Depois de muito ir aonde o povo está, Milton Nascimento vem se afastando dos palcos — pelo menos de turnês, algo que exige um esforço físico custoso demais a um senhor de quase 80 anos e com limitações de saúde. A Última Sessão de Música é o espetáculo da despedida, mas com tom de celebração a uma obra genial e uma carreira de mais de 60 anos — e que seguirá: "Me despeço dos palcos, da música jamais", reforçou na entrevista por texto, às vésperas de voltar ao Recife para se apresentar, domingo (11), na Arena de Pernambuco. Será, provavelmente, seu último baile por aqui.
Milton, para o público, é difícil lidar com a notícia de que um grande artista não será mais visto nos palcos (pelo menos com tanta frequência). Como foi, para você, tomar essa decisão?
Posso dizer que sou muito grato pelo tanto que trabalhei (e conquistei) em todos esses anos de carreira. E a decisão de me despedir dos palcos é uma coisa que meu filho, Augusto, e eu já estamos pensando tem alguns anos. Por causa disso, posso dizer que esse é um acontecimento que foi decidido entre nós depois de muita reflexão.
Augusto Nascimento, seu filho e empresário, contou que você está feliz e curtindo a turnê. Como tem sido poder testemunhar, nos últimos shows, a quantidade de gente que quer te ver e ouvir? Dá vontade de não mais parar?
Essa turnê tem sido uma das maiores experiências da minha vida. E olha que foram muitos anos de estrada. Comecei como crooner aos treze anos de idade e não parei mais. Já são mais de sessenta anos viajando pra cantar em tudo quanto é lugar, então, acho que chegou a hora. Mas é como tenho dito sempre: me despeço dos palcos, da música jamais.
Esse seu ciclo está sendo fechado num momento muito simbólico, após o período mais duro da pandemia. A turnê é um reencontro seu, o artista, com o público, e também do público com o público. Você sente que esse fator tem tornado tudo mais especial?
Com certeza o fato de ser uma turnê de despedida envolve uma carga emocional muito grande. E isso acontece dos dois lados, da minha e do público. E esses encontros em todas as cidades em que passamos até agora têm sido algo mágico.
O Recife não constava na primeira agenda de shows, mas ainda bem foi inserida, porque você tem uma relação longa com a cidade e com recifenses, como Naná Vasconcelos, com quem abriu um Carnaval, e mais recentemente com Amaro Freitas, com quem gravou, além da Missa dos Quilombos e tantas apresentações aqui. Quais memórias o Recife te desperta?
Pernambuco tem uma importância muito grande na minha vida. Praticamente todos os meus projetos passaram por aí. Agora, outra coisa muito importante que Pernambuco me deu foram os amigos, e aqui eu não posso deixar de citar dois deles: Cafi e Naná Vasconcelos. Quando penso em Recife, a primeira coisa que eu penso é neles.
O show do Recife terá a participação de Simone. O que vocês vão cantar juntos?
O que eu posso adiantar é que as pessoas vão se emocionar muito, o resto é surpresa (risos).
Depois que encerrar "A Última Sessão de Música", que poderemos esperar de Milton Nascimento?
Como eu tenho dito sempre, me despeço dos palcos, da música jamais.
Com uma carreira musical tão longeva e cheia de realizações e parcerias, falta mais algo?
Vou dizer algo que eu tenho respondido sempre que me perguntam isso. Posso dizer que sou muito feliz de ter tido a sorte de cantar (e também de compor) ao lado de grandes ídolos e amigos pessoais, como Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Gal Costa, Mercedes Sosa, Pat Metheny, Peter Gabriel, James Taylor, Cat Stevens, Joe Anderson, Paul Simon, Duran Duran, Bjork e Esperanza Spalding. Sendo assim, acho que consegui realizar até muito mais daquilo que eu tinha sonhado. Como, por exemplo, outra parceria que marcou muito minha carreira foi quando Wayne Shorter me convidou para gravar com ele, nos Estados Unidos, o disco "Native Dancer". Com isso, as portas do mundo se abriram. Através desse disco com Wayne, minhas músicas chegaram até Stan Getz, George Duke e Sarah Vaughan. Por isso que eu digo que sou muito feliz com tudo que aconteceu na minha vida até aqui.
Augusto é considerado uma peça-chave no seu retorno aos palcos, na retomada da sua carreira. A relação de adoção mútua de vocês — um pai que reconhece o filho, um filho que reconhece o pai — é bonita e coincide com um momento em que sua obra parece brilhar ganhando o valor que é devido. Quanto essa relação contribuiu para que você retomasse o gosto pela música, a estrada e o estúdio?
A melhor parte da minha vida é a vida que tenho levado com meu filho, Augusto, nestes últimos anos, primeiro em Juiz de Fora, e agora em nossa casa, no Rio. E além de cuidar da minha carreira, ele também tem feito a direção artística dos meus shows. E trabalhar ao lado dele é uma coisa que me emociona todos os dias. Sem ele, tenho certeza de que jamais estaria vivendo tudo isso que tenho vivido hoje em dia.
Você está às vésperas de completar 80 anos (no dia 26 de outubro). Tendo o privilégio de já ter vivido tanto, o que descobriu da vida e vale compartilhar com a gente?
A única coisa que tenho pra dizer é só uma: acredite nos seus sonhos. E não permita que ninguém te faça mudar de ideia. O caminho é longo, mas o sonho é possível.
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