DESENVOLVIMENTO REGIONAL

O futuro da região passa pelo Rio São Francisco

A descoberta do São Francisco fez 519 anos da descoberta do Velho Chico que continua sendo estratégico em vários setores como energia, abastecimento de água e geração de energia

Angela Fernanda Belfort
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Angela Fernanda Belfort
Publicado em 09/10/2020 às 21:08
ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
A descoberta do São Francisco fez 519 anos - FOTO: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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O Rio São Francisco completou 519 anos da sua descoberta no começo deste mês. O desenvolvimento do Nordeste e a integração da Região com o Sudeste passaram pelo Velho Chico. "Ele foi importante no passado. É agora. E vai ser no futuro", resume o presidente da Associação dos Produtores e Exportadores de Frutas do Vale do São Francisco (Valexport), José Gualberto. A bacia do São Francisco tem o tamanho da França, passa por cinco Estados e tem afluentes até no Centro-Oeste. E o uso político das suas águas também continuam sendo disputadas por políticos, independente de partidos há muitas décadas, mas vieram novos capítulos dessa história porque com a transposição, porque o Velho Chico tornou-uma das soluções para o abastecimento de água de um parte do semiárido brasileiro.

"Era o rio dos currais. Das suas margens, saíam a carne e o couro fornecidos para o litoral do Nordeste e principalmente para os locais onde já existia a produção de açúcar. O rio era a grande estrada e o indutor do desenvolvimento", lembra Gualberto. E acrescenta: "a partir de 1940, se criou a Comissão do Vale do São Francisco e aí começaram os estudos sobre o solo, a navegação e os transportes", conta. Depois disso, veio o conhecimento de que uma parte das terras às margens do São Francisco eram muito férteis. 

Gualberto é um dos que escreveu uma parte da história da fruticultura às margens do Velho Chico. Foi um dos pioneiros a plantar uva em larga escala em Santa Maria da Boa Vista em 1970. Quando foi comprar as mudas para fazer o primeiro grande parreiral, escutou de um fornecedor paulista de mudas de uva dizer: "tá doido". Ele também foi o primeiro a fazer vinho naquela cidade em 1984. O Vale se tornou um dos maiores produtores de frutas do País com cerca de 130 mil hectares cultivados e uma produção estimada em US$ 4 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões por ano numa safra boa), segundo informações da Valexport.

A "colonização" do São Francisco ocorreu com a pecuária. "As fazendas de gado foram se instalando no século XVI ao longo do rio. Só no século XX, vieram as atividades ligadas à agricultura", explica o professor de História da UniFG e do mestrado em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Thiago Modesini. Ele considera o São Francisco "estratégico" para a região e o compara com o Rio Nilo, do Egito, por causa da grande quantidade de terras ferteis existentes nas suas margens.

Outro marco histórico do São Francisco foi a geração de energia. As águas do São Francisco são usadas por uma hidrelétrica da Cemig e pelo menos em oito usinas da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). "A produção de energia das usinas operadas pela empresa no São Francisco é responsável por cerca de 40% da energia gerada na Região Nordeste", diz o diretor de Operações da Chesf João Henrique Franklin. A região já dependeu 100% das águas do rio para ter energia.

As águas do Velho Chico também foram fundamentais em outro processo que ajudou a mudar a cara do Nordeste: a industrialização. Todos os polos industriais que se instalaram no Nordeste ( principalmente os de Pernambuco, Bahia e Ceará) utilizaram somente a energia que vinha do São Francisco até, pelo menos, a primeira década deste século.

PRA FRENTE

O futuro do São Francisco é o uso multiplo das suas águas. O potencial de geração de alimentos usando a água do São Francisco, ainda tem muito a crescer, segundo especialistas consultados nessa entrevista. Também há muito potencial para aumentar a produção de geração de energia nas águas do Velho Chico e sem a construção de hidrelétricas. Responsável por armazenar quase 70% de toda a água destinada a geração de energia no Nordeste, o Lago de Sobradinho tem uma usina solar flutuante gerando, experimentalmente, cerca de 1 megawatt (MW). Já está em andamento a expansão dessa geração para 2,5 MW em 2021.

"A Chesf pretende ampliar a geração solar flutuante em larga escala", comenta João Henrique Franklin. O enorme espelho de água de Sobradinho tem um grande potencial de geração de energia e aí nos períodos secos, a água de Sobradinho seria destinada a outros fins, como o abastecimento humano e a irrigação. Desse modo, a geração de energia utilizaria um bem que não falta no semiárido: a radiação solar. A Chesf investiu cerca de R$ 50 milhões em ações ambientais no São Francisco nos últimos cinco anos.

PROBLEMAS

O pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco João Suassuna aponta a falta de gestão como um dos principais problemas do São Francisco. E cita uma pesquisa recente que apontou um rebaixamento de 6,63m do lençol freático do aquífero Urucuia que leva água subterrânea para o Velho Chico. O estudo foi realizado pelas Universidades Federais de Viçosa (em Minas Gerais), do Rio de Janeiro e de uma universidade estadual localizada no oeste da Bahia. Segundo ele, isso tem interferido no regime volumétrico do rio São Francisco. "As pessoas pensam que a água é um bem natural infinito. A água é um bem natural finito. A sua busca tem que ocorrer com planejamento e o uso deve ser com a devida parcimônia", cita, acrescentando que do Oeste Baiano, que se tornou um grande produtor de grãos à irrigação feita no Vale, há muitos produtores usando formas de irrigar que não tem o uso racional da água.


Outro problema está relacionado com a grande quantidade de pessoas que vivem no entorno do rio: cerca de 18 milhões de pessoas. "Não temos o tratamento de esgoto eficiente nesses municípios e isso é drenado para o rio", lamenta Suassuna.

A mudança climática também fez a caixa d'água do São Francisco passar por duas grandes estiagens nas duas últimas décadas. Uma em 2001 e outra entre 2013 e 2017. Nessa última, o lago de Sobradinho chegou a ficar com 1% do seu volume útil, o que nunca acontecido desde que a construção do açude. O volume útil é a parte da água que pode ser usada.

E o futuro aponta que é "estratégico" cuidar do Velho Chico, como disseram vários entrevistados. "A importância do São Francisco e de Sobradinho para a segurança hídrica do Nordeste extrapolou os limites da própria bacia hidrográfica em decorrência do projeto de transposição que vai abastecer 390 municípios nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte", conclui João Henrique.

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