MÚSICA

Recifense Dani Carmesim repassa uma década de rock independente no álbum 'Resumo da Ópera'; escute

Cantora e compositora apresenta narrativa sonora em três blocos temáticos, como atos de um espetáculo sobre ser artista no Brasil de 2021

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Nathália Pereira

Publicado em 22/10/2021 às 19:10 | Atualizado em 22/10/2021 às 19:33
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Condensar os acontecimentos distribuídos em um período de dez anos não é tarefa fácil. Menos ainda quando a missão é transformar as estradas artísticas percorridas nesse tempo em um outro produto cultural, que com certeza trará também os reflexos do contexto em que virá ao mundo. Mas foi justamente esse o desafio que se propôs a cantora e compositora recifense Dani Carmesim em Resumo da Ópera, seu segundo álbum, lançado no último dia 15 de outubro. Assim como o novo disco, Dani também construiu carreira de forma independente e é este um dos principais pontos abordados ao longo de 12 faixas autorais.

Mas não só. Resumo da Ópera faz jus literal ao título e divide a narrativa em três blocos temáticos, como atos de um espetáculo. Parte de observações sobre sentimentos de alcance universal, como em Cheiro do Medo; em seguida, volta o olhar para si, em composições em torno do autoconhecimento e desagua em um desfecho de análise sociopolítica sobre chagas que massacram o Brasil e o Recife, em olhar mais íntimo sobre a cidade na qual nasceu e permanece vivendo (na faixa 10, Hellcife).

Por telefone, Dani conta ao JC que o processo criativo do trabalho teve início ainda em 2018 e, uma vez atravessado pela pandemia de covid-19, acabou ganhando ainda mais nuances. "Já estávamos no período conturbado de pré-eleição [presidencial] e todo mundo estava se 'revelando', vamos dizer. Foi um momento de muita decepção porque pessoas que eram do meu convívio, e que eu achava que tinham os mesmos ideais que eu, não eram bem assim. Preconceito, gente pedindo volta de ditadura... isso se transformou em música", diz.

Desses primeiros sentimentos nasceram faixas como Loop Infinito e Víbora. "Sabe aquela história de cobra engolindo cobra?", comenta Dani. O peso relacionado aos conflitos internos e externos foi tanto, que em determinado momento ela viu necessidade de passear por outros assuntos. Lendo sobre esoterismo, por exemplo, escreveu Libriana, em que brinca sobre as características do signo atribuído à sua data de nascimento. Dani Carmesim fez aniversário dois dias antes do lançamento de Resumo da Ópera, aumentando a simbologia de renascimento ao redor do trabalho.

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LETRA X MÚSICA

Outra leitura possível para o conjunto do álbum está em certa dicotomia entre as letras e os arranjos e melodias, um jogo claro x escuro, luz x escuridão. Enquanto as primeiras carregam alguma amargura, a parte sonora traz mais leveza e por vezes pulsão enérgica em experimentos de características de post punk e música eletrônica. "Precisamos parar [a produção], por causa da pandemia. Ficamos parados por praticamente um ano e aí passei a compor sobre outras coisas, como uma fuga mesmo, porque eu estava ficando doente fisica e psicologicamente. Mas depois voltei de novo para o drama, não tem jeito. Eu termino o disco basicamente perguntando: 'onde vamos parar?'", conta.

"Cheguei no estúdio com a ideia de fazer um disco bem rock mesmo, até mais clássico, com solos. Foi quando o Fernando S. (produção, gravação, masterização) me fez enxergar que esse contraste, de jogar a música mais para cima, seria melhor. Ele teve como base o Fruto Proibido (álbum de estúdio de Rita Lee e Tutti Frutti, lançado em 1975). Pediu para a gente ouvir Michael Jackson, Quincy Jones... porque as pegadas dos baixos das músicas de Quincy são mais dançantes, groovadas, coisa que a gente trouxe. Para deixar mais pós-punk, Fernando usou e abusou dos sintetizadores, um elemento inédito e que deu a atmosfera certa".

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MOTIVAÇÃO EM TEMPOS DE DESMONTE

Principalmente ao longo dos últimos cinco anos, o cenário nacional não tem sido amistoso com a classe artística, menos ainda com os que gerem a carreira por conta própria. A extinção do Ministério da Cultura, em janeiro de 2019, denúncias de assédio contra o secretário especial da Cultura, o ator Mário Frias, e os incêndios que atingiram o Museu Nacional, em setembro de 2018, e mais recentemente parte do acervo Cinemateca Brasileira, são só alguns exemplos estridentes de como o setor sofre pela falta de atenção especial dos poderes públicos. Para Dani, foram motivo de angústia e de criação em Bailarina.

"A gente sabe que a música, a cultura, sempre foram desvalorizadas no nosso país, não adianta tapar o sol com a peneira. Mas, na pandemia, se não fosse a arte, o que seria da gente? Só que ninguém quer admitir isso porque ainda existe esse pensamento muito arcaico de que arte é coisa de vagabundo. O governo atual só reafirmou e reiterou esse discurso. É uma motivação para a gente continuar batendo de frente, eu faço arte para isso, fazer as pessoas pensarem. Se não for para lutar por alguma coisa, por que fazer arte?", questiona.

MULHER, ARTISTA

Durante esses anos na música independente, a artista precisou aprender muito mais do que as técnicas e sensibilidades ligadas diretamente à música. Lidar com imprensa, entender a lógica do marketing e as demandas atuais das redes sociais já fazem parte da rotina de Dani e tantos outros colegas. Junto a isso, estão as particularidades de viver em uma lógica social ainda muito machista.

"Para as mulheres, [o desmonte generalizado] ainda pesa mais, principalmente no rock. Teimam em afirmar que se a artista é mulher, a música é pop, é alguma outra coisa que não rock. Também quase nunca vejo nos perguntarem sobre a parte técnica, os instrumentos, pedais... como se não tivéssemos conhecimento à altura para responder. As coisas mudaram e melhoraram muito desde que comecei, claro, mas é uma batalha diária, não vai se resolver da noite para o dia", diz Dani Carmesim sobre as particularidades de ser mulher em um ambiente ainda muito masculino.

Além da dedicação a espalhar o novo álbum pelo mundo, a artista articula convites para shows em festivais online e comemora a entrada de Gelo, a quarta faixa, na playlist Rock Leve, do Spotify. Resumo da Ópera foi gravado por Fernando S., na Home Studio Área 51, no bairro da Boa Vista, centro do Recife. O produtor também gravou guitarras e sintetizadores na banda composta ainda por André Insurgente (baixo) e Tiago Marditu (bateria).

OUÇA RESUMO DA ÓPERA ABAIXO:

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