Comércio depende do governo para se recuperar dos efeitos da pandemia
Comerciantes recorrem a persistência, criatividade e também a empréstimos para manterem seus negócios funcionando enquanto esperam dias melhores
A comerciante Glaucia Gonçalves de Sá é uma sobrevivente, como empreendedora. Ela e seu pequeno negócio passaram por várias crises, mas nada parecido com a pandemia que se iniciou no ano passado e ainda segue promovendo estragos no comércio. Ela precisou se reinventar e contar com ajuda oficial para se manter. O que vem conseguindo, graças a criatividade e persistência.
Glaucia faz tudo sozinha no Café Office Phone, que mantém há 12 anos, pertinho da Pracinha de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. O nome do estabelecimento revela a origem do negócio. Começou como um café e um ponto com cabines telefônicas muito utilizadas por turistas para ligações à distância. Hoje, em tempos de Whatsapp, já não há os telefones públicos, mas a fama do bom café continuou. “Depois que as cabines telefônicas não davam mais lucro eu tive que ir inventando”, contou Glaucia. O espaço então virou um misto de cafeteria, lanchonete, lojinha de presentes, cosméticos e ponto de recarga de celular. A maranhense de 53 anos soube adaptar o negócio ao momento. Até que veio a pandemia e o Café Office Phone teve de fechar. “Naquele primeiro lockdown, no ano passado, eu chorava todos os dias. É daqui que eu me mantenho, pago minhas contas”, relembra Glaucia que, mais uma vez, conseguiu ver na crise, uma oportunidade.
Ela começou a vender máscaras feitas por uma amiga, sem saber se ia dar certo. “Eu não esperava que a pandemia fosse durar tanto tempo mas arrisquei”. Foi a salvação. Glaucia chegava a vender 100 máscaras por dia, nos melhores dias. “Eu nunca tinha trabalhado com delivery na minha vida. Mas na pandemia fui obrigada a aprender”. A comerciante cadastrou motoqueiros e se lançou. “Foi bem puxado, mas o que ajudou a pagar as contas e a manter meu comércio vivo foi essa mudança repentina de deixar de vender lanche, cosméticos e presentes e vender máscaras com entrega em domicílio”, contou ela.
Com o faturamento ainda baixo, a comerciante buscou, pela primeira, vez um microcrédito. Em dezembro do ano passado, entrou junto com duas amigas cabeleireiras em grupo solidário da Agência de Empreendedorismo de Pernambuco (AGE). Cada uma recebeu R$ 2 mil, com quatro meses de carência para começar a pagar e juros de 0,99% ao mês. “Foi bom, socorreu no momento, mas eu precisava de mais”. Quando terminar de pagar, Glaucia vai tentar um novo contrato, desta vez com avalista, para buscar um valor maior.
ESPERANÇA
Quem também precisou a recorrer a um empréstimo pela primeira vez para não baixar as portas definitivamente foi o comerciante Jefferson Lima. Ele e a esposa, Carina, são os atuais sócios do Teike Bar e Restaurante, no bairro Dona Dom, em Santa Cruz do Capibaribe, a 184 quilômetros do Recife. Jefferson captou R$ 30 mil junto à linha de crédito Giro AGE Emergencial, criada pelo governo do Estado para socorrer o segmento de bares e restaurantes.
“A gente vinha muito bem até fevereiro do ano passado. Mas em março parou tudo, passamos 130 dias fechados. Foi Deus quem segurou o restaurante aberto”, se emocionou Jefferson. A casa, com capacidade para 250pessoas, chegou a atender através de delivery, mesmo assim, o faturamento caiu 95%, revelou. “Muito do nosso movimento no Teike vinha dos shows ao vivo, que não estamos podendo fazer”, explica Jefferson.
O comerciante acabou comprando a parte do sócio dele no restaurante, ficando apenas ele e a esposa para manter o local, que hoje emprega 20 funcionários. “A gente sempre teve a ideia de não demitir ninguém, mesmo assim reduzimos o quadro em apenas seis pessoas. O restante a gente vai mantendo como pode, fazendo revezamento entre eles”, diz o empresário que também é contador de profissão. Jefferson disse que o dinheiro do empréstimo está servindo para pagar fornecedores e funcionários, “enquanto tem muito empresários que está optando em pagar ou um ou outro”, comentou. O restaurante voltou a funcionar faz 15 dias com restrições de horários. “Ter de fechar às 17 horas, como manda o decreto do governo, é muito ruim, porque o nosso movimento é maior à noite”. Mesmo assim, ele não se arrepende de ter contraído o financiamento.
