Neste dia 8 de dezembro, há 40 anos, John Lennon e Yoko Ono chegavam ao Dakota, o prédio onde moravam, por volta das 10h30 da noite. Vinham de um estúdio, onde Lennon terminou de produzir uma canção de Yoko. Iam jantar fora para comemorar o primeiro sucesso do álbum que os dois tinham lançado recentemente, Double Fantasy. Decidiram ir direto pra casa. O carro não entrou no prédio. Eles desceram na calçada. Yoko caminha à frente, o marido atrás. Alguém chamou seu nome, ele se virou. Era Mark Chapman, que disparou quatro tiros em John Lennon, que conseguiu chegar até o pórtico do Dakota, mas morreria em minutos.
John Lennon tinha 11 anos quando o americano Salinger lançou o romance The Catcher in the Rye (que fora publicado em capítulos nos anos 40). Mark David Chapman estava com quatro anos quando o livro chegou às livrarias. Salinger o escreveu para adultos. O personagem principal Holden Caulfield é um adolescente confuso, inconformado, que questiona os valores da sociedade, usando muita gíria e imprecações. Os adolescentes viram-se nas atitudes e perplexidades de Caulfield e ele se tornou um anti-herói admirado por várias gerações de jovens daí por diante.
Em menos de um mês, Mark Chapman, que morava em Honolulu, no Havaí, fez duas visitas a New York. Na segunda , chegou no dia 6 de dezembro, pela manhã. Pegou um táxi no aeroporto La Guardia, e desceu na calçada do Dakota, o imponente prédio onde vivem milionários e celebridades. Ia se hospedar num hostel do YMCA, uma caminhada de dez minutos até ali. Não se cansava de olhar o Dakota. Fizera isto da primeira vez que esteve em Nova Iorque. Passara meses vendo fotos de John Lennon em seu luxuoso apartamento, na cobertura do prédio. Num livro chamado John Lennon - A Day at a Time, de Anthony Fawcett, antigo funcionário do casal Lennon Ono. O livro o motivou a conhecer o Dakota.
"Chapman acreditava que descobriu o verdadeiro John Lennon quando leu aquele livro. Em outro livro The Catcher in the Rye, o romance de J.D Salinger, ele acreditava que tinha descoberto a si mesmo. Pelos próximos meses foi acrescentando as páginas de O Apanhador em Campo de Centeio (o título em português), junto com as fotos em preto & branco do livro de Fawcett. Em sua cabeça, acreditava que poderia tornar-se Holden Caulfield através de John Lennon", o comentário está ns páginas de Let me Take You Down Inside the Mind of Mark David Chapman, the Man Who Killed John Lennon (Deixe-me Levá-lo ao Interior da Mente de Mark Chapman- O Homem que Matou John LEnnon), do jornalista Jack Jones, resultado de 200 horas de entrevistas, boa parte delas com o assassino do ex-beatle, na penitenciária de Attica, no estado de Nova Iorque, onde está preso desde 1982. Todos seus pedidos de liberdade condicional foram rejeitados.
Naquele dia 6, um sábado. Chapman passou muito tempo observando o Dakota de longe. Quando veio para a calçada, viu duas moças conversando diante da entrada do prédio. Ele puxou assunto. Disse que era óbvio que elas esperavam por alguém. Uma das moças disse que esperavam por ele. Mas não valeu a pena, disse. As duas riram alto. Mas depois se arrependeram e foram mais corteses com Mark. Chamavam-se Jude e Jery e eram fãs de John Lennon. Faziam plantão na frente do Dakota há quatro anos. Tornaram-se conhecidas de John e Yoko, às vezes iam com eles até o Central Park. Mark Chapman revelou que veio do Havaí para conseguir um autógrafo de John Lennon. Quando Jude fez cara de espanto pela horas que ele viajou por um autógrafo, Mark Chapman acrescentou que não se limitaria ao autógrafo. Jery sugeriu que ele comprasse o novo álbum de Lennon, e pedisse para ele o assinar.
As duas moças convidaram Mark Chapman para lanchar com elas. Ele não foi. Quando elas voltaram, Mark continuava na calçada, agora com o LP Double Fantasy debaixo do braço. Os três conversaram algum tempo. Elas decidiram ver um filme. Na volta, não encontraram mais Mark Chapman na calçada. Em compensação, viram mais uma vez John Lennon. Ele veio até elas, e conversaram sobre o novo álbum, Lennon orgulhoso por voltar a fazer sucesso. Logo despediu-se, e as duas amigas também. Jery confessou ao autor do livro sobre Chapman que ficou desapontada por Mark ter ido embora. Torcia para que ele a convidasse pra jantar: "Ele se vestia bem, tinha bom aspecto, boas maneiras, polido. Eu sairia com ele. Pra mim parecia mais normal do que a maioria das pessoas que a gente encontra por ali".
