Um impasse político com o Senado e divergências sobre o formato final do texto obrigaram a equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a adiar a apresentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que estava prevista para ontem. Líderes da Casa pressionam o futuro governo a formar uma base para a apresentação da proposta até a próxima terça-feira (29).
Parlamentares do PSD, do MDB e da União Brasil, partidos que dominam a cúpula do Senado e representam hoje mais de um terço da Casa, cobram a entrega de cargos, verbas e a definição de espaços no futuro governo a partir de janeiro. Se Lula não negociar um acordo político com os parlamentares, não haverá votos para aprovar a PEC, dizem integrantes dessas siglas.
A equipe de Lula já havia sinalizado que negociaria com os parlamentares a destinação dos recursos que ficarão livres no Orçamento de 2023 com a retirada do Auxílio Brasil do teto de gastos. Líderes do Senado, porém, decidiram cobrar uma fatura maior. A ausência de Lula em Brasília (o presidente eleito está em convalescença em São Paulo por recomendação médica) e a falta da indicação de um negociador para costurar os acordos em troca da aprovação da PEC foram apontadas como razões para o impasse.
O assunto foi discutido pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em um almoço com o relator-geral do Orçamento de 2023, Marcelo Castro (MDB-PI), escalado para protocolar a PEC; o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), que hoje comanda a maior bancada da Casa; e o senador Alexandre Silveira (PSD-MG), braço direito de Pacheco, na residência oficial do Senado. A avaliação do grupo é de que Lula precisará construir uma base de apoio, e que o tamanho dessa base é que definirá a extensão da PEC.
Até mesmo no PSD, que manifestou disposição para apoiar a PEC em troca de acordo para a reeleição de Pacheco ao comando do Senado, o PT encontra dificuldades agora. A bancada passou a cobrar de Lula uma redução do valor que ficaria fora do teto, calculado hoje em R$ 175 bilhões apenas para o Auxílio Brasil, e do prazo em que essa medida valeria. O PT concordou em apresentar uma PEC com um prazo de quatro anos. Nos bastidores, colocou dois anos como o mínimo, mas hoje só vê condições de uma "licença" para gastar no primeiro ano de mandato.
A equipe do relator do Orçamento avalia que tem até a próxima terça-feira para protocolar a PEC em tempo hábil para aprovar o texto no Congresso e adaptar a peça orçamentária antes da posse de Lula,em 1º de janeiro.
A proposta protocolada na semana passada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, prevê a retirada de R$ 175 bilhões do teto de gastos para manter o Bolsa Família em R$ 600 e pagar um adicional de R$ 150 a famílias com crianças de até 6 anos. Além disso, o esboço da PEC prevê a exclusão de até R$ 23 bilhões do teto de gastos em arrecadação extraordinária, que seria destinado a investimentos (obras públicas e compra de equipamentos) federais, totalizando um custo de R$ 198 bilhões.
O relator do Orçamento disse que os técnicos do Senado recomendaram uma duração de pelo menos dois anos para a PEC. Segundo Castro, a ideia também é defendida por senadores de centro. Além disso, existem propostas protocoladas pelos senadores do PSDB Alessandro Vieira (SE) e Tasso Jereissati (PSDB), com impactos menores, de R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões, respectivamente.
RUÍDO
Depois de se reunir com o vice-presidente eleito da República, Geraldo Alckmin (PSB), e o conselho político ampliado, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que o prazo de validade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da transição ainda é o ruído que impede o avanço da matéria. Para a dirigente, não é justificável excepcionalizar o Bolsa Família do teto de gastos por apenas um ano, como pressionam setores do mundo político, pelo caminho legislativo. "Aí tem outros instrumentos", declarou.
De acordo com Gleisi, não há divergências de valores da PEC, apenas do prazo. "Tem gente que avalia que não dá pra ser indeterminado, gente que avalia que quatro anos do Bolsa Família fora do teto é muito", afirmou Gleisi. "Não há divergências de valores, tem sim essa questão do prazo", acrescentou, ao ressaltar que o Bolsa Família será excepcionalizado em sua totalidade do teto de gastos.
Em seguida, contudo, reiterou a aposta de que o Congresso "terá sensibilidade" para apresentar uma "solução duradoura" para o Bolsa Família. "As pessoas não podem ficar receosas de ter interrompido seu sustento político", avaliou, ao pedir uma "solução política" para o impasse. "Não pode ser um soluço, fazer por um ano e depois renova."
As declarações de Gleisi foram dadas à imprensa após a reunião com o conselho político ampliado da transição, que, segundo ela, mostrou disposição dos partidos para ajudar a construir o caminho para a PEC. "Falamos do grande desafio que é ter garantia do Bolsa Família no que vem e espaço fiscal para as entregas", relatou, sobre o encontro.
Comentários