A desindustrialização - fechamentos das fábricas, saindo para produzir em outros países - está ocorrendo no Brasil e é um processo que se acelerou nos últimos anos, segundo especialistas e executivos, que apontam o custo Brasil como o grande responsável por isso por deixar os produtos da indústria brasileira mais cara diante dos concorrentes internacionais. Neste janeiro, a discussão sobre esse assunto tomou novos contornos. A multinacional Ford anunciou o fechamento das suas fábricas em território nacional e também que passaria a importar os veículos da sua marca a serem produzidos nos países vizinhos. E a polêmica aumentou com o presidente do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea), Carlos von Doellinger, defendendo a desindustrialização do Brasil que, na opinião dele, deveria priorizar setores nos quais é competitivo, como agronegócio, mineração e energia, seguindo um modelo parecido com o da Austrália.
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"Não se abandonam os setores. Eles vão se agregando e se integrando para gerar mais riquezas. A indústria usa bens produzidos pela agricultura e fornece bens para esse setor. A indústria também demanda serviços especializados que são importantes no desenvolvimento da economia. A Austrália tem 20 milhões de pessoas e o Brasil, 200 milhões de habitantes", resume um dos maiores especialistas em indústria, o economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca.
Para ele, um País populoso como o Brasil precisa gerar emprego para as pessoas e a agricultura cada vez emprega menos gente, o que vem ocorrendo em todo o mundo devido à mecanização do setor agrícola. "O Brasil também ainda não tem os serviços desenvolvidos e a indústria vai contribuir para desenvolver esses serviços, porque uma parte da indústria também é serviços", comenta Renato da Fonseca.
Ele cita como exemplo os Estados Unidos, "que tem uma indústria forte, continua preocupado em atrair indústrias, mas também defende a sua agricultura". A indústria é importante para qualquer país porque concentra empregados com salários mais altos e também é uma alavancadora na implantação de novas tecnologias. " É normal que haja queda da participação da indústria nos países que se desenvolveram. Desse modo, diminuiu a participação da agricultura, da indústria e os serviços aumentaram a sua participação na economia ao mesmo tempo em que a renda das pessoas desses países ficaram maior", explica Renato. Essa foi a desindustrialização pela qual passaram os países desenvolvidos que até hoje não deixaram de ter fábricas, mas uma parte das plantas fabris que produzem para os seus cidadãos estão em países como China ou Índia.
A desindustrialização que ocorre no Brasil é um fenômeno único, segundo os especialistas consultados nesta reportagem, porque há uma diminuição da participação da indústria na geração de riquezas do País sem ocorrer o aumento da renda da população. Em 1985, a indústria brasileira representava 45% do PIB. Em 2019, este percentual ficou em 21%. "Não dá para pensar que vai voltar a ter a mesma participação de 1985, mas o que assustou no Brasil foi que a partir dos anos 2000 essa participação começou a cair de uma forma muito rápida", revela Renato. Segundo ele, o último grande crescimento da indústria no Brasil ocorreu em 2010. Tanto o PIB do Brasil como o de Pernambuco apresentaram crescimento alto naquele ano. O Brasil atualmente é a 16ª indústria do mundo, quando ocupava o 10º lugar neste ranking em 2014.
No último mês, o exemplo que chamou a atenção foi o fechamento das fábricas da Ford no Brasil. "A Ford não tinha mais condições de produzir no Brasil. A produtividade caiu, não tinha capacidade de competir. E vão fechar várias outras fábricas. O País está crescendo pouco, somos mais ineficientes e, dessa forma, produzimos menos e a população empobrece. Não somos eficientes para competir com o resto do mundo. Não temos economia de escala", resume o pesquisador associado Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), Claudio Considera.
CUSTO BRASIL
Para uma parte dos empresários e economistas, essa ineficiência tem nome: Custo Brasil, que inclui vários itens que alteram a competitividade, como por exemplo a alta tributação dos bens industriais, a falta de uma infraestrutura que possibilite um transporte mais barato, o alto custo da energia elétrica brasileira, a burocracia, a alta dos juros - quando se compara com outros países -, a insegurança jurídica, entre outras coisas. Há uma desindustrialização precoce, porque não houve aumento da renda do País. E o Custo Brasil incide mais na indústria do que nos serviços. Os bens industriais podem ser importados de outros países, já uma parte dos serviços, como por exemplo, escola, cabeleireiro, ninguém vai importar", revela o presidente Executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), José Velloso. Ele faz parte de um grupo chamado Coalizão Indústria formado por 14 entidades que vem desenvolvendo uma série de ações com a finalidade de paralisar esse processo de desindustrialização do País.
"Só vamos retomar o crescimento e o investimento, se tivermos uma agenda prioritária no combate às assimetrias com quem concorremos, que é o custo Brasil", conclui. E acrescenta: "Em média, a carga tributária sobre os bens industriais é 46,2%, na atividade extrativa mineral fica em 32,4%, nos serviços está em 22,1%, na construção civil chega a 15,2% e na agropecuária é somente 1,9%. Aí você entende porque o setor agropecuário é tão competitivo", comenta José Velloso.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO
A desindustrialização é ruim para uma nação como um todo, principalmente para o Brasil, que ainda é um País em desenvolvimento e tem uma população com a renda baixa. A indústria é uma grande empregadora, paga salários melhores e também contribui para a implantação de novas tecnologias, o que contribui para aumentar a produtividade do País como um todo. A indústria também agrega valor, transformando uma matéria-prima mais barata num produto mais sofisticado e caro.
Segundo Renato Fonseca, os setores mais impactados no atual processo de desindustrialização são os que têm as cadeias mais longa, como por exemplo, o setor automotivo, que precisa de fornecedores de vários segmentos, como os fabricantes de produtos siderúrgicos, plástico, vidro, tecido etc "Quando a indústria vai pagando impostos dentro da cadeia não volta para a empresa, quando exporta. A tributação é um dos fatores que fazem os produtos brasileiros serem mais caros", afirma Renato da Fonseca. E cita vários outros fatores que contribuem para o Custo Brasil, como a energia elétrica "que é uma das mais caras do mundo e era pra ser uma das mais baratas por que grande parte vem das hidrelétricas; o transporte que também tem o custo muito alto no País, a burocracia, a insegurança jurídica e até tributária - já que "esta legislação muda muito".E dispara: "O Brasil quase não participa das cadeias globais de produção do mundo, o que fez a China ficar grande".
Localmente, o setor mais atingido nesse processo de desindustrialização foi o metal-mecânico, segundo informações da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe). "A desindustrialização é uma realidade. A tributação do setor é alta, porque é mais fácil cobrar dele. Isso tira a competitividade e faz uma má distribuição no restante das cadeias, porque a indústria está na cabeça e quando ela perde competitividade isso é repassado aos demais setores. Por exemplo, na cana-de-açúcar, a indústria faz o trator, o adubo, os instrumentos de corte, os equipamentos usados no transporte, faz as máquinas da usina, o material que faz o ensacamento e toda a cadeia fica mais cara", comenta o presidente da Fiepe, Ricardo Essinger.
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