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Os caminhos de quem ficou desempregado na pandemia, mas encontrou no empreendedorismo uma mudança de vida

Em 2020 o número de empresas abertas em Pernambuco cresceu 2,8% e o de empresas fechadas caiu 17,34%. É o impulso do chamado "empreendedorismo por necessidade"

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Edilson Vieira

Publicado em 18/04/2021 às 8:00 | Atualizado em 18/04/2021 às 12:36
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(Com informações da Agência Brasil)

A jornalista Lilith Perboire Nunes de repente se viu sem emprego em plena pandemia. O marido, publicitário, também ficou desempregado. Com uma filha de dois anos para criar, a saída foi empreender. Mas fazer o quê, se ela só sabia trabalhar com comunicação? A resposta estava na própria pandemia. “Com todo mundo evitando sair pra rua, pensamos em levar praticidade e afetividade para dentro das casas, foi assim que nasceu a Lizzi Amor à Mesa”, explicou a empresária que trabalha com tábuas de frios e doces e cafés da manhã entregues em domicílio.

Lilith disse que pegou o último salário que recebeu, R$ 3 mil, e investiu no negócio. Como as atividades iniciaram próximo ao Natal, a procura foi boa. Este ano, a Lizzi foi registrada como microempresa individual. Era algo com fôlego para ir além do Natal. “Como estava dando certo, começamos a pensar em novos produtos. Chá de bebê, aniversários só para as famílias, chá da tarde, datas comemorativas. Botei a cara e fui. Na Páscoa, a procura foi tanta que uma semana depois eu ainda recebia pedidos de kits”, diz Lilith, que não quer mais saber de emprego. “Eu me encontrei. Não é fácil. Não tenho hora para largar, não paro de pensar como posso inovar, como posso fazer melhor, mas ser dona do próprio negócio também te dá uma liberdade. Agora eu só penso em crescer, ter um espaço próprio, virar franqueadora”, se entusiasma.

ESTUDO

Em outubro do ano passado, o Fórum Econômico Mundial encomendou uma pesquisa para avaliar a percepção que as pessoas tinham sobre a crise econômica provocada pela pandemia. Entre os brasileiros pesquisados, 63% demonstraram preocupação em ficar sem trabalho nos 12 meses seguintes, um percentual acima da média de 54% registrada entre os 27 países participantes da pesquisa.
O medo do brasileiro de ficar sem emprego parece ser proporcional ao seu espírito empreendedor. Em 2020, enquanto a pandemia de covid-19 assolava o mundo e derretia economias, no Brasil, foram abertas 3,3 milhões de novas empresas, segundo levantamento da Serasa Experian. O número representa um crescimento de 8,7% em comparação com 2019 e foi o maior registrado desde 2011.

A maior parte das novas empresas (79% delas) são microempreendedores individuais, totalizando a abertura de 2,7 milhões de MEIs. “O alto número de MEIs é um dos fatores que comprova o empreendedorismo por necessidade, já que durante quase um ano de pandemia muitas pessoas que perderam seus empregos optaram por abrir um CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica] e trabalhar com aquilo que já sabiam fazer ou em segmentos com baixo custo de aprendizagem”, explica o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi.

LOCAL

Em Pernambuco o cenário não é diferente. No ano de 2020, o total de empresas abertas no estado foi de 96.960, contra 96.522 em 2019, representando um crescimento de 0,45 %, segundo dados da Junta Comercial de Pernambuco. “A classe empresarial pernambucana, mesmo em um período de instabilidade, aos poucos vai construindo um momento de recuperação. Por isso, apesar de pequeno, o crescimento deve ser comemorado”, ressaltou Taciana Bravo, presidente da Jucepe.

O crescimento local foi maior também entre os microempreendedores individuais. O número de registros de MEIs passou de 76.316 em 2019, para 78.505 em 2020, uma alta de 2,8 %, segundo a Jucepe. Já o fechamento de empresas, teve uma queda significativa, passando de 37.090 em 2019, para 30.659 em 2020; redução de -17,34% no número de baixas. No geral, Pernambuco terminou 2020 com um total 631.641 empresas em atividade. Os municípios que mais abriram empresas foram Recife (29.612), Jaboatão dos Guararapes (10.457), Olinda (6.368), Paulista (5.508), Petrolina (5.263) e Caruaru (5.240). As atividades empresariais mais registradas em Pernambuco são dos setores de vestuário, mercearias, cosméticos, alimentação, perfumaria e higiene pessoal.

A incerteza de seguir por conta própria também assustou a designer de sobrancelhas Chrislyne Johnnyeyre Sousa. Ela nunca havia empreendido antes. Depois de sete anos como funcionária de uma clínica de estética, Chrislyne perdeu o emprego em 2020. “Com quase dez anos de experiência eu não esperava nunca ser demitida. No início fiquei meio perdida, mas vi que a única saída era continuar trabalhando com o que eu sei fazer”, conta Chrislyne, que ficou desempregada em abril do ano passado e, no mês seguinte, já tentava se estabelecer.

“Comecei atendendo em domicílio ou na minha casa, mas vi que não ia dar certo porque precisava ter todos os cuidados com a pandemia e ainda manter a qualidade. Como havia me inscrito no auxílio emergencial, peguei o primeiro pagamento [de R$ 600] e aluguei um espaço próximo à minha casa”. Ela conta que fora o auxílio emergencial, não tinha nenhum outro dinheiro para investir. Começou a divulgar nas redes sociais, conversar com os vizinhos, até a clientela começar a aparecer. “Foi um início difícil, mas eu não consegui sozinha. Chamei duas amigas que trabalham com manicure e massoterapia, o que ajudou a agregar mais clientes”, contou ela.

Ter um espaço próprio fez toda a diferença. Hoje a Chris Sousa Beauty, no Bairro do Ibura, Zona Sul do Recife, é uma empresa registrada como MEI e passou, em menos de um ano, de 19 para cerca de 120 clientes cadastrados na agenda. Chrislyne calcula que hoje ganha cerca de quatro vezes mais do que ganhava como funcionária. “A torcida maior é que a pandemia passe o mais rápido possível, até porque a cada lockdown a gente sofre muito. Mas eu vejo muito espaço para crescer, sim”, afirmou a empresária.

EMPENHO

A adaptação dos empreendedores à nova realidade parece ser o requisito para o empreendimento dar certo. João Luiz Bezerra passou 18 anos em uma mesma empresa, uma rede de concessionária de automóveis, onde começou como estagiário até chegar a supervisor de oficina. “No ano passado o faturamento caiu muito e a empresa começou a fazer cortes de pessoal”, conta João.

Ele se associou a outro colega, que também perdeu o emprego, e a um amigo da área de logística. A ideia era usar a expertise do grupo para abrir um serviço especializado. A Toyoline, no Bairro da Imbiribeira, segue os padrões das grandes oficinas, garante o empreendedor. “Registramos a marca e a empresa. Não temos funcionários, os três sócios botam a mão na massa. No início é importante para reduzir custos, até fazermos o nome junto a clientela”, observou João que vê no empenho dele e dos sócios a principal força para vencer as dificuldades. “Fui demitido em abril e em agosto já estava com a oficina montada. Não deu tempo para chorar, não”, disse João Luiz.

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