O aposentado José Misael tem 71 anos e sentiu na pele o preço do envelhecimento. Não pelas limitações físicas impostas pela idade, mas porque, com o passar dos anos, o seu plano de saúde individual passou a consumir mais de 30% do orçamento. Os aumentos anuais regulamentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) acima da inflação e o atendimento que deixa a desejar muitas vezes são motivos de revolta. Mas ele não pode abrir mão do serviço. “Meu plano representa mais de um terço do meu salário. Certamente, é um dos itens que mais pesam nas contas”, diz o idoso, afirmando que nos últimos meses, as coisas ficaram mais apertadas, porque o benefício da aposentadoria não aumentou como aconteceu com a mensalidade do plano. “Nessa idade, não posso ficar sem plano de saúde, então, tenho que sacrificar outras coisas para continuar com essa assistência, que nem é tudo isso”, conta ele.
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Situação parecida vive a aposentada Dalva Amorim, 72. Além de não ter conseguido negociar a mensalidade do convênio, ela viu o valor saltar de R$ 2,2 mil para quase R$ 4 mil na pandemia. “Entrei na Justiça para suspender o aumento. Mesmo assim, R$ 2,2 mil já é muito alto. Para piorar, minha filha, que me ajuda a pagar, teve redução de salário”, lamenta Dalva.
Os dois aposentados fazem parte do grupo de 6,6 milhões de idosos no Brasil assistidos pelos planos de saúde, o que representa 14% dos 46,7 milhões de brasileiros com algum tipo de cobertura. Assim como José e Dalva, muitos outros beneficiários de operadoras, observam com aflição o preço subir à medida que envelhecem.
Segundo um levantamento da ANS de 2019, com os dados mais recentes divulgados do painel de precificação, o reajuste por mudança de faixa etária pode chegar a média de 40,9% para quem faz 59 anos em um plano individual. No coletivo, o índice chega a 46%. Além disso, o valor comercial médio de um plano é mais caro para quem é idoso. Para quem tem entre zero e 18 anos, um plano com serviços ambulatoriais e hospitalares custa R$ 237,90, mas para quem tem 59 anos ou mais, pode passar de R$ 1.343,78. A diferença percentual é superior a 464%.
As operadoras praticam dois tipos de reajuste. Um deles é o anual, que a ANS regulamenta apenas para os planos individuais e familiares a partir de 2 de janeiro de 1999. Neste ano, o reajuste máximo seria de 7,69%, bem acima da inflação de 4,31% em 2019. Não é possível medir os praticados pelos planos coletivos.
Também é realizado o reajuste por mudança de faixa etária. A ANS estabeleceu 10 grupos etários. É possível reajustar por idade até os 59 anos. Segundo o regulamento, o reajuste da última faixa etária, que compreende os idosos, não pode ser seis vezes maior do que o previsto para a primeira faixa etária, de zero a 18 anos. A variação acumulada entre a sétima e a décima faixa etária não pode ser superior ao acumulado entre a primeira e a sétima.
"Valores abusivos"
Para a coordenadora executiva da Associação de Defesa dos Usuários de Planos de Saúde (Aduseps), Renê Patriota, os valores dos reajustes deveriam ser considerados abusivos. “O certo seria as operadoras distribuírem o reajuste por idade de maneira uniforme. Mas o que a gente percebe são dois grandes aumentos, que podem ser chamados de abusivos, na sétima faixa (pessoas com 44 a 48 anos) e a décima faixas (59 anos ou mais)”, afirma ela, explicando que o problema está no fato de que os reajustes anuais e por idade podem ser cumulativos. “Aos 59 anos, isso significa aumento considerável. Um absurdo”, argumenta.
Na semana passada, as operadoras foram proibidas de praticar qualquer reajuste até dezembro. Essa foi a primeira vez que a ANS regula valores de planos coletivos. No caso dos convênios individuais e familiares, o reajuste geralmente é feito de acordo com índice definido e divulgado pela agência entre os meses de maio e julho. A medida, porém, beneficia apenas parte dos 46,7 milhões de brasileiros que têm convênios médicos ou odontológicos. Isso porque a ANS estima que cerca de 80% já tiveram seus planos reajustados no decorrer do ano.
A fim de evitar as possíveis queixas e judicialização, a ANS estuda estender o benefício para aqueles que já estão pagando o plano de saúde com aumento e não aplicar o reajuste na renovação de contrato em 2021.
Na avaliação de Renê Patriota, a decisão da ANS foi acertada, mas a agência deveria ter sido mais ágil no caso. “A suspensão, sem dúvidas, é benéfica, mas já deveria ter sido determinada lá atrás”, diz Patriota. Ela diz que desde abril o Ministério Público Federal deu parecer favorável à suspensão do reajuste no âmbito de uma ação que a Aduseps moveu na Justiça Federal, mas o processo ficou travado. “As autoridades, com sua peculiar morosidade, mais uma vez, demoraram a tomar uma atitude em prol dos usuários”, lamenta Renê.
Procurada pelo JC, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as operadoras, não retornou o contato até a última atualização desta reportagem.
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