No domingo, Mark Chapman deixou o acanhado quarto do YMCA e hospedou-se no Sheraton, estava com dinheiro mais que suficiente, dois mil dólares. Na primeira vez que veio à cidade, ele assistiu a uma peça protagonizada pelo ator George C.Scott e sentiu ímpetos de atirar nele, mas se conteve. Ainda hospedado no YMCA escutou barulho no quarto vizinho. Eram um casal de homens gays fazendo sexo. Chapman contou que sentiu vontade de meter o pé na porta e disparar a arma nos dois. Mais uma vez se conteve.
No caminho para o hotel comprou um pôster de O Mágico de Oz, e a Playboy do mês, que trazia uma longa entrevista com John Lennon. Fez mais uma visita ao Dakota, conversou com o porteiro. Já falara com ele no mês anterior. Perguntou por John Lennon. O porteiro disse-lhe que ele estava fora da cidade. Depois foi jantar no restaurante do Sheraton, foi para o quarto. Folheou as Páginas Amarelas, pegou o número de uma garota de programas. O adolescente do livro de Salinger, solitário na noite de Nova Iorque, se encontra com uma prostituta de vestido verde. Por coincidência, a moça que veio ao quarto dele, vestia-se de verde. Não fizeram sexo. Ele apenas a massageou. Deitaram-se conversaram. Ele pagou 190 dólares pela companhia. Colocou o despertador para tocar às 9h da manhã. E dormiu.
Acordou antes de o alarme soar. Saiu bem mais cedo. Antes separou objetos pessoais, que deixaria no quarto. O passaporte, um cassete de Todd Rundgren, a bíblia aberta no Evangelho Segundo João, duas fotos suas ao lado de crianças vietnamitas, e o pôster do Mágico de Oz, com Dorothy e o Leão covarde. Ele revelou depois ao escritor que foi um gesto simbólico: era seu passado que deixava para trás. Ele ia começar uma vida nova naquela segunda-feira oito de dezembro. Antes de fechar a porta do quarto. Colocou cinco balas no revólver, e apanhou o LP Double Fantasy. Faltava uma coisa. Um exemplar do Apanhador em Campo de Centeio, deixara o dele em Honolulu com a sua mulher, Gloria, uma descendente de japoneses.
Comprou o livro. Era o último exemplar da livraria. Na folha de frente escreveu: "Aqui é a minha declaração. Holden Caulfield. O Apanhador em Campo de Centeio" Ele passou o dia lendo o livro na calçada do Dakota. Várias vezes foi às lagrimas. Numa destas vezes, voltou a realidade quando o porteiro gritou que John Lennon tinha acabado de entrar no prédio. Ele não viu. Logo reapareceram as duas fãs de Lennon, que até lancharam com Mark Chapman, e com Paul Goresh, um fotógrafo que aporrinhava Lennon e Yoko. Passava o dia circulando pela calçada do Dakota. John o detestava porque quando saia disfarçado pelas ruas, com chapéu, óculos escuros, o fotógrafo o denunciava. As jovens foram embora. Súbito começam a sair pessoas do prédio, e ao final, surgiram John e Yoko. Ela entra no carro, John vai entrando. Mark Chapman estava paralisado. Foi o fotógrafo que o empurrou até Lennon, que notou o estado emocional do rapaz. Depois do autógrafo, perguntou se ele queria mais alguma coisa. A mão de Chapman segurava o cabo da arma no bolso, mas, apenas emitiu um "Muito obrigado". Goresh bateu a famosa foto da vítima com seu algoz.
Quando Goresh disse que ia embora. Mark Chapman pediu para ele ficar esperando John voltar: "Quem sabe você não o verá mais?". O fotógrafo nem respondeu, saiu caminhando rapidamente. Morava em New Jersey. Por volta das onze horas, Yoko Ono e John Lennon chegaram numa limusine. Yoko passou por Mark sem olhar pra ele, John veio atrás, passou por Mark também sem cumprimentá-lo. Ele diz que disparou sem mirar. Lembra só do cheiro acre que pairou no ar, de Yoko o olhando apavorada, de John cambalear até a entrada do prédio. O porteiro aos gritos tomou o revólver de sua mão. Mark não esboçou reação. Atirou o sobretudo no chão. Fazia muito frio permaneceu de mangas e camisa. Esperou a polícia chegar, tentando se concentrar na leitura de O Apanhador em Campo de Centeio.
Comentários