“O interessante é só tirar um empréstimo quando se está precisando, quando a empresa não está mais gerando o suficiente para se manter em dia. E o governo é importante nesse cenário de ajuda às empresas porque cada empresa que quebra é mais desemprego. Só aqui no restaurante são 20 famílias que dependem do negócio. Empréstimo não é para gastar com despesa pessoal, é para manter a saúde financeira do seu negócio, até porque um dia tudo isso vai passar”, diz confiante.
PROGRAMAS
O Congresso Nacional ainda está estudando a reedição este ano do Pronampe, instrumento de crédito criado pelo governo federal, para financiar linhas de crédito para micro e pequenos empresários. O mercado também espera as novas regras do Bem, benefício emergencial de manutenção do emprego e renda que, ano passado, aliviou a folha de pagamento das empresas com parte do salário dos funcionários sendo pago pelo governo federal.
O governo do Estado, por sua vez, lançou uma nova linha de crédito em março deste ano voltada para micro e pequenas empresas, com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, cujas atividades tenham sido afetadas pela pandemia. Desenvolvida para quem é microempreendedor individual, microempresa ou possui uma empresa de pequeno porte (EPP),o recurso administrado pela Agência de Empreendedorismo de Pernambuco (AGE) oferece capital de giro no valor de até R$ 50 mil, com até 30 meses para pagar, sendo até seis meses de carência do principal.
Outra possibilidade da AGE para quem é MEI é o Microcrédito. Nesta linha, não é solicitada garantia real e o valor do financiamento vai de R$ 10 mil, para primeiros contratos, até R$ 21 mil. Já para quem é empreendedor formal ou informal, a opção é o Crédito Popular, que disponibiliza até R$ 4 mil, com juros de 0,99% ao mês, com carência de até quatro meses e até 12 meses para pagar. Segundo a AGE, no período de um ano da pandemia, de março de 2020 até março de 2021, o programa concedeu crédito a 9.196 clientes, e injetou R$ 22,7 milhões na economia de Pernambuco. Também foram refinanciados contratos de 1.245 clientes, no valor de R$ 2,9 milhões.
O gestor da Agência de Empreendedorismo de Pernambuco (AGE), Márcio Stefanni, diz que cada operação de crédito popular mantém uma ocupação geradora de rende e ainda cria outra. “De março do ano passado até março deste ano foram mais de 9 mil empréstimos então são R$ 18 mil pessoas que conseguiram manter sua fonte de renda”. Para Márcio Stefanni a principal preocupação é manter o negócio vivo para poder atravessar esse período difícil. “A grande maioria destes empréstimos, seja para micro ou pequeno empresário, é para manutenção da atividade. A gente espera que com o controle maior da pandemia o empréstimo seja utilizado para a ampliação da atividade”, afirmou Stefanni.
CONFIANÇA
Rafael Ramos, economista da federação do comércio em Pernambuco (Fecomércio-PE), traça um cenário desafiador no futuro próximo. Ele lembra que quando a pandemia começou, em março de 2020, houve uma movimentação dos governos federal, estaduais e municipais que criaram vários programas de auxílio às empresas e empreendedores. Mas a expectativa, na época, era que a pandemia não ultrapassasse o ano de 2020. “O prazo de pagamento dos empréstimos eram pequenos, de 6, 8, 12 meses. A expectativa é que em 2021 as empresas já estivessem conseguindo pagar. Mas não foi assim que aconteceu”. Rafael Ramos observou que a segunda onda de contaminação da covid-19 mais uma vez impactou negativamente no faturamento do comércio.
“Nesse momento, a ampliação da vacinação sozinha não vai recuperar o segmento. Cabe ao setor público garantir a sobrevivência das empresas. Até porque são os setores produtivos, de comércio e de serviços que são a fonte de arrecadação do setor público”. Rafael lembra que, no momento em que as empresas enfrentam dificuldades a arrecadação de impostos é afetada. “Até agora, quem mais pagou pela crise foram o setor produtivo e as famílias. Mais à frente o setor produtivo pode estar pior ainda, e aí será difícil pagar os empréstimos, os impostos e ainda gerar empregos. E o consumo só voltará aos patamares de antes quando as pessoas tiverem confiança em consumir. E a confiança vem com o emprego. A vacina vai salvar as pessoas físicas. Mas as pessoas jurídicas precisam mais do que isso”, alertou o economista.