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Thunderbird lança autobiografia que vai do retetéu em Olinda ao sucesso na MTV

Luiz Thunderbird não doura a pílula ao contar sobre a vida pessoal, bastidores da TV e o rock dos anos 90.

José Teles
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José Teles
Publicado em 17/05/2020 às 13:39 | Atualizado em 21/05/2020 às 9:57
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Thunderbird, escancara - FOTO: Divulgação

Quando o paulista Luiz Fernando Duarte nasceu, um anjo torto, desses que vivem na sombra, deve ter falado: “Vai, vai ser gauche na vida”. Gauche, na definição do Dicionário Caldas Aulete, é o indivíduo tímido, retraído, canhestro, torto. Thunderbird – o apelido veio porque queria usar um nome que tivesse a ver com o rock-a-billy e achava bacana o nome do automóvel Ford Thunderbird, dos anos 50 – se tornou conhecido como VJ da MTV brasileira, canal que viu nascer e morrer. A emissora continua existindo, mas num formato que não comporta Thunderbird. Contos de Thunderbird (Globo Livros) é a autobiografia de Luiz Thunderbird, escrita com a colaboração dos jornalistas Mauro Beting e Leandro Lamin.

Uma história que só tem de convencional a narração, que obedece mais ou menos o tempo cronológico. Um garoto de classe média de São Paulo que parecia seguir a trilha da grande maioria de garotos iguais a ele. Passou por todos os estágios escolares até chegar à universidade. Luiz formou-se em odontologia e trabalhou na área. Tinha jeito, mas tomou outros rumos. Não se sabe bem como, a índole provavelmente. O dentista Luiz Thunderbird foi à beat generation. A editora LP & M lançou, no início dos anos 80, traduções badaladas de Jack Kerouac, Lawrence Ferlinghetti, Allen Ginsberg e William Burroughs.

Em 1984, Thunderbird e um amigo já estavam on the road, em direção ao Nordeste. Passaram por Maceió e vieram de carona para o Recife, e daí para Olinda. Sustentaram-se em Olinda graças às calcinhas pintadas a mão por uma amiga. Depois de curtirem o Recife e verem um show de Itamar Assumpção no Teatro do Parque, foram para Olinda: “(...) fomos aonde os expositores vendiam seus produtos típicos. Comida, rendas, objetos em couro, instrumentos musicais e nós, com as calcinhas. Alguém nos emprestou uma toalha e dispusemos nosso “material” na calçada. Passaram-se horas até que um marinheiro francês apareceu, acompanhado por três garotas locais. Ele comprou 12 calcinhas. Foi uma festa! Descemos até o Maconhão e começamos a maratona retetelesca”.

As calcinhas renderam o suficiente para que os dois conhecessem a capital baiana. Thunderbird voltaria ao Recife em 1992, para inauguração da MTV, da qual ele se tornou um dos VJs mais conhecidos e polêmicos. Um sucesso inusitado para os padrões da TV brasileira, moldados pela estética apolínea, padronizada e asséptica da Globo. Além de não ser dotado de uma beleza clássica, Thunderbird tampouco tem a dicção de um apresentador do Jornal Nacional. Tanto que seu bordão na MTV era “Se é que me entendem”. Obedecendo aos ditames do tal anjo torto, Thunderbird teve como um dos primeiros empregos o cargo de fiscal do Ecad. Depois disso, não surpreende que tivesse roqueiros punk como clientes na clínica odontológica e abafasse o som da broca com o ruído da banda Ratos de Porão. O rock foi o rio que passou pela vida de Luiz Thunderbird, que está para a história do psychobilly paulistano, assim como Guinga está para a MPB carioca. Ambos foram dentistas. Bons músicos que nunca conheceram um sucesso retumbante.

QUERO MINHA MTV

No final de 1989, o Grupo Abril começou a agir para montar uma MTV no Brasil. A Abril vinha empreendendo algumas experiências assemelhadas, através da Abril Vídeo, de onde saíram algumas figuras chaves da Music TV Brasil. Na época, Thunderbird estava empenhado em trabalhar sua banda, a Devotos de Nossa Senhora Aparecida. Com 28 anos, Thunder prometeu que se chegasse aos 30 anos e não vencesse na música voltava à odontologia. Venceu na música, mas não com a sua banda.

