BANCO CENTRAL

Com desafio fiscal do governo Lula, BC interrompe cortes da taxa de juros

A aceleração da inflação, num contexto de atividade econômica e mercado de trabalho ainda aquecidos, com risco fiscal, leva Selic a ficar em 10,5%

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JC

Publicado em 19/06/2024 às 18:50 | Atualizado em 19/06/2024 às 19:05
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Após um ciclo de quedas iniciado em agosto do ano passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu nesta quarta-feira (19) manter a taxa básica de juros, a Selic, em 10,5% ao ano. O parecer seguiu as perspectivas da maioria dos analistas.

A aceleração da inflação, num contexto de atividade econômica e mercado de trabalho ainda aquecidos e expectativas inflacionárias desancoradas, o aumento das incertezas, tanto no campo fiscal, após a mudança da meta de resultado primário de 2025, além daquelas advindas do cenário internacional, parecem haver alterado o balanço de riscos da inflação na direção de uma política monetária mais conservadora.

Segundo Ricardo Serone, diretor financeiro e de investimentos da BB Previdência, empresa do conglomerado Banco do Brasil.tre os principais indicativos de que a autoridade monetária interromperia o ciclo de sete cortes seguidos na Selic, Serone cita a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de manter a taxa de juros americana também inalterada, entre 5,25% e 5,50% ao ano, no maior patamar desde 2001, em decisão unânime, na última reunião.

“Esse indicador traduz a pressão que o cenário externo traz para a economia brasileira, pois inibe a atração de investimento externo e pressiona o dólar, valorizando a moeda americana”, explica.

DESAFIO DO GOVERNO LULA

No cenário interno, Serone observa ainda aumento nos desafios do governo para ancorar as expectativas de indicadores importantes, como a inflação. As estimativas do mercado para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) também vêm se deteriorando há mais de um mês, e já atingem quase 4% em 2024, bem acima dos 3% do centro da meta de inflação.

A Política Monetária também tem sido pressionada pela Política Fiscal. “O País enfrenta volatilidade na Política Fiscal, especialmente, porque está em ano de eleições, períodos que são mais desafiadores”, analisa.

O governo admitiu, há alguns meses, que não conseguirá atingir a meta de déficit de gastos neste ano, mas não aproveitou a oportunidade para mostrar um plano de contingência alternativo ao arcabouço fiscal existente. Em paralelo, os números relativos aos investimentos estão em queda na comparação com os do ano passado, enquanto o consumo tanto do governo quanto das famílias permanece em alta.

CENÁRIO ECONÔMICO

Todo esse contexto reforça o alerta de que pode haver um desequilíbrio entre oferta e demanda no futuro próximo. A consequência disso é inflação, e o mercado já a notou. O boletim Focus, do Banco Central, tem refletido um cenário pessimista, cujas expectativas estão se deteriorando rapidamente já para 2024, mas também para os próximos anos.

Não são apenas perspectivas, vale dizer, porque o IPCA de maio registrou alta de 0,46%. Em 12 meses, o indicador acumula alta de 3,93%, patamar próximo da banda superior da meta.

Além da incerteza fiscal, o próprio contexto econômico brasileiro exigia uma atitude como a que o Banco Central tomou agora: o mercado de trabalho segue bastante aquecido, com o desemprego perto da mínima histórica (7,8%), enquanto o rendimento real cresceu 1,1% no primeiro trimestre em relação ao período anterior. Em 2024, ele já subiu 4,3%, com uma massa de renda em torno de R$ 307 bilhões, de acordo com o IBGE. São números que pressionam os preços, principalmente dos serviços intensivos em mão de obra.

VOTAÇÃO

Mais do que o resultado, a grande expectativa dos agentes econômicos era sobre o placar da decisão, sobretudo após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomar a ofensiva contra o BC e o presidente da instituição, Roberto Campos Neto. A votação unânime agrada o mercado, depois da forte divisão da reunião de maio.

Na ocasião, cinco diretores herdados do governo Jair Bolsonaro votaram pela redução da Selic em 0,25 ponto porcentual, enquanto os quatro indicados por Lula votaram por uma queda maior, de 0,5 ponto. O racha levantou suspeitas de que poderia haver uma divisão política dentro do Copom e gerou ruídos no mercado - o que contribuiu para a piora das expectativas e para uma alta expressiva do dólar nas últimas semanas.

A expectativa sobre o placar desta reunião escalou após declarações de Lula nesta terça-feira, 19, em entrevista à CBN. Lula disse que o chefe da autoridade monetária não demonstra capacidade de autonomia, tem lado político e trabalha para prejudicar o País.

O presidente afirmou que hoje o Brasil vive um cenário que exige juros mais baixos para convencer os empresários a investir no País e comparou Campos Neto com o ex-juiz Moro, ao dizer que o chefe do BC tem mesmo papel, "com rabo preso a compromissos políticos".

No comunicado da decisão, o Copom reiterou que os juros terão de continuar em nível restritivo. "A política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas", diz o texto

Segundo o Copom, "eventuais ajustes futuros" na taxa básica de juros serão ditados pelo "firme compromisso" de convergência da inflação à meta. O comitê reiterou que, diante de um processo de desinflação mais lento, da desancoragem das expectativas e do cenário global desafiador, é necessário ter "serenidade e moderação na condução da política monetária."


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