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Cancelamento e muita demora. Entenda o que tem acontecido na Uber e demais aplicativos de transporte no Recife

Do momento da solicitação da viagem até o desembarque, toda uma cadeia vem pressionando o resultado do serviço

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Lucas Moraes

Publicado em 14/07/2021 às 13:49 | Atualizado em 16/07/2021 às 10:25
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Comodidade, preços até 40% mais baratos que as tarifas cobradas pelos taxistas e agilidade para se locomover pela cidade a partir de solicitações feitas pelo celular. Esses eram alguns dos principais atrativos dos aplicativos de transporte quando anunciaram a sua chegada. Passados alguns anos de operação, em meio à crise sanitária e, consequentemente, econômica causada pela covid-19, os resultados não são mais os mesmos. Os custos aos motoristas não têm sido supridos pela demanda de passageiros no Recife, onde houve a maior redução de demanda, segundo o IBGE. O resultado é um serviço ruim, que tem incomodado ambos os lados, gerando frustrações constantes nas viagens.

Eram 18h, num dia de semana, quando a produtora Judite Campos, 40 anos, por mais uma vez lançou mão de pedir um carro na Uber. A corrida girava em torno dos R$ 30, indo do Centro do Recife ao Espinheiro e, em seguida, ao bairro da Guabiraba, ambos na Zona Norte da cidade.

“Para minha surpresa, o motorista não quis levar. Ele até aceitou a corrida, mas quando viu que a parada não era o destino final, deixou-me na metade do caminho”, reclama. Há alguns ano, ela vendeu o carro particular, apostou na praticidade e na redução dos custos, que hoje passou a repensar.

“Até o ano passado, eu estava muito satisfeita com o serviço. Ainda uso diariamente para ir ao trabalho. Sou cliente VIP na plataforma, mas não tem nenhuma vantagem . Eu gastava cerca de R$ 320 ao mês. No último, a conta foi de R$ 600. As corridas, para mim, ficaram mais caras, porque quando o preço é barato ninguém vem buscar. Há muita demora e seleção de cada corrida”, queixa-se.

Foto: Arquivo JC Imagem
O texto aprovado favorece os motoristas de aplicativos, como Uber e 99 - Foto: Arquivo JC Imagem

A reclamação não é isolada, nas redes sociais e nas rodas de conversa passaram a ser frequentes os relatos de insatisfação em toda a Região Metropolitana do Recife. Se a situação está ruim para os passageiros, é sinal que algo também incomoda o outro lado: motoristas. Os números não deixam mentir e denotam uma conta que dificilmente fecha no azul para os motoristas.

“No ano passado, eu só ganhava uns 10% a 20% do que ganhava antes da pandemia. Este ano, comparando com o pré-pandemia, a redução ainda está em 30%. Eu escolho corridas. Isso é um fato. Já que você perde combustível, você precisa pegar uma viagem e conseguir outra voltando para onde for. Há uma migração entre os aplicativos, com uma diferença da tarifa cobrada aos motoristas, mas praticamente estão todas no patamar de mesmo valor das taxas cobradas”, diz um motorista parceiro de uma das empresas, que prefere não se identificar.

A impressão na redução é confirmada com veemência pelos números do IPCA, inflação medida pelo IBGE. No acumulado deste ano, o Grande Recife teve uma redução de -48,9% no serviço, mais especificamente no valor pago pelos passageiros. Os aplicativos estipulam preços cobrados ao consumidor conforme a demanda. Menos passageiros, corridas mais baratas, porém com a incidência das mesmas taxas. Não atraente aos motoristas.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A partir das 00h desta quarta-feira (8) os aplicativos serão desligados. Os motoristas reivindicam, entre outros pontos, melhores condições de atividades nas plataformas - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A redução, segundo o IBGE é auferida com base nas principais rotas feitas na localidade pesquisada. No caso do transporte por aplicativos, são alternadas saídas sempre do centro do Recife para bairros centrais mais movimentados, shoppings e pontos turísticos, num total de 15 roteiros pesquisados semanalmente para composição do índice.

“Na última semana, eles (empresa) disseram que cobraram de mim 4,86% (taxa média composta por parcela variável e fixa nas corridas), mas eu não sei acredito muito nisso não. Tenho a impressão de que por corrida há cobranças bem maiores do que as apresentadas a cada período. Só de combustível, o gasto aumentou 20%. Se não for metódico, acaba no prejuízo”, reforça o motorista.

Os combustíveis aumentaram 26% no Grande Recife este ano, conforme os dados do IPCA. Só a gasolina, 25,4%. Além desse gasto a mais, muitos motoristas ainda lidam com a alta do preço da locação dos veículos. O mercado dos aplicativos absorveu uma mão de obra já atingida pelo desemprego que assola o País, a sua maioria sem veículo próprio e que começou a dirigir em busca de renda.

