Alvo de operação da PF, Grupo João Santos acumula lista de ações na Justiça; confira
Na operação desta quarta, o grupo é suspeito de crimes tributários, financeiros, de fraude à execução e contra a organização do trabalho, de organização criminosa e de lavagem de dinheiro
Alvo da operação Background, deflagrada pela Polícia Federal (PF) na manhã desta quarta-feira (5), o Grupo João Santos acumula lista de processos na Justiça. Entre as principais ações estão questões trabalhistas e suspeita de suposta formação de cartel. Na operação desta quarta, o conglomerado é suspeito de crimes tributários, financeiros, de fraude à execução e contra a organização do trabalho, de organização criminosa e de lavagem de dinheiro.
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Os investigadores estimam que o esquema tenha causado um prejuízo aos cofres públicos e aos trabalhadores de mais de R$ 8,64 bilhões. Segundo a PF, os investigados se organizaram em um sofisticado esquema contábil-financeiro para desviar o patrimônio das empresas do grupo, transferindo-o para os seus sócios e laranjas, com a finalidade de fazer desaparecer completamente tributos e direitos trabalhistas de centenas de empregados.
Conforme a Receita Federal, mais de 20 empresas do grupo eram utilizadas num esquema chamado de "factoring", para desviar receitas que poderiam ser usadas para quitar dívidas trabalhistas e tributárias.
De acordo com a Procuradoria da Fazenda, as empresas do Grupo João Santos têm dívidas tributárias, de R$ 8,6 bilhões, e trabalhistas, de R$ 55 milhões. Elas são suspeitas de sonegar impostos e direitos trabalhistas de centenas de empregados. Os trabalhadores, de acordo com as investigações, ficavam sem receber salários, por exemplo.
O JC entrou em contato com o Grupo João Santos, mas até a última atualização desta reportagem não havia recebido retorno.
Histórico judicial
Não é a primeira vez, porém, que o grupo se vê envolvido em problemas com a Justiça. Em 2004, a pedido do Ministério Público, a Polícia Federal abriu um inquérito para apurar a suposta prática de crime contra a ordem tributária por parte de dez fornecedoras de cimento do país praticaram, entre ela a Cimentos Nassau, braço de construção civil do grupo João Santos.
Já em 2007, a Secretaria de Direito Econômico (SDE), ligada ao Ministério da Justiça, abriu uma investigação contra a Cimentos Nassau. À época, a titular da SDE, Mariana Tavares de Araújo, disse que havia “evidências diretas” de existência de um cartel que teria afetado o setor de construção civil.
Além do Grupo João Santos, eram alvo da investigação da SDE as empresas Votorantim, Camargo Corrêa, Lafarge, Companhia de Cimentos do Brasil, Holcim, Soeicom e Itambé, que representavam 90% do faturamento do setor na época. A SDE apontava que a manipulação de preços feita pelo cartel causou prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos consumidores anualmente.
A constatação da prática foi feita com base na apreensão de computadores, arquivos e anotações, autorizada pela Justiça Federal em 2007. A SDE iniciou a investigação graças à denúncia de um ex-empregado da Votorantim. Segundo o denunciante, cujo nome não foi revelado, havia cartel no setor desde a década de 1960. Os documentos apreendidos trazem prova de intercâmbio de informação desde 1986.
Quatro anos depois, em 2011, a SDE recomendou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a condenação das empresas. O órgão justificou a demora da elaboração da recomendação ao Cade em função dos recursos das empresas na Justiça para que não fosse efetuada a apuração do material apreendido.
Além do processo administrativo aberto no Cade contra as companhias, um inquérito criminal foi instaurado no Ministério Público de São Paulo.
Em maio de 2014, o Cade aprovou a aplicação de multas contra as empresas envolvidas, incluindo a Cimentos Nassau. Juntas, a sanções somavam R$ 3,1 bilhões, o maior valor dentro de um processo de cartel no país até então. Além disso, o Conselho determinou que algumas das empresas vendam parte de seus ativos (fábricas e máquinas) para permitir a entrada de novos concorrentes no mercado.
