Atualizada às 12h52
Em entrevista ao programa Passando a Limpo da Rádio Jornal nesta segunda-feira (27), o economista e ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto fez uma análise do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no âmbito econômico, político e ambiental. Ao ressaltar a situação da pandemia do novo coronavírus (covid-19) no Brasil, que registrou 2.419.091 casos e 87.004 óbitos nesse domingo (26), Delfim considerou que o governo federal está falhando na estratégia de combate à doença.
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O economista ressalta que a suspensão de amarras dos gastos governamentais com a pandemia, possibilitada, por exemplo, através da PEC do Orçamento de Guerra - é feita justamente para possibilitar a ação efetiva.
"O objetivo moral do estado é reduzir o número de óbitos. Nós não estamos tendo sucesso nisso. Nós estamos caminhando para 90 mil mortos a despeito de todos esses gastos. Não há limitação para os gastos para o combate à pandemia, para a expansão do crédito obtido pelo Banco Central através da PEC de Guerra, onde nós estamos falhando miseravelmente é no combate à pandemia", disse Delfim.
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Veja a íntegra da entrevista
Reforma Tributária
"Vamos entender como é que nós chegamos nessa situação. Essa situação começou na (Assembleia) Constituinte de 1988. Eu estava lá, eu fui constituinte. Naquele instante nós fomos tomados de um poder, de uma onisciência e de uma onipotência extraordinária e decidimos o seguinte: Nunca mais haverá no Brasil um governo inteligente. Portanto é nossa obrigação hoje em 1986 dizer como o brasil deve se organizar para o resto da sua vida. Nós construímos uma constituição cujos princípios são espetaculares e cujos direitos também são espetaculares. Elas não ficam devendo nada a nenhuma outra Constituição. Mas decidimos dizer para os próximos governos o que eles deveriam fazer. Então fixamos quanto gastar em saúde, em educação, esquecendo que a educação muda, porque a taxa de reprodução muda, e que a saúde muda porque quando nós mais ficamos velhos vamos gastar mais. Mas não, nós ignoramos isso e estabelecemos até transfusão de sangue na Constituição. Ao longo desses 30 anos ficou visível que aquilo era completamente inadequado, as despesas do governo cresceram automaticamente e endogenamente. A coisa mais importante a fazer hoje era na verdade uma reforma de estado para poder permitir ao estado que gaste de acordo com as necessidades atuais, não com as necessidades que nós imaginamos que ele ia ter em 2020 foi quando nós fizemos a Constituição em 1988. Eu não tenho a menor dúvida que o que se trata hoje é o seguinte: O estado é autofágico, ele consome praticamente para si mesmo tudo que ele retira da sociedade e devolve muito pouco serviço. Esse processo continua. Nessa reforma tributária, se você realmente não atentar para o que você tem que fazer de eficiência nos gastos do governo, não vai sair nada que preste".
Política econômica de Paulo Guedes
"O programa do Paulo Guedes na verdade é uma continuação do programa iniciado pelo presidente (Michel) Temer, que por um prazo muito curto de dois anos fez uma enorme quantidade de reformas e estabeleceu na minha opinião a coisa mais importante que até hoje eu tinha visto, que é o Teto de Gastos, fez também a Reforma Trabalhista. O Guedes estava trabalhando nessa direção, com objetivos muito mais robustos. Em 2019, a coisa andou mais ou menos, crescemos 1,3%, muito pouco, mas tínhamos começado 2020 com uma perspectiva muito melhor. Se você observar todas as estimativas em dezembro de 2019, em janeiro de 2020, a nossa expectativa era de crescimento de 2,5%. Como nós estávamos tendo um efeito muito importante da política monetária, a tava de juros estava muito baixa como está hoje, menos de 1%, ou seja, o crescimento de 2,5% com uma taxa de juros abaixo disso garantia que a relação do PIB ia convergir para valores mais adequados. Na minha opinião, isso criou a expectativa que nós íamos ter um desenvolvimento um pouco mais robusto e com condição de caminhar para o equilíbrio fiscal. Infelizmente a pandemia veio e destruiu tudo isso e nós vamos ter que deixar isso para 2021. Eu hoje fico um pouco preocupado quando as pessoas dizem que vai ser 2021, acho que isso não é exercer a economia, isso é exercer a astronomia".
