Empresa quer transformar cortadores de cana da Mata Sul de Pernambuco em profissionais de Tecnologia
Curso de desenvolvedores web tem 21 semanas de duração e aulas online ao vivo. Podem participar jovens e adultos com ensino médio completo
Em uma região que, secularmente 'produziu' gerações de cortadores de cana-de-açúcar, dois empresários lançam a iniciativa de formar profissionais na área de tecnologia da informação nos municípios da Mata Sul de Pernambuco. A TheBoot, escola de tecnologia comandada por Wagner Frazão e Augusto Calado, quer formar jovens e adultos da região em desenvolvedores web. O plano conta com a parceria da sociedade civil e de empresários locais. A expectativa é que a primeira turma inicie agora em abril, com aulas online ao vivo.
"Queremos deixar o legado de ajudar as pessoas da Mata Sul a entrar no mundo da informática. Estamos falando de um mercado que tem carência de profissionais. Nossa experiência é de que ainda durante o curso, os alunos já são aguardados pelo mercado e conseguem se colocar rapidamente. Outra vantagem da formação é que ela dura entre 9 e 21 semanas, bem diferente dos 5 anos na universidade que nem sempre as empresas podem esperar", compara Augusto Calado, desenvolvedor de TI e um dos idealizadores do projeto.
Ele explica que para participar do curso é preciso ter ensino médio completo e mais de 18 anos. Não existe idade máxima para cursar. O candidato a uma vaga também passa por uma entrevista e um teste para avaliar sua capacidadade de raciocínio lógico e matemático, condições indispensáveis a um desenvolvedor web. "Os bons alunos das matérias de exatas na grande maioria das vezes serão bons profissionais de TI. Quem se sai bem no teste de lógica é quase certeza de se tornar desenvolvedor web. Digo quase porque também é preciso estudar", observa Calado.
Como se trata de uma região com pouca afinidade com tecnologia da informação, a primeira versão do curso terá 21 semanas, com aulas ao vivo pela internet, no horário da noite. O curso custa R$ 9 mil, mas só será pago depois que os alunos estiverem formados e ingressarem no mercado de trabalho com uma remuneração mínima. O valor do curso deverá comprometer, no máximo, 20% do salário. Se o desenvolvedor receber um salário de R$ 3 mil, por exemplo, a parcela do curso será de R$ 600.
Este é o chamado modelo de financiamento Contrato de Compartilhamento de Renda (ISA), bastante utilizado nos Estados Unidos e que ganha cada vez mais espaço no Brasil. Sendo muito adotado por escolas de habilidades e profissões digitais.
Para tocar a iniciativa, a TheBoot conta com a parceria da Usina de Artes, projeto cultural e educacional que vem atraindo atenção de Pernambuco e do Brasil para as antigas instalações da Usina Santa Terezinha. Localizada no município de Água Preta (Mata Sul do Estado), a usina chegou a ser a maior produtora de álcool e açúcar do País nos anos 1950.
Espaços da Usina de Artes serão utilizados como um centro físico para as aulas remotas e a proposta é que a comunidade de seis mil pessoas que vive na região da Usina Santa Terezinha e os moradores dos municípios da região, como Palmares e Xexéu, sejam diretamente beneficiados pela formação.
Um projeto educacional que vem sendo desenvolvido na Mata Sul de Pernambuco poderá qualificar e inserir jovens da região - marcada pelas limitações da monocultura da cana de açúcar e carente de oportunidades de trabalho qualificado - no promissor mercado da tecnologia da informação. Muitos deles, inclusive, saídos do pesado trabalho de corte da cana ou na iminência de entrar ou voltar para ele.
São jovens da região que estão sendo escolhidos para serem formados em desenvolvedores web, através da escola TheBoot, com a parceria de empresários e a sociedade civil organizada da região, entre eles a Usina de Artes, projeto cultural e educacional que vem atraindo atenção de Pernambuco e do Brasil para as antigas instalações da Usina Santa Terezinha, que chegou a ser a maior produtora de álcool e açúcar do País nos anos 1950, localizada no município de Água Preta, na Zona da Mata Sul do Estado.
