Para quem viveu nos tempos da hiperinflação, os baixos níveis do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medidor oficial da inflação no País, podem soar como boa notícia em meio à pandemia do novo coronavírus. No entanto, este cenário esconde o impacto desigual no bolso das famílias, e os preços podem ter um peso maior no caso das mais pobres.
Nesta terça-feira (14), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apresentou os resultados do Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda do mês de junho. Segundo o índice, houve aceleração inflacionária na margem em todos os segmentos de renda pesquisados. A maior alta foi para famílias mais pobres (0,32%), enquanto nas famílias mais ricas foi menor (0,21%).
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O indicador mostrou ainda que os alimentos tiveram impacto nas famílias, respondendo por 34% da inflação nas de baixa renda, com destaque para o reajuste de 3,5% nos cereais, 1,2% nas carnes e 1,7% nos leites e derivados. Já entre as mais ricas corresponderam a 24% da inflação do grupo. “As famílias mais pobres são as que percebem uma inflação muito mais alta, porque a cesta delas é formada basicamente por comida”, explica o economista e o professor do Unit-PE Edgard Leonardo, lembrando que os mais recentes dados sobre a inflação foram divulgados na última sexta-feira (10) pelo IBGE e confirmam o que os consumidores pernambucanos já perceberam na prática: os alimentos estão mais caros.
De acordo com o instituto, na Região Metropolitana do Recife (RMR), os custos com alimentação subiram 0,53%, na comparação com o mês anterior. Em todo o país, o índice avançou 0,38%. Quando considerado o acumulado do ano, os alimentos na RMR cresceram 6,42% ante 1,12% da inflação como um todo. No Brasil, o grupo teve uma elevação de 4,09% frente a 0,10% do índice geral. Nos últimos 12 meses, o preço dos alimentos cresceu 8,33% no Grande Recife. O número é quatro vezes maior que o índice geral, que marcou 2,27%. Nacionalmente, os alimentos também tiveram um incremento. Alta foi de 7,61% contra 2,13% do IPCA geral.
Segundo a gerente de planejamento e gestão do IBGE, Fernanda Estelita, os produtos que mais subiram de preço no Grande Recife de janeiro até junho foram a cebola (141,19%), a batata-inglesa (76,39%), a cenoura (73,59%), os tubérculos, raízes e legumes: (67,90%), o tomate (57,44%) e o feijão carioca (44,57%). “Parte desses aumentos se deve à sazonalidade, visto que o que é plantado tem momentos de alta e baixa, influenciando no preço que é chega aos consumidores”, explica Estelita.
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A aposentada Nilzete Soares, 67 anos, conta que, com a alta da cebola, teve que se readaptar. “Sempre compro cebola e lembro como ela tinha um preço bem baixo, entre os menores. Agora está muito cara e tive que cortá-la de várias receitas", diz a idosa em tom de lamento.
Para o marceneiro Gerson Batista, 56, em uma rápida ida ao supermercado já é possível notar o aumento dos preços. "Nem precisa passar muito tempo aqui (no supermercado) para ver como tudo subiu", diz ele, contando que deixou de levar outros produtos para economizar. “Com essa pandemia, temos que diminuir os gastos. Não sabemos quando as coisas vão normalizar”, afirma Batista.
Auxílio emergencial foi escape
Na avaliação do economista Edgard Leonardo, os efeitos da alta de preços dos alimentos poderiam ter sido mais intensos se não houvesse o auxílio emergencial de R$ 600, distribuído pelo governo federal. “Apesar de todas as problemáticas em que o benefício está envolvido, ele foi uma mão na roda para as famílias mais pobres”, pontua o especialista, afirmando que a maior parte dessa população trabalha na informalidade ou como autônomo e depende da renda de seu serviço diário para sustentar a família. “Muitos estavam sem essa renda, por causa das medidas de isolamento social, então o auxílio serviu como um escape neste momento”, declara ele.
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O economista William Mattos concorda com o professor do Unit-PE. Para ele, o “preço da pandemia vem sendo pago pela população mais pobre”. “O auxílio emergencial tem uma série de problemas, mas foi essencial para colocar comida na mesa das famílias de baixa renda”, diz ele, lembrando que um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostrou que o preço da cesta básica em todo o país ficou abaixo dos R$ 600 do auxílio e que, no Recife, o valor foi de R$ 435,30, em junho. “Esse dinheiro foi essencial para garantir que muitas pessoas não passassem fome no Brasil”, sentencia Matos, ressaltando que o programa emergencial ainda não é ideal e precisa de aprimoramentos.
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