Pandemia

A difícil realidade de quem tem emprego nos bares e restaurantes do Recife e não pode trabalhar

Funcionários de bares e restaurantes que estão com contrato de trabalho suspenso relatam dificuldades financeiras e emocionais depois de 120 dias sem comparecerem no emprego

Edilson Vieira
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Edilson Vieira
Publicado em 08/07/2020 às 19:31 | Atualizado em 08/07/2020 às 23:40
YACY RIBEIRO/JC IMAGEM
O maitre Josivaldo Barbosa, o Migué, diz que sente falta de tudo. "Dos clientes, da agitação do salão, e das gorjetas que é quase como um segundo salário pra gente" - FOTO: YACY RIBEIRO/JC IMAGEM

Há dois anos e meio, Rafaela exerce as funções de atendente e operadora de caixa de uma rede especializada em massas. Ela conta que começou a trabalhar aos 16 anos de idade, num pequeno comércio na feira de Paulista, Região Metropolitana do Recife. No emprego atual, fez cursos de aperfeiçoamento e planos para o futuro. Quer terminar de construir a casa e se mudar com o marido e os dois filhos, um de 16 anos e outro de 6 anos de idade. Hoje Rafaela mora com a sogra, em Paulista. “Ia tudo bem com a obra, até que veio essa pandemia e tivemos que parar. Agora não sei quando vamos recomeçar. É tudo uma incerteza muito grande”, afirmou.

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O marido de Rafaela trabalha em uma pequena fábrica de pneus, também em Paulista e, como ela, foi suspenso do emprego. “Acontece que ele não recebeu a primeira parcela que era pra ser paga pelo governo. Só começou a receber da segunda em diante. Não dá para confiar nesse dinheiro que, além de ser menor, a gente nunca sabe se vai ou não cair na conta”, disse Rafaela. No meio do aperreio, com a renda da família reduzida à metade do que era antes e escola de filho pra pagar, ela ainda se preocupa com a situação do País. “Muitas lojas estão fechando e não voltarão a abrir. O que gera renda são as empresas. E de onde se vai tirar dinheiro? Não vai ser toda vida que o governo vai dar. Se as empresas não estão gerando impostos, como o governo vai poder dar auxílio aos trabalhadores?”, questiona.

VAGAS

Rafaela Luna faz parte do exército de 240 mil trabalhadores empregados no setor de bares e restaurantes no Estado, segundo a Abrasel-PE. Esses números são de antes da pandemia. A própria associação estima que 50 mil vagas foram encerradas desde abril. Ainda segundo a Abrasel-PE existiam cerca de 17.300 estabelecimentos que trabalham com alimentação fora do lar até abril deste. Cerca de 25% devem encerrar as atividades por conta da crise provocada pela pandemia, calcula a associação.

O medo do desemprego tira o sorriso do simpático Josivaldo Barbosa, de 49 anos. O “Migué”, como é muito mais conhecido pelos seus clientes, é maitre há 15 anos de um mesmo restaurante em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. Josivaldo, ou melhor, Migué, conta que trabalha no ramo desde que deixou Frei Miguelinho, no agreste pernambucano, (o apelido dele vem do nome da cidade) e se aventurou na capital. “Não sei fazer outra coisa. Nem Uber eu posso ser. Não sei dirigir”, fala, tentando descontrair.

O maitre também está no regime de suspensão de contrato mas assegura que, nem de longe, o valor pago pelo governo é suficiente para as despesas. Ele revela que só está conseguindo honrar o aluguel da casa onde mora com a esposa e três filhos, porque fez um acordo com a proprietária do imóvel e conseguiu reduzir o valor para 30% do que pagava antes. “Agora, as outras contas, de água e de luz, estão se acumulando, porque o dinheiro do governo muito mal dá pra feira”, comentou. Migué diz que sente falta de tudo. Dos clientes, do trabalho frenético no salão e também das gorjetas, que segundo ele, representavam até 75% da sua renda mensal. Juntando salário, gorjetas e algum extra por cumprimento de metas, a renda de um maitre pode chegar até a R$ 5 mil mensais. “Às vezes eu pego o telefone e ligo para o patrão, para perguntar quando a gente volta. Eu sei que não depende dele, mas é que a ansiedade é grande”, desabafa.

RENDA

Ansiedade tem sido também a rotina do garçom Samuel Melo, de 37 anos. Há 20 anos ele chegou ao bar e restaurante em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, onde ainda trabalha, para tentar o seu primeiro emprego. “Passei pela faxina, trabalhei como ajudante de cozinha e auxiliar de garçom, até chegar onde estou. O restaurante foi a minha escola e é a minha segunda casa”, diz emocionado. Ele, que é natural da cidade de Limoeiro, e mora atualmente em Lagoa do Carro, ambas no Agreste, diz que perdeu muito com o fechamento provisório do local de trabalho. “Como sou antigo na casa, já tenho clientes fiéis. Gente que gosta do meu atendimento. Só de gorjetas perdi em média uns R$ 2 mil por mês”, revelou. O piso salarial de um garçom em Pernambuco fica em torno de R$ 1,1 mil.

Samuel conta que, no início, achou que a paralisação iria durar só uns 15 ou 20 dias. Mas o tempo foi passando e ele começou a ficar desesperado. Samuel tem um filho de 16 anos e diz que está contando com a ajuda de familiares para se manter. “Sempre fui um cara muito ativo. Gosto do meu trabalho. Ficar sem poder ir para o emprego me deixou arrasado. Tinha dias que eu nem queria sair da cama. Minha esposa foi quem me acalmou”, confessou.

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A Operadora de caixa, Rafaela Luna, diz que o governo não pode pagar auxílio para sempre. "Quem gera renda são as empresas", afirma - FOTO:YACY RIBEIRO/JC IMAGEM
Arquivo pessoal
O garçom Samuel Melo diz que perdeu quase R$ 2 mil de renda sem as gorjetas. "Como sou antigo na casa, já tenho clientes fiéis. Gente que gosta do meu atendimento". - FOTO:Arquivo pessoal

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