Quando pensa na rotina que tinha até março de 2020, Cassiano Martins, 28 anos, define o dia-a-dia como agitado, movimentado e com pouco tempo em casa. Para conciliar a vida de designer e de estudante de publicidade, acordava cedo, dormia pouco e passava algumas horas no trânsito entre Paulista e o bairro da Imbiribeira, na Zona Sul da capital pernambucana. Com o início da pandemia de covid-19, veio o home office e, com ele, uma sequência de transformações. O primeiro efeito da reviravolta na rotina foi a insônia. Estar longe dos colegas de trabalho e da faculdade foi outro problema.
“Ainda tinha que lidar com a instabilidade da internet em casa. Era muita frustração, comecei a ficar muito mais ansioso. Antes, passava a maior parte do dia fora de casa. De repente, estava o tempo todo lá. E não só isso, mas a falta de perspectiva de quando ia acabar. Era muito difícil focar no trabalho, no que eu precisava fazer”, diz ele, lembrando que o caminho para “voltar a pisar o chão” passou por sessões de terapia oferecidas pelo programa de saúde da empresa. "Hoje consigo levar a vida de uma forma melhor e até sorrir, mesmo diante da situação que enfrentamos", pontua o jovem.
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Assim como ocorreu com Cassiano, a pandemia de covid-19 alterou completamente a rotina da maioria das pessoas, bagunçou a economia global e trouxe muitas incertezas e medos. Todo esse estresse segue causando impacto na saúde mental de cada vez mais indivíduos. Muitas vezes, é possível lidar com a ansiedade, a falta de motivação, o receio constante de perder o emprego, de adoecer ou perder pessoas queridas para a doença. Em outras situações, o melhor a fazer é contar com a ajuda de um profissional da área.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que entre um terço e metade da população mundial exposta à pandemia pode vir a sofrer alguma manifestação psicopatológica caso não seja feita nenhuma intervenção de cuidado especifico para as reações e sintomas manifestados. Esta realidade já começa a se refletir no ambiente de trabalho das pessoas, impulsionando a necessidade de se cuidar da saúde mental também nesses espaços.
Já uma pesquisa inédita feita pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) mostrou que 52% dos trabalhadores brasileiros sofrem de ansiedade enquanto estão no local de trabalho. Outros 47% disseram se sentir cansados com frequência, enquanto o desânimo e a frustração foram apontados como principal sentimento por 22% e 21% dos profissionais entrevistados. A observação da falta de empatia dentro das empresas foi observada como importante para 89% dos colaboradores.
Os dados mostram que dos dez estados emocionais mais citados pelos funcionários entrevistados, cinco correspondem a sentimentos ligados a necessidades não atendidas, sendo que os dois mais identificados são ansiedade e cansaço, seguidos de apreensão, desânimo e frustração, explicado pela falta de empatia. Quando as necessidades são atendidas, os sentimentos que surgem são despreocupação, segurança, calma, realização e satisfação, ou seja, os menos mencionados na pesquisa.
Para a curadora da pesquisa, Pamela Seligmann, os resultados da pesquisa indicam que as empresas precisam trabalhar a percepção dos colaboradores de que está sendo uma ouvinte das necessidades dos seus funcionários. "Isso altera o sentimento de confiança, de participação, orgulho de participar, conhecimento, lugar para dar opiniões e ideias, envolvimento, motivação, tudo o que tem a ver com o clima da organização", disse.
A preocupação de Pamela com saúde mental no mundo corporativo é compartilhada por mais pessoas e chegou até a ser tratada no Fórum Econômico Mundial, que trocou Davos, na Suíça, por palestras virtuais e dedicou uma sessão para debater o assunto e divulgou a criação de uma agenda global para acelerar mudanças positivas no modo como a saúde mental dos trabalhadores é abordada nas empresas.
Plataforma
Apesar de não ser novo, esse tema segue cercado de estigma e preconceito e no fim da lista de prioridades de muitas companhias. Por causa disso, a plataforma Gilu, que reúne psicólogas formadas há, no máximo, três anos e pacientes, decidiu criar uma parceria com empresas.
“A Gilu foi criada em maio de 2020, em meio à pandemia, e já atendeu a mais de 70 pacientes com o trabalho de 40 psicólogas. Essa é uma demanda que não para de crescer e que alcança o mundo do trabalho também, por isso, criamos um produto dirigido a empresas, além de nos ajudar a captar recursos”, diz Milena Almeida, sócia-fundadora da Gilu, que nasceu inicialmente com a ideia de oferecer atendimento psicológico a mulheres de baixa renda e chefes de família que precisam do serviço, mas não podem acessá-lo.
Uma das primeiras pacientes a usar a Gilu foi Graça (nome fictício), de 47 anos, que, diante da pandemia do novo coronavírus e do crescente número de mortes e casos, percebeu que precisava de ajuda profissional. “Confesso que não acreditava que conseguiria resolver meu problema conversando com uma psicóloga de forma online, mas com o passar de poucos dias, percebi que a terapia era muito importante no momento pelo qual atravessava, pois minha saúde mental, a cada dia melhorava”, conta ela.
Para que a Gilu alcance mais pessoas, a plataforma oferece para as empresas benefícios, como um pacote mínimo de 40 atendimentos, possibilitando que ao menos dez colaboradores tenham pelo menos uma consulta semanal cada. O custo por atendimento é de R$ 90. “Como as consultas são online, os pacientes têm mais flexibilidade nos horários e local de atendimento que podem ser atendidos, pode ser no horário e local de trabalho ou fora do expediente, vai depender de cada empresa”, argumenta Luísa Rique, psicóloga e também sócia-fundadora da plataforma, que garante toda comunicação interna das empresas sobre o serviço. A flexibilidade também possibilita que empresas de fora de Pernambuco contratem o serviço, que já conta com profissionais de outros estados.
Familiares incluídos
Com a pandemia, a pressão sobre a força de trabalho aumentou. Entre os que foram colocados em home office, os limites entre a vida pessoal e profissional desapareceram e isso acabou impactando não só os funcionários, mas também seus familiares.
“Assim, um ciclo acaba se formando, porque questões de ordem psicológica com alguém da família podem se refletir no trabalho que o colaborador desenvolve, visto que a vida dele também é impactada. Por isso, a ideia da Gilu é que as empresas também ampliem esses atendimentos para os familiares do funcionário”, afirma Milena Almeida, explicando que as companhias interessadas no serviço podem entrar em contato com a equipe da plataforma pelo Instagram (@gilumulher) ou pelo site www.gilu.com.br.
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