O que é um cartel?
Cartel é um acordo entre empresas concorrentes para, por exemplo, fixar preços ou dividir o mercado em que atuam. Essa ação leva à restrição da concorrência e ao aumento de preços de produtos.
Segundo o Cade, neste caso o conluio envolvia a fixação e controle de preços do cimento e do concreto vendido no Brasil; a divisão regional do mercado e de clientes entre as empresas participantes; além de medidas para impedir a entrada de novos concorrentes e prejudicar aqueles que não estavam alinhados ao esquema.
Apesar das acusações, a empresa não pagou o valor, porque, em julho de 2015, conseguiu suspender na Justiça Federal a multa de R$ 411 milhões que o Cade aplicou contra ela. Como o juiz da 2ª Vara Federal, Charles Renaud Frazão de Moraes, não estendeu em sua decisão as suspensões para as outras condenações ao analisar embargos de declaração da Cimentos Nassau, a defesa decidiu recorrer ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que suspendeu o efeito de todas as condenações que a empresa sofreu pelo Cade.
Processos trabalhistas
Em outubro de 2016, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco ajuizou uma ação cautelar contra várias empresas do Grupo João Santos, para garantir o pagamento dos direitos trabalhistas, como salários e benefícios, incluindo plano de demissões voluntárias, de mais de quatro mil funcionários.
A causa gerou decisão preliminar favorável aos funcionários, em junho de 2017, quando alguns bens foram bloqueados e leiloados, o que foi suficiente apenas para o pagamento de parte das dívidas. Na ocasião, os trabalhadores decidiram, junto ao MPT, que a quitação inicial priorizasse aqueles que haviam sido lesados no plano de demissão voluntária.
À época, uma rede empresarial de Pernambuco arrematou, por R$ 21,1 milhões, um terreno de 13.923 m², no bairro da Imbiribeira, Zona Sul do Recife, fruto de alienação judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-PE). Outros dois imóveis foram à leilão. Um não obteve licitantes e o outro teve a alienação sustada em razão de divergências sobre a área de abrangência da propriedade.
Em setembro de 2018, o MPT obteve da Justiça do Trabalho a condenação do grupo empresarial João Santos ao pagamento de R$ 60,5 milhões por dívidas trabalhistas. No mesmo mês, um dossiê de 91 páginas elaborado por familiares que não estão no comando do grupo foi enviado para Polícia Federal, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho em Pernambuco. O material também sugere que a diretoria do grupo tenha cometido crimes como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, fraudes à execuções trabalhistas e formação de quadrilha. Não foram incluídas provas no dossiê.
Três meses depois, em dezembro, foi a vez do TRT-ES leiloar bens da companhia, que tem braços de atuação em terras capixabas. Entre os bens leiloados estavam um sítio avaliado em R$ 9 milhões, e uma casa, cujo valor de compra iniciava em R$ 2 milhões.
Em fevereiro de 2020, a Justiça do Trabalho leiloou a fábrica do Cimento Nassau no município de Nossa Senhora do Socorro (SE). A indústria tinha cerca de 500 empregados diretos e acumulou uma dívida trabalhista de mais de R$ 90 milhões. O valor inicial do leilão é de R$ 528 milhões. Desde outubro de 2015 a unidade industrial estava com as atividades suspensas.
O Grupo João Santos
Fundado pelo empresário João Santos, que morreu em 2009 aos 101 anos, o Grupo Industrial João Santos é composto por 49 empresas, algumas delas já inativas. Principal empreendimento do conglomerado, a Cimentos Nassau, teve 11 fábricas. A maioria delas está com as atividades paralisadas.
O patrimônio do conglomerado começou a cair devido a dívidas bancárias, que motivaram a venda de uma fábrica em São Paulo, na década de 1990. Após a morte do empresário, o grupo se viu no meio de uma disputa familiar, que intensificou os problemas.
Com informações da Agência Brasil, da Folha de S.Paulo e do Estadão.