês original não importava muito. "Não tenho a mínima expectativa de que as pessoas entendam a literatura ou a cultura japonesa. Nem eu entendo muito o Japão."
Transformar o romance de Isaka em um filme de ação ao estilo americano com elenco misto dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e do Japão foi em parte licença poética e em parte uma decisão comercial. Apesar da popularidade dos mangás e animes fora do Japão, poucos filmes e séries de televisão com elenco totalmente japonês se tornaram sucesso internacional nos últimos anos. Diferentemente dos fenômenos globais sul-coreanos, como Round 6 e Parasita, as produções japonesas, como o recente ganhador do Oscar Drive My Car e o ganhador da Palma de Ouro Assunto de Família, são aclamadas no mercado interno, mas raramente se tornam sucesso de bilheteria no exterior.
A mídia asiático-americana reclamou de whitewashing (ou branqueamento), embora o elenco de Trem-Bala inclua atores negros, latinos e japoneses. David Inoue, diretor executivo da Liga dos Cidadãos Nipo-Americanos, declarou ao AsAMNews que "o filme busca afirmar a crença de que os atores asiáticos não dão conta de ser protagonistas de blockbusters, apesar de todas as provas recentes do contrário, desde 'Podres de Ricos' até 'Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis'".
"O fato de Isaka qualificar seus personagens como etnicamente maleáveis nos deixou à vontade para homenagear sua alma japonesa e ao mesmo tempo deu ao filme a oportunidade de contar com grandes astros de renome internacional para buscar o sucesso global", afirmou Sanford Panitch, um dos presidentes do Grupo Sony Pictures, estúdio por trás de Trem-Bala.
Para quem experimentou o rígido fechamento das fronteiras japonesas durante a pandemia, a presença de tantos não japoneses em um trem supostamente viajando de Tóquio a Quioto é chocante e deixa clara a pouca semelhança do filme com a vida real.
David Leitch, diretor de Trem-Bala, e Zak Olkewicz, seu roteirista, disseram que queriam preservar alguns dos personagens mais importantes do romance — três gerações de uma família japonesa. "Quem não viu o filme vai se surpreender ao descobrir que o enredo é basicamente sobre os personagens japoneses e sua jornada até o desfecho", observou Olkewicz, embora esses personagens não sejam centrais no filme.
Mas até mesmo o romance de Isaka traz referências ocidentais: um dos assassinos é obcecado pela locomotiva Thomas, da série infantil Thomas e seus Amigos, detalhe que é preservado no filme. "Todos nós queríamos que o filme fosse bem inclusivo e internacional. A diversidade do elenco mostra o poder da obra original e como a história é capaz de transcender raças", comentou Leitch, que dirigiu Deadpool 2 e Atômica, e foi produtor executivo de dois filmes da franquia "John Wick".
Houve um momento em que os cineastas pensaram em mudar a ambientação: "Tivemos algumas conversas em que cogitamos a Europa ou uma região asiática. A pergunta era: onde seria possível encontrar todos esses personagens internacionais juntos?"
No fim, ele decidiu que Tóquio era uma cidade tão cosmopolita quanto qualquer outra. (Uma vez que vários pontos do enredo dependem da chegada pontual do trem em diversas paradas ao longo da rota, Isaka reconheceu que só um trem-bala japonês estaria à altura da proposta.)
Leitch tinha a esperança de filmar partes do longa no Japão, mas a pandemia tornou isso impossível, de modo que mergulhou ainda mais fundo em uma visão fantástica criada em um estúdio americano. Quando viu o espaço, Isaka achou ótimo que a violência extrema da história não fosse cometida em nenhum tipo de cenografia realista: "É um alívio ver a história se desenrolar em um Japão futurista ou um lugar tipo Gotham City, um mundo que as pessoas não conhecem."
Isaka publicou mais de 40 romances no Japão — muitos deles best-sellers — e seus agentes esperam que a importância e a visibilidade de Trem-Bala ajudem a disseminar suas obras entre os leitores anglófonos que já apreciam o entretenimento japonês por meio de mangás, animes ou Haruki Murakami, romancista japonês considerado um astro literário no Ocidente.
Filho dos donos de uma galeria de arte em Chiba, a leste de Tóquio, Isaka cresceu lendo mistérios e suspenses, incluindo traduções de romances de Agatha Christie e Ellery Queen. Mudou-se para Sendai para estudar direito na Universidade de Tohoku, onde começou a escrever contos.
Depois de formado, foi contratado como engenheiro de sistemas, mas acordava antes das cinco da manhã na maioria dos dias para escrever ficção. Como o apartamento que compartilhava com a esposa era pequeno demais para ter um escritório separado, ele às vezes escrevia no laptop, à noite, depois do trabalho, sentado em um banco de pedra ao lado do rio perto de seu prédio.
Seu primeiro romance, Audubon's Prayer ('A prece de Audubon', em tradução livre), que conta a história de um espantalho falante, um gato que faz a previsão do tempo e um policial que na infância fazia bullying, ganhou o Prêmio de Novos Talentos do Shincho Mystery Club em 2000. Dois anos depois, com o incentivo da esposa, ele abriu mão do salário fixo: "Concluí que, se não largasse o emprego para me concentrar na literatura, não conseguiria escrever uma grande obra." Vários de seus livros foram adaptados para o cinema no Japão e suas obras traduzidas são populares na China e na Coreia do Sul.
Mesmo antes que seus romances fossem traduzidos para o inglês, os críticos detectaram em seus livros uma sensibilidade americana — ou ao menos hollywoodiana. O crítico literário Atsushi Sasaki comentou que o jeito de falar dos personagens de alguns de seus romances é "quase como se ele estivesse copiando em japonês um diálogo de filme americano. Quando assistimos à versão dublada de filmes de Hollywood, o japonês pode soar pouco natural, e é assim que sempre imaginei seus livros e as falas dos personagens".
Uma vez que a obra de Isaka é praticamente desconhecida dos leitores anglófonos, Yuma Terada e Ryosuke Saegusa, fundadores da CTB, produtora cinematográfica e agência literária que representa o autor, consolidaram os direitos autorais de seus romances e encomendaram traduções de diversos deles, na expectativa de apresentá-lo como primo literário de Murakami.
Sam Malissa, que traduziu Maria Beetle e outro romance, Three Assassins ('Três assassinos', em tradução literal), que é parte de uma trilogia e também foi publicado em inglês na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, ressaltou que a energia excêntrica da obra de Isaka pode ajudar a derrubar os estereótipos ocidentais sobre a literatura japonesa. Segundo o tradutor, os leitores anglófonos geralmente comparam a ficção japonesa ao ukiyo-ê, estilo japonês de xilogravura, considerando-a tão hermética quanto um koan — ou enigma indecifrável — zen-budista.
Fora dos mercados anglófonos, a obra de Isaka vem ganhando mais adaptações para as telas: seu romance The Fool of the End ('O tolo do fim', em tradução livre) está programado para se tornar uma série dramática coreana na Netflix.
Isaka disse que, justamente agora que seu trabalho está ganhando destaque global, não tem conseguido manter a meta de escrever seis páginas por dia, que estabeleceu no início da carreira de escritor. E lamentou: "Já escrevi muito do que tinha para escrever." Contou que a esposa recentemente sugeriu que ele se concentrasse apenas em criar um bom romance, agora que está na casa dos 50 anos. "Agora me sinto mais leve", revelou.
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