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Busca pela equidade é real?

MOVIMENTO NEGRO Empresas se posicionam contra o racismo após casos de violência, mas ações práticas nas corporações ainda são escassas

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 29/11/2020 às 2:00
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A morte de João Alberto Freitas por dois seguranças em uma loja do Carrefour em Porto Alegre, no último dia 19, deixou o País perplexo e trouxe as grandes empresas para o centro da discussão. O que estão fazendo para que uma tragédia como a da rede varejista não se repita dentro de sua companhia? Logo após o ocorrido, onze gigantes do setor empresarial se apressaram em comunicar, em suas redes sociais, um compromisso pela equidade racial. A iniciativa é assinada pela Nestlé, Coca-Cola, Heineken, BRF, Danone, General Mills, Kellogg's, L'Oreal, Mars, Mondelez e Pepsico.

Algumas dessas corporações já participam da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, movimento comprometido com a promoção da inclusão racial e a superação do racismo. O Carrefour, aliás, era uma delas, mas foi desligado do grupo por tempo indeterminado, em repúdio à morte de João Alberto.

Cada uma das 11 empresas escreveu o seu texto nas redes sociais. O da BRF foi um dos mais contundentes: "Nós, empresas do setor de bens de consumo, nos solidarizamos com a dor de familiares e amigos de João Alberto Silveira Freitas. Juntos, somamos quase 235 mil colaboradores no Brasil. Acreditamos que devemos ser agentes de transformação e evoluir coletivamente na jornada que iniciamos individualmente, em cada uma de nossas companhias, na luta pela equidade racial. O primeiro passo é assumirmos a realidade do racismo e admitirmos que ainda ocorrem diariamente atitudes que perpetuam o preconceito, a exclusão, as desigualdades e a violência. E, por isso, precisamos fazer mais. Propomos usar o potencial das nossas empresas para acelerar mudanças efetivas em nossa sociedade. Estamos assumindo hoje o compromisso público de trabalhar de forma conjunta e propositiva com toda a nossa cadeia de valor", publicou a BRF.

Após a assinatura do compromisso, a pergunta do movimento negro no Brasil é se as empresas vão contribuir, efetivamente, para diminuir as diferenças raciais ou se será mais uma ação para gerar valor e melhorar a reputação das companhias. Nas redes sociais, a maioria dos comentários são dos mais céticos, que esperam por ações concretas, mas também houve quem aplaudisse.

A economista e supervisora técnica do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias, torce para que as empresas estejam seguindo a busca pela equidade racial e que não seja apenas uma tentativa de "colher os louros em um momento de comoção". "Tenho dúvidas em relação a isso, porque no calor do momento as empresas tendem a tomar algum tipo de ação, até porque a pauta racial tem sido bastante usada pelas empresas em função da pressão do movimento negro que ganhou ainda mais força com o Black Lives Matter (Vidas negras importam, em tradução literal).

Esse ceticismo vem da falta de resultados concretos no mercado de trabalho. Apesar da existência de movimentos empresariais para diminuir a desigualdade racial, a posição da população negra nas empresas praticamente não avançou. O Dieese divulgou, recentemente, informações sobre o mercado de trabalho no País com recorte por cor e mostrou que apenas 2,44% de homens negros ocupam cargos de direção nas empresas. Quando se fala em mulher negra, esse percentual cai para 1,9%.

Na última quarta-feira (18), a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, em parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares e a ONG Afrobras, divulgou o resultado do IIRE (Índice de Inclusão Racial Empresarial). O relatório mostrou que, por enquanto, o discurso ainda se sobrepõe às iniciativas. De 76 companhias signatárias, apenas 23 responderam sobre temas como conscientização racial, engajamento em ações afirmativas, recenseamento de funcionários, recrutamento e políticas de ascensão para profissionais negros. Se as outras não responderam, se infere que não têm ações para mostrar, senão não deixariam de compartilhar e aparecer bem no índice.

O levantamento revelou que negros e pardos são maioria apenas em funções como aprendizes (57%) e trainees (58%). Em conselhos de administração, os pretos representam 4,9%, em quadros executivos, 4,7%, enquanto em cargos de gerência avança um pouco mais (6,3%). Das 23 empresas que responderam o questionário, apenas 12 afirmaram manter ações permanentes sobre igualdade racial.

Em Pernambuco, a equidade racial ainda está no plano das ideias. A Fecomércio diz não manter plano, enquanto a Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe) entende a importância de avançar com a pauta no setor industrial, mas não tem um comitê nem ações concretas.

Na avaliação das Fiepe, as principais frentes seriam a qualificação de jovens e adultos e a capacitação das empresas. "Qualquer iniciativa que venha diminuir a desigualdade - seja racial, social, de gênero ou qualquer outra - é muito bem-vindas. É verdade que ainda temos um longo caminho a ser percorrido para conquistar uma sociedade mais justa, mas só conseguiremos avançar se a caminhada for feita de mãos dadas entre sociedade, poder público e setor empresarial. Da nossa parte, faremos o possível para promover a igualdade por meio, sobretudo, da educação de jovens e adultos e da capacitação das empresas que compõem o setor produtivo, como forma de mostrar a urgente necessidade de combater essas diferenças. É fazendo a nossa parte que mudaremos o cenário atual e promoveremos ações catalisadoras de igualdade", diz a superintendente da Fiepe, Fernanda Minniti Mançano.

 

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