Desafio é equilibrar contas

UNIÃO Governo federal precisa ajustar os programas de proteção social sem endividar mais o País após gastos com a pandemia

LUCAS MOARES
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LUCAS MOARES
Publicado em 06/09/2020 às 2:00
WELINGTON LIMA/JC IMAGEM
FILA DA CAIXA Novo coronavírus levou milhões de brasileiros a depender do auxílio emergencial desde o início, no mês de março deste ano - FOTO: WELINGTON LIMA/JC IMAGEM
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Para enfrentar os efeitos da crise potencializada pela pandemia do novo coronavírus, passadas as medidas emergenciais, o governo federal tem pela frente o desafio de equilibrar a necessidade de investimentos públicos sem avançar ainda mais sobre o limiar do comprometimento fiscal em que já se encontra. Dentro das apostas do executivo está o substituto do Bolsa Família, o Renda Brasil. A transferência de renda, assim como tem sido com o auxílio emergencial, será importante para em algum grau dinamizar a economia e conter o alastramento da pobreza, mas, sem um desenho definido, o programa suscita discussões quanto ao risco indiscriminado dos gastos públicos e comprometimento fiscal do estado e seu poder de reação.

No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) encaminhado pelo governo ao Congresso, o apontamento é de um déficit de R$ 233,6 bilhões em 2021, com uma receita líquida de R$ 1,27 bilhão e despesa de R$ 1,5 bilhão. Das despesas discricionárias, sobre as quais o governo tem decisão quanto à destinação, estão previstos R$ 92 bilhões, num universo de gastos que chega a R$ 1,5 trilhão, sem levar em conta ainda o Renda Brasil. O tamanho do programa tem quebrado a cabeça da equipe econômica do governo, que tem sido demandada a encontrar um desenho menos dispendioso ao erário e ao mesmo tempo mais amplo que o Bolsa Família, levando em conta o cálculo político do programa social.

"O cenário de desafio é muito grande quando combinadas essas duas coisas (necessidade de maior cobertura social e situação fiscal apertada). O importante é trabalhar pela eficiência dos programas, em particular os de proteção social, que já têm capacidade de chegar às populações mais pobres. O que precisa discutir nesse momento é como aproveitamos melhor essa experiência, principalmente do Cadastro Único, e aumentar a proteção social mantendo a responsabilidade fiscal", diz Vinícius Botelho, pesquisador associado do FGV IBRE e ex-secretário nacional nos ministérios de Desenvolvimento Social e da Cidadania.

Segundo Botelho, a relevância dos programas sociais nos momentos de recessão da economia e para além, no Brasil, foi o que impediu que se houvesse elevação maior dos níveis da pobreza nos últimos anos. "Estar entre as 5% ou 10% famílias mais pobres já vinha significando ser cada vez mais pobre. A linha de elegibilidade estava caindo, os mais pobres vinham empobrecendo ainda mais, apesar de termos visto um recuperação econômica depois da crise (2015/2016). Os programas sociais sustentaram, impediram que tivesse elevação maior. Numa nova crise, com mais transformações que devem mudar o mercado de trabalho, não temos a indicação de que essa tendência irá mudar. Isso indica a necessidade de reforço da proteção social existente", reforça.

Até o dia 1º de setembro, o auxílio emergencial pago até o fim deste ano pelo governo federal e que deverá ser substituído, em parte, pelo Renda Brasil, teve aporte de R$ 184,6 bilhões, beneficiando diretamente 67,2 milhões de pessoas. Estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) concluiu que o auxílio emergencial evitou a queda de 23,5 milhões de pessoas para a pobreza. Além disso, 5,5 milhões tiveram aumento de renda, com acréscimo de R$ 178 na renda domiciliar per capita.

Só para manter o pagamento por mais quatro meses, até dezembro deste ano, o governo estima um aporte de mais R$ 100 bilhões. Essa despesa, no entanto, é incluída no Orçamento de Guerra da covid-19, que já exigiu um esforço adicional superior a R$ 500 bilhões e pode levar o rombo das contas públicas a R$ 800 bilhões, nos cálculos da equipe econômica.

O Renda Brasil, à parte disso, significa um gasto a mais fixo. Sem espaço para implementar o programa sem furar o teto de gastos, o governo tem corrido atrás de alternativas para viabilizar o que seria seu grande trunfo social, visto como uma política contínua ao auxílio emergencial. Já estiveram em discussão na mesa para suprir essa demanda cortes no no abono salarial, que beneficia 23 milhões de trabalhadores ao custo de R$ 18,3 bilhões e uso de dividendos das empresas estatais. Agora, ventila-se a discussão do uso de recursos economizados com a proposta de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo. Recursos na ordem dos R$ 28 bilhões, segundo fontes ouvidas pelo jornal Valor Econômico.

Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o auxílio emergencial já custa R$ 51,5 bilhões ao mês, ou R$ 618 bilhões em termos anualizados. "Se o Renda Brasil corresponder a 10% disso (R$ 62 bilhões, ou quase o dobro do Bolsa Família), já será um gasto elevado e difícil de ser enquadrado no orçamento e na regra do teto de gastos em 2021", avaliou o diretor-executivo da instituição, Felipe Salto.

Na corrida pela conformidade fiscal, o governo tem ainda pela frente as reformas tributária e administrativa. Ambas apresentadas de maneira fatiada e, no caso da administrativa, sem efeitos práticos, portanto, sem implicar redução dos gastos já em 2021.

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