Seu Simão conta, com tristeza, que no sítio onde vive no município de Caetés (Agreste pernambucano) não se ouve mais o canto matinal dos pássaros silvestres nem a cantoria noturna da coruja, do bacurau e da mãe da lua. Desde que um parque eólico se instalou na região, o ruído é o mesmo durante as 24 horas do dia: o das pás gigantes das torres cortando o vento. Animais nativos do Semiárido, como as abelhas, sumiram da paisagem e fenômenos inesperados, como o aborto de ovelhas e o abandono dos filhotes pelas mães, tornaram-se comuns. "As eólicas vieram pra ficar e a gente aqui tem que se mudar", diz o agricultor Simão Salgado da Silva. Ele é o protagonista do primeiro episódio da websérie “Para quem sopram os ventos?”.
A série documental faz parte de uma campanha internacional sobre os impactos dos parques de energia eólica nos Estados nordestinos de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas. A iniciativa faz parte do projeto “Promoção e Defesa de Direitos na Perspectiva da Construção de Sociedades do Bem Viver”, realizado em parceria pela Cáritas Regional Nordeste 2 e a instituição católica alemã Misereor. "Esperamos que a campanha sirva para dar voz às pessoas afetadas pelos parques eólicos", afirma a representante da Misereor, Madeleine Brocke.
O episódio com a participação de Seu Simão foi batizado de "A eólica mora ao lado” e mostra as dificuldades enfretadas pelo agricultor desde que o parque se instalou no município. Além deste, mais cinco episódios serão lançados, semanalmente, no canal da Cáritas Regional Nordeste 2 no Youtube. Nesta terça-feira (22), aconteceu o lançamento da campanha, numa live com participação de instituições parceiras, representantes das comunidades afetada e pesquisadores que estudam os impactos nesses territórios.
Carlos Humberto, da Cáritas Brasileira, explica que o objetivo da campanha é alertar sobre o sofrimento das comunidades tradicionais, rurais e ribeirinhas atingidas pelos impactos socioeconômicos, ambientais e de saúde causados pelo atual modelo de implementação dos megaprojetos de energia eólica. "Também queremos ampliar o debate sobre a importância de repensar novas formas de geração da energia limpa e descentralizada, que respeitem as comunidades e promovam o Bem Viver das famílias dessas localidades", diz.
ALCANCE INTERNACIONAL
A campanha busca, ainda, ter um alcance internacional. A proposta é chamar a atenção de investidores internacionais de países como Alemanha e Espanha, que investem em empresas de energia eólica, mas que desconhecem a forma que elas atuam no Brasil. Neste sentido, a CBNE2 pretende lançar a campanha em âmbito internacional no final de março. Para isso conta com a parceria da alemã Misereor.
“Nós, enquanto sociedade civil, podemos agir na defesa dessas pessoas, mas olhando para a nossa missão. Não somos contra as energias renováveis. Entendemos sua necessidade a partir do cenário de mudanças climáticas que estamos vivenciando, no entanto é preciso estar atento ao atual modelo adotado pelas empresas, suas consequências e o impacto que ela causa na vida de pessoas vulneráveis”, afirma a coordenadora do projeto, Bruna Suianne.
Durante a live, o coordenador do programa de Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais (CAIS), Adriano Martins, apontou os efeitos que a campanha sobre os impactos dos parques de energia eólica em quatro Estados nordestinos pode ter. "A campanha pode dar visibilidade aos efeitos negativos da implantação dos parques eólicos, que têm seguido o a mesma lógica da grilagem, com exploração das classes vulneráveis. Também poderá ter o papel de trazer informação qualificada para os moradores do Semíárido. Traduzir em linguagem popular o desafio da implantação dos empreendimentos para que as pessoas possam entender . Dar voz às pessoas e coletivos que tiveram seus dobjetivos violados e transformar o discurso do progresso e do desenvolvimento", enumera.
De acordo com os representantes da Cáritas, a campanha não quer dizer que a instituição é contra os empreendimentos eólicos, mas que eles precisam ser instalados levando em consideração as populações locais e o meio ambiente. Os primeiros parques eólicos começaram a ser construídos no Brasil em 2005 e deram um salto a partir de 2009 com os leilões do governo federal, deslanchando a partir de 2011.
Dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (AbEEólica), contabilizam a existência de 751 parques no País, distribuídos por 12 Estados e com 8.820 aerogeradores em operação. Na matriz elétrica brasileira, a eólica já é a segunda maior do País, com participação de 11,1%; atrás apenas da hidrelétrica (57,1%). Entre 2011 e 2020, os investimentos no setor alcançaram US$ 35,8 bilhões. Os Estados com o maior número de parques são Bahia (204), Rio Grande do Norte (201), Ceará (94), Piauí (81), Rio Grande do Sul (80) e Pernambuco (34).
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