Combate à pandemia pelo governo Bolsonaro
"Para que a gente tem governo? Porque nós como sociedade cedemos um pedaço da nossa liberdade para um ente abstrato chamado governo no qual você dá o monopólio da força, para quê? Para que nos momentos de gravidade, ele seja capaz de coordenar as nossas ações. Qual é a maior obrigação moral do estado? É reduzir o número de óbitos quando você tem uma pandemia. É por isso que durante esse período de 2020 não há nenhuma restrição de caráter monetário, nem de caráter fiscal. Nós não estamos tendo sucesso nisso. Nós estamos caminhando para 90 mil mortos a despeito de todos esses gastos. Não há limitação para os gastos para o combate à pandemia, para a expansão do crédito obtido pelo Banco Central através da PEC de Guerra, onde nós estamos falhando miseravelmente é no combate à pandemia".
Economia e política
"A economia depende fundamentalmente da política. Em 1986, eu estava em um regime autoritário e fui candidato a deputado e me elegi escrevendo um livro "Só o político pode salvar o economista". Na verdade, o economista é portador não de onisciência, mas de alguns conhecimentos acumulados ao longo da história, talvez desde a Grécia Antiga sobre como você produz estímulos para que a sociedade aja de uma maneira adequada e de acordo com o seu desejo. Portanto, não há a menor hipótese de você fazer a economia sem o apoio da política. Bolsonaro se elegeu por motivos puramente, na minha opinião, fortuitos. Ele tinha um programa que era um programa da nova política que significava a não-política. Ele ganhou por motivos que não importa discutir. Mas sem a facada eu acho que não teria ganho, porque ele teria sido exposto ao debate, não seria poupado. E mesmo os opositores, com ele nos hospitais, você lembra que a imprensa inteira escrita autorizada ficou 24 horas por dia durante 40 e poucos dias para saber qual era o seu destino. Felizmente ele se salvou, está tudo bem. Onde ele cometeu erro? Ele cometeu um grave erro pelo comportamento que ele está tendo hoje. Depois de 18 meses de governo, ele está fazendo o que devia ter feito em novembro de 2018. Ele não foi eleito por maioria nenhuma, ele foi eleito por 39%, 57 milhões de votos, daqueles podiam e foram votar. O seu partido não chegou a ter 10% do Congresso. Ora, em qualquer república democrática, o que acontece quando alguém é eleito sem maioria absoluta? Ele tem que ir ao Congresso que foi eleito junto com ele, discutir com alguns partidos, produzir um novo projeto, não aquele projeto da não-política, e dividir com esses partidos não só o novo programa, mas o poder. A ideia que distribuir o poder com o Congresso é pecaminoso, produz a corrupção, é negar a política, é na verdade negar como funcionam todas as repúblicas pluripartidárias e democráticas. O problema de Bolsonaro é que ele começou com uma ideia errada, com a pior Casa Civil que a história do Brasil já teve. Depois a coisa agora melhorou um pouco e ele também está procurando construir um equilíbrio com o Congresso. Aqui é preciso entender o seguinte: Não há uma menor hipótese de uma sociedade democrática pluripartidária o Executivo não chegar as mesmas prioridades que o Legislativo. Sem isso o Brasil não vai para a frente, sem isso você não tem crescimento, sem isso você não tem nada. Felizmente eu acho que ele entendeu, mas jogou fora 30% do seu governo".
