Construção Civil é uma boa área para o empreendedorismo social
A procura por reformas na moradia e pela capacitação profissional entre o público das classes C e D estimulam jovens profissionais a investirem em negócios com impacto social
O desejo de ter o próprio negócio e, ao mesmo tempo, fazer um trabalho social tem levado profissionais ao desafio do empreendedorismo social que na prática, significa um modelo de negócio onde o lucro final não é o objetivo principal. Neste cenário, a construção civil, e mais especificamente, as reformas residenciais têm se mostrado um filão interessante. Segundo a Vivenda, uma das maiores startups do segmento no País, o Brasil tem cerca de 30 milhões de moradias de baixa renda que necessitam de reformas, sendo que 82% dessa população declara interesse em realizar melhorias em seus imóveis. Isso representa um mercado potencial de R$ 158 bilhões reais. Dificuldade de acesso a crédito e mão de obra qualificada são os principais obstáculos encontrados pelos moradores de comunidades para executar essas reformas.
Com a ideia de resolver essas questões a arquiteta Samille Germana fundou em 2016 a Abra, que tem em seu slogan “arquitetura com propósito”. “A ideia, desde o início, era oferecer ao público de baixa renda acesso a profissionais qualificados da área da construção civil. Hoje somos uma empresa social que busca a melhoria habitacional através de reformas feitas de forma segura, sem desperdício com acompanhamento técnico e garantia”, diz ela. Outra preocupação de Samille, que toca a empresa junto com a sócia e também arquiteta Eline Letícia, é que as reformas sejam viáveis para o cliente.
“A parte mais difícil é convencer o morador da comunidade de que arquiteto não é só para quem é rico. A arquitetura é uma necessidade para todo mundo porque ajuda a melhorar as condições de vida das pessoas então todos devem ter acesso a esse serviço”. Na prática, a parceria com uma financiadora, também com natureza social, ajudou a viabilizar o negócio tanto para as empresárias como para os clientes. O resultado é que a reforma pode ser financiada em até 30 vezes no boleto, com juros de até 2,2% ao ano.
VALORES
“O pacote que a gente vende oferece o projeto, mão de obra, material e gerenciamento da obra. O tíquete médio por ambiente fica entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, e o valor da parcela parte de R$ 90 podendo chegar a R$ 300 ou R$ 400 dependo do orçamento”, explicou Eline Letícia. A empresa trabalha apenas com reforma de ambientes porque o limite de crédito para o financiamento é de R$ 11 mil. A Abra já atuou em 43 comunidades do Recife com 308 projetos e mais de 1.500 pessoas impactadas. Em 2020, apesar de ser um ano complicado, o mercado conseguiu se estruturar. “Como negócio o empreendedorismo social é viável. No nosso caso, como são reformas rápidas, a gente ganha no volume. O desafio é comunicar as pessoas que este serviço existe e convencê-las de que elas podem pagar por ele”, diz Eline Letícia.
A também arquiteta e urbanista Camila Viegas atua na mediação de mão de obra e capacitação de trabalhadores em construção civil, além de executar reformas habitacionais. Tudo através da startup social Viverde Casa. A empresa surgiu oficialmente em 2019, mas Camila já fazia trabalho semelhante de forma voluntária há mais de dez 10 anos. “Resolvi transformar o voluntariado em um modelo de negócio que pudesse ser replicado em escala”, explicou Camila. Como empreendedora social o foco de Camila era a capacitação também de mulheres. Os cursos envolvem temas básicos como pintura e empreendedorismo até aperfeiçoamento de profissionais em tecnologias de construção civil.
A startup atua no sistema B2C (contato direto com o público final) ou B2B2C, quando outra empresa financia o usuário. Os cursos custam entre R$ 80 e R$ 900, dependo do tema e da carga horária. No ano passado, a startup ofereceu, em parceria com o Porto Digital, um curso de manutenção predial para mulheres da comunidade do Pilar, no Bairro do Recife.
“São cursos para quem tem ou não condições de pagar. O mesmo em relação às reformas, o cliente paga diretamente o serviço de melhoria ou temos parceiros que bancam a reforma para um grupo”. Camila fechou recentemente uma pareceria com a Habitat Brasil, ONG global com sede nacional no Recife, onde a ONG faz a contratação e Viverde Casa executa as reformas.
PLANEJAMENTO
No ano passado a startup capacitou cerca de 200 pessoas. Camila considera o empreendedorismo social extremamente viável, mesmo quando comparado a um negócio puramente comercial. “Fazendo um paralelo, o negócio social tem uma capilaridade maior, porque as pessoas se identificam com o propósito do seu negócio. Não é o dinheiro pelo dinheiro. É uma relação de ganha-ganha. Ao mesmo tempo em que estamos desenvolvendo um trabalho social nós estamos sendo remunerados. Nem sempre é um ganho exorbitante que o mercado está acostumado a ter com uma só pessoa mas como desenvolvemos um modelo em escala a gente consegue gerar uma boa rentabilidade”. Segundo Camila Viegas a Viverde Casa cresceu cerca de 200% desde o início de sua operação, e a estimativa é que, este ano, a empresa consiga mais 300% somente este ano com os aportes financeiros via aceleradoras de negócios.
O consultor do Sebrae, Vítor Abreu, explica que uma empresa de cunho social não é apenas um negócio voltado para as classes C, D e E, ele tem a missão de colaborar para resolver problemas e causar um impacto na vida das pessoas. Mas, como qualquer negócio, precisa ser viável e deixar retorno financeiro. É diferente de uma ONG, que não visa lucro. “O empreendedor social precisa fazer contas logo após a concepção da ideia. É preciso planejar para projetar como a empresa vai se sustentar. Na composição de custo dos serviços a dica é procurar parceiros, se possível com o mesmo propósito, para viabilizar o acesso dos clientes. E sempre focar no ganho em escala. O ideal é que a ambição econômica venha atrelada da ambição social, para que os objetivos sejam alcançados e a empresa se torne sustentável”, diz o analista.