Espaços da Usina de Artes irão ser utilizados como um centro físico para as aulas remotas e a proposta é que a comunidade de seis mil pessoas que vive na região da Usina Santa Terezinha e os moradores dos municípios da região, como Palmares e Xexéu, sejam diretamente beneficiados pela formação.
Morador de Palmares (Mata Sul), o universitário Luiz Eduardo Barretto participou de uma semana de aula com a TheBoot para conhecer melhor a profissão de desenvolvedor web. "Foi uma experência muito construtiva porque me deu uma base de todas as áreas. A profissão tem várias ramificações e, caso a pessoa não saiba bem o que quer, é provável que acabe desistindo diante do turbilhão de informações. Por isso nós precisamos ter um contato, mesmo que mínimo, na escola para que existam mais profissionais na área. Depois das aulas, eu me interessei pela área de JavaScript", conta.
De uma família predominantemente de advogados, Luiz Eduardo é o primeiro a se interessar pela área de tecnologia. Em 2019 ele passou no curso de ciência da computação, na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Salgueiro (Sertão do Estado). O universitário escolheu uma área que oferece oportunidades de emprego e bons salários, mas que precisa estudar muito.
Pernambuco é um Polo de Tecnologia da Informação e enfrenta a mesma dificuldade de apagão de pessoal vivida pelo restante do País. Se de um lado sobram vagas em uma área que ainda assusta uma população que precisa melhorar sua educação na área de exatas, do outro existe uma legião de desempregados. Em 2021, o Estado registrou o maior desemprego do Brasil, com taxa de 19,9%. De cada 100 pessoas, 20 estavam desempregadas. A situação também é percebida no interior e se agrava em regiões dependentes de culturas sazonais, como a cana-de-açúcar. Enquanto tem cana tem emprego, depois ficam só os pequenos comércios e o setor público movimentando a economia.
Por conta dessa realidade, muitos jovens migram para outros lugares em busca de oportunidades. Conhecedora da região, a presidente da Usina da Arte e apoiadora do projeto de formação Bruna Pessoa de Queiroz deseja que a Mata Sul não perca mais seus jovens potenciais para o corte da cana ou para outras regiões e cidades por falta de oportunidade de qualificação e emprego. Por isso a aposta no projeto da TheBoot.
“Temos escolas públicas e privadas de referência na comunidade, mas, embora formados, os jovens não são preparados para o mercado que está ofertando emprego, como é o caso da tecnologia da informação. Muitos entram no serviço agrícola, como o corte da cana, vão embora de suas cidades e se envolvem com drogas porque não conseguem emprego. Para se ter ideia, a cidade de Palmares, que é a maior da região, tem a mesma população há 50 anos. Queremos acabar com essa lógica”, defende.
Calado também chama atenção para jovens que desistem por falta de dinheiro e estímulo. “Estudos apontam que, no Brasil, perdemos 500 cérebros por ano. São pessoas com capacidade intelectual acima da média, mas sem oportunidade de estudar e trabalhar. O jovem cai num ciclo vicioso. Não estuda porque não tem dinheiro, e não tem mais dinheiro porque não estuda. E na região da Mata Sul pernambucana, como exemplo, esse fenômeno é muito comum”, alerta.
Retrato do mercado
O setor de tecnologia da informação é o que mais promete crescer no Brasil. Pesquisa realizada pela consultoria McKinsey aponta uma possível carência de 1 milhão de profissionais da área de TI no País até 2030.
A enxurrada de vagas tem atraído o interesse em qualificação na área. Estudo da Revelo, empresa especializada em recursos humanos, realizado com mais de oito mil pessoas que fazem cursos por meio do braço financeiro Revelo Up, mostrou que 27,6% dos entrevistados tinham o objetivo de capacitar-se para mudar de área de atuação.
O mercado de TI também é bastante cobiçado por conta dos salários. Atualmente no Brasil, desenvolvedores web full stack júnior recebem aproximadamente R$ 4 mil por mês, mas a remuneração pode chegar a R$ 9 mil mensais para profissionais mais experientes. Já um Data Analyst costuma receber inicialmente R$ 6 mil por mês, enquanto o salário médio de um UX Designer é de R$ 5 mil.
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