Na locação de veículos, os motoristas de aplicativo representam 20% da demanda no Estado. De 15.576 veículos locados ano passado, aproximadamente 3 mil carros de locadoras tinham como fim essa atividade.

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Mas atenção: o passageiro não precisa e nem deve fazer pagamentos diretos para chaves Pix pessoais de motoristas. É tudo pelo app - JC IMAGEM

“O setor das locadoras sofre com a falta de insumo de produção de veículos. Fora isso, o custo dos veículos para as laboradas em 2020 teve reajuste de 30%. Algumas seguraram, mas foi impossível não repassar aos motoristas algo em torno dos 10%. Isso acaba refletindo na rentabilidade dele. Por isso, os motoristas chegam a comentar que com o custo do combustível não estaria dando para ser motorista de aplicativo”, afirma o presidente da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla), Paulo Miguel Junior.

Segundo ele, em média, a locação de um carro popular tem variado entre R$ 1,5 mil e R$ 1,6 mil. O impacto trazido pelos motoristas de apps não tem sido maior porque há o déficit de oferta, o que mantém, por ora, algum equilíbrio nas locadoras. “Se houver reajuste mais significativo do combustível e de outro fator que é o valor cobrado pelos aplicativos aos motoristas, com a baixa demanda nesse mercado, pode ser um baque maior. Chegamos em um momento crucial”, comenta.

O que dizem as principais empresas

Questionadas sobre a regulação das tarifas e sobre possíveis perdas no número de motoristas, Uber, 99 e Indriver, principais players no setor no Recife não responderam diretamente as perguntas.

Em nota, a Uber diz que opera um sistema de intermediação de viagens “dinâmico e flexível”. “Por isso buscamos sempre considerar, de uma lado, as necessidades dos motoristas parceiros e, de outro, a realidade dos consumidores que usam a plataforma, buscando o equilíbrio entre oferta e demanda que é fundamental para a plataforma”.

A empresa garante que, com a pandemia, pessoas que antes não usavam a Uber no dia a dia agora estão optando pelo app pela segurança sanitária.

“Nesse contexto, os usuários estão tendo de esperar mais tempo por um carro, e o motivo é que, especialmente nos horários de pico, há mais chamados do que parceiros dispostos a realizar viagens. A demanda alta significa que o app da Uber está tocando sem parar. Conforme o que os próprios motoristas parceiros nos relatam, essa é a uma situação que os deixa mais confortáveis para cancelar viagens (porque sabem que virão outras na sequência, possivelmente com ganhos maiores)”, afirma a Uber sobre os cancelamentos e espera alta para as corridas.

Das medidas para “tentar melhorar a experiência de todos”, a empresa diz adotar o preço dinâmico e as promoções para motoristas parceiros.

Foto: Fernanda Carvalho / Fotos Públicas
Projeto declara que os motoristas terão que ter CRLV de prestação do serviço e contratar seguro para acidentes pessoais para passageiros e condutor - Foto: Fernanda Carvalho / Fotos Públicas

Já a 99 esclarece “que os motoristas parceiros têm a liberdade de definir sua jornada de trabalho junto à plataforma, estabelecendo dias e horários que irão oferecer seu serviço”, reforçando que desde o final de 2020 o volume de corridas foi retomado em 100%, em comparação ao período antes da pandemia, sem alterações significativas desde então.

Sobre o preço praticado, a 99 informa que o valor é definido a partir de uma equação que envolve demanda e oferta. Do lado dos parceiros, o valor repassado considera a distância percorrida e o tempo de deslocamento.

A empresa diz ter um programa de incentivo com desconto de 10% nos abastecimentos em postos da rede Shell cujo pagamento seja feito via Cartão99 e por meio do app ShellBox.

A InDriver diz que não sentiu queda na demanda. "Uma vez que muitas pessoas estão usando transporte de mobilidade como opção ao transporte público. Com o alto índice de desemprego, tivemos uma alta no número de motoristas parceiros, que tem no transporte de mobilidade uma forma de ter uma renda familiar". A empresa, no entanto, não abre os números. 

O aplicativo esclarece também que o motorista parceiro faz uma “recarga” de pagamento para a inDriver, antecipadamente, no valor que ele quer. Cada corrida possui taxa fixa de 9,5%, debitada desta recarga. Desta forma, o motorista não precisa repassar o valor e recebe na mesma hora. Em expansão, a empresa agora foca também em entregas, fretes e transporte interurbano. 

 

 

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