Movimento em defesa da Amazônia
"Eles estão revelando as preocupações que o mundo tem com o maior problema que vai continuar depois da pandemia, porque ela pode ter agravada, mas o problema é realmente do aquecimento global no qual a Amazônia tem um papel decisivo. Eu acho que nós não temos uma política tão defeituosa como se está imaginando. Pega um caso concreto. O Brasil é um país que tem dois terços do seu território ocupado por reservas de toda a natureza, reservas indígenas e reservas setor privado. No Brasil, a proprietária privada tem que dedicar 20% das reservas. Nós temos uma geração de energia limpa quando comparado com os outros países. Nós na verdade não entendemos onde estávamos. Esse Sales (Ricardo Sales, ministro do Meio Ambiente) é um desastre e não entendeu que hoje a maior preocupação do mundo é realmente com o aquecimento global. A ideia de que a Amazônia está pegando fogo é uma ideia falsa. Desde o governo Lula criou-se mecanismos de controle disso. Se você olhar as áreas consumidas, você vai ver que houve uma redução dramática. Essa ideia de que em 2012 até hoje você cresceu (o desmatamento) é um indicador muito duvidoso. O que eu diria é o seguinte: Nós jogamos fora toda a política que nós tínhamos feito de conservação. Se dois terços do nosso território é de conservação, um terço do território é de utilização agroindustrial, ou seja, para cada hectare que nós temos de produção agrícola, temos dois hectares de reservas. Por culpa do governo nós nos transformamos em um pária internacional. O governo precisa entender isso, porque hoje isso é um pecado capital. Se o mundo considerar que somos um pária, coisa que nós não somos, nós vamos sofrer amargamente. Eu tenho impressão que se o novo ministro entendeu esse negócio e acho que nós vamos ter uma mudança disso. Tem que dar os números corretos, acabou. Não adianta ficar brigando com o Inpe. O Bolsonaro dizia que o Inpe servia a interesses estranhos, talvez submetido a uma ONG. A negação de todo o conhecimento empírico que marca o governo Bolsonaro é a grande tragédia nacional".
Política ambiental no Brasil
"É evidente que as coisas mudam, o mundo muda, as condições mudam. De fato houve sim o primeiro movimento de compreensão sobre a Amazônia que produziu esse programa que está funcionando até hoje, que começou no governo do Lula com a ministra Marina (Silva). Eu fico triste quando as pessoas não vão olhar os números. Peguem o problema da Amazônia revelado pelo Inpe desde 1988, e vão ver que no governo Lula houve realmente um corte (do desmatamento), porque em 2004 a queima na Amazônia foi de tal ordem que o mundo se assustou e o Brasil tomou providências. Se vocês olharem vão ver que até 2004 o nível estava lá em cima. Depois que entra em vigor o programa da conservação, ela cai rapidamente e a partir de 2012, pouco antes até, ela já está em um nível muito menor e continua flutuando aleatoriamente. Nós queremos ignorar um fato muito simples. A Amazônia são 5 milhões de quilômetros, com um perímetro de 17 mil quilômetros, do qual você tem 40 mil homens das Forças Armadas. Há uma grande injustiça, um grande desconhecimento por conta do Bolsonaro. Porque ele nega tudo, inclusive aquilo de bom que o governo dele faz".
Acordo para lançar Ciro Gomes candidato e Haddad vice em 2018
"Foi no meu escritório aqui em São Paulo. Foi o Ciro (Gomes), (Fernando) Haddad, fomos para discutir um programa de governo a pedido do Lula, segundo eu entendi, e era verdade, esse programa começou a funcionar. O Lula estava impedido. Ele na verdade colocou o Haddad na esperança de que pudesse ser candidato. Eu considero o Lula uma pessoa extraordinária. Ele tem uma inteligência, é um diamante bruto. Se ele tivesse feito a USP ele jamais teria aquela intuição, aquela sabedoria que ele tem. Mais de qualquer jeito, no caso eles traíram o Ciro. O Ciro está certo. Na verdade, se eles tivessem mantido o programa original, provavelmente o Ciro seria presidente".