“Começaram os testes para selecionar os primeiros VJs, que foram realizados no Aeroanta. Me ligaram chamando para eu ir lá fazer o teste, mas eu não queria saber desse teste, queria era gravar um disco com a minha banda. Não fui, mesmo porque eu achava que nunca seria escolhido em meio a centenas de pessoas que faziam fila pro teste. Não acreditava em mim. Não falo inglês e não sou nem um pouco bonitinho, né. Tinha certeza de que minha chance era de menos que zero”.

De qualquer forma, foi chamado ao galpão no bairro de Pinheiros, na Zona Norte paulista, onde funcionaria a emissora no início. Resultado: saiu de lá com contrato assinado. “Eu fiquei ali, sem entender o que estava acontecendo, olhando pros três sujeitos na minha frente. Pensei 15 segundos e lembrei do Little Richard no filme Chuck Berry — Hail! Hail! Rock ‘n’ Roll dizendo: “Onde eu assino mesmo? Minha vida mudou, e muito, naquele dia”.

CHESTER

O título Contos de Thunder vem de um dos vários programas que Thunderbird apresentou na MTV, e dos quais se tornou dependente assim que foi admitido na emissora: “Vivia imerso naquilo. Eu dormia (quando dormia) lá dentro. Não queria ir mais pra casa, só queria aprender e entender como funcionava uma emissora de TV. Eu realmente me apaixonei pela MTV. Foi uma fissura, como tantas outras. Mas, no quesito trampo, nada foi parecido com a relação que tive com ela. Tava doidaço o tempo todo. O auge foi em 1997. Decidi que ia morrer de overdose. Peguei todas as drogas, menos heroína”, conta Thunderbird em conversa por telefone.

Esse auge era na base do freebase: “Um certo sujeito tinha me ensinado a fazer o freebase, que muita gente acha que é um baseado de maconha com cocaína enfiada dentro, mas não é nada disso. Freebase” vem de base livre, ou seja, você transforma a cocaína em pó em uma placa pra fumar. O efeito é mais rápido e intenso”, assegura. Um dos mais notórios dependentes do freebase foi o guitarrista Ron Wood, dos Rolling Stones.

O nome Thunderbird era tão ligado à MTV que sua passagem pela TV Globo é pouco lembrada. Quando foi convidado por Boninho para transmitir o Hollywood Rock de 1994, e anunciou que aceitaria, Zeca Camargo o questionou: “Nossa, Thunder! Você vai pro Fantástico? — falou rindo, como se fosse uma coisa horrível. — Por favor, né, velho, sério, você vai se submeter a isso?”. Ironicamente, Zeca Camargo apresentaria o Fantástico durante 18 anos.

Contos de Thunder é uma história tão louca quanto o programa de que o livro tomou o título emprestado, apresentado por Thunderbird na sua volta à MTV. Claro que ele não deu certo na Globo: era a pessoa errada no lugar errado. Ninguém faltava a um convite para almoçar com o poderoso Boni. Thunderbird faltou, sem dar satisfação. Ao contrário da maioria das biografias de gente famosa no Brasil, em que só se abordam os melhores momentos, a biografia de Thunderbird lembra a de Nasi, do Ira!, que o inspirou a escrevê-la.

As glórias estão em suas páginas, assim como os equívocos, as doideiras, fraturas expostas. É um pouco a história da música pop brasileira dos anos 90, da MTV, e com um final feliz. Ele não fez objeção quando foi levado pela família para uma clínica e conseguiu ficar limpo: “A dependência é uma doença. Mas não tenho arrependimento, é um aprendizado, porém foi muito difícil sair”, diz Thunderbird, que aventa a possibilidade de partir para mais um livro.

O disco solo está pronto. O primeiro single será lançado dia 22 de maio. Preparava-se para lançar o álbum Pequena Minoria de Vândalos, quando irrompeu a covid-79, foi decretado o isolamento social e o lançamento postergado para depois da pandemia. Ainda gauche, depois de todos esses anos.

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