Desigualdade social
"Primeiro, eu acho que nós damos muita credibilidade à Oxfan. Na minha opinião, trata-se de uma realmente de uma grande produtora de fake news. Eu quero que eles expliquem de onde eles tiraram esses números para dizer tais barbaridades. Que o Brasil é um país desigual, não há a menor dúvida. Que o Brasil é um país onde o mais importante, que é a igualdade de oportunidades, nós não conseguimos produzir, Que o Brasil é um país onde o nível de desigualdade cresceu muito com a pandemia, como cresceu em todos os países, também é evidente. Depois da pandemia eu acho que o Brasil vai mudar por uma razão. O governo descobriu 38 milhões de invisíveis. Esses invisíveis hoje estão empoderados politicamente. Eles vão falar nas urnas. Você vai precisar realmente de políticas que modulem essa desigualdade, sobre isso eu não tenho a menor dúvida. Agora eu tenho muita dúvida sobre esse mecanismo. Para modular a desigualdade, nós precisamos produzir crescimento econômico. O imposto sobre grandes fortunas foi um grande sonho. Ele está na nossa constituição pela proposta de dois grandes brasileiros, Fernando Henrique Cardoso e o Roberto Campos. Hoje o que acontece? o mundo testou, tem três ou quatro países que têm imposto sobre grande fortunas, rende muito pouco. Nós não entendemos o poder que o imposto sobre grandes fortunas entrega para o estado. Ele vai na sua casa depois que o seu pai morreu e vê lá um tapete e diz 'Isso aqui é um Persa de mil e não sei quanto' e taxa, ou você tem que suborná-lo. Na verdade, nós ficamos em uma porção de sonhos e esquecemos as coisas importantes. A única coisa importante para a gente construir um país melhor é encontrar mecanismos que acelerem o crescimento, que reduzam o desemprego, que aumentem a produtividade da mão de obra. Eu estou plenamente convencido de que o Brasil é realmente um dos maiores países no mundo em matéria de distribuição. Quando nós estávamos crescendo a 7,5%, 8% ao ano durante 35 anos, existia um pequeno, do qual eu estava incluído, que tinha tido a oportunidade de receber do estado a educação. Nós estávamos, portanto, no último degrau de distribuição da renda. E o que existia do outro lado? Um exército da agricultura que estava sendo atraídos pela urbanização e que entravam no primeiro degrau. Ou seja, todos cresciam, mas alguns cresciam muito mais do que os outros. Esse negócio foi muito esclarecido pelo (Carlos) Langoni em um livro que é um dos clássicos da literatura brasileira de economia. Esses mecanismos tem que ser tratados sim, com primeiro a ideia de que você precisa dar cobertura para aqueles que não conseguiram construir a sua própria cidadania. Dar cobertura para isso, dar suporte e simultaneamente dar instrumentos para que eles reconquistem a sua cidadania. Uma vez nascido, você é senhor de direitos, que começam no atendimento à gestante e continuam depois do nascimento. Você precisa de água limpa de um poço tratado. Na verdade, nós não entendemos as condições que sustentam a igualdade de oportunidades. é esse o nosso drama, o ponto de partida dos brasileiros não é o mesmo. Quando não existe igualdade do ponto de partida, toda a meritocracia é uma fraude".
CPMF
"Trata-se de um imposto que ninguém sabe quem paga, seguramente é regressivo. É um imposto da pior qualidade. A coisa mais importante de um imposto é você saber quem paga. Quem paga não é quem recolhe. O empresário pensa que ele paga, não, quem paga é o trabalhador mesmo. Quando você estuda a teoria de incidência, você vai saber quem paga o imposto, quer dizer, de que renda é extraído o imposto. Não é de quem recolhe o imposto".
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