Universitários: saúde mental na corda bamba

Diante da pandemia, Antonia se reinventou, acessou novas ferramentas e ofereceu mais que apoio aos alunos

Publicado em 31/10/2020 às 5:00
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Com quase 40 anos de carreira, a professora de História Antônia de Barros Pereira, 59 anos, pensou que já tinha visto de tudo. Mas, em 2020, foi surpreendida pela pandemia do novo coronavírus. Com as aulas presenciais suspensas, a falta de habilidade com a tecnologia para as remotas e conhecendo de perto as dificuldades dos estudantes da rede pública estadual, Antônia precisou se reinventar e provou como o amor de uma professora por seus alunos pode mudar positivamente a realidade dentro e fora da sala de aula. Incansável, a professora de Itaquitinga, na Zona da Mata pernambucana, ligou para saber como os alunos estavam, repetiu várias vezes o mesmo conteúdo "para que todos entendessem" e até abriu as portas da própria residência para que os estudantes sem acesso à internet pudessem assistir as aulas - dela e dos demais professores.

"Realmente, foi um ano muito difícil porque, para mim, não há nada que se compare com o contato com os alunos. É muito bom ver os olhos deles, poder tocar e conversar, mas, apesar de não ter sido possível fazer isto ao longo deste ano, em momento algum eu parei. Pedi ajuda a colegas professores mais jovens para entender como eu deveria dar as aulas online, mandava o link por onde as aulas seriam transmitidas sempre às 7h20, para ninguém ter a desculpa de que não sabia da aula, perguntava todos os dias nos grupos de WhatsApp se os alunos estavam entendendo o assunto e tentava acompanhar como era possível", lembra a profissional que dá aulas nas turmas de Ensino Médio da Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Denival José Rodrigues de Melo.

O contato limitado pela tela do computador não diminuiu a sensibilidade da professora. "Comecei a perceber que alguns alunos nunca apareciam nas aulas e isso me preocupou. Quando perguntei aos demais estudantes, soube que, em alguns casos, era falta de internet em casa. Em uma sexta-feira, liguei para um dos alunos e ofereci que ele viesse até minha casa para poder conectar o celular no Wi-Fi daqui e assistir às aulas. Ele não podia perder aula daquele jeito. Na segunda-feira seguinte, de manhã cedinho, ele bateu na minha porta", conta. Esse estudante passou, então, a frequentar a casa da professora de segunda a sexta-feira. "Ele ficava na sala assistindo as aulas dos outros professores e eu na cozinha dando as minhas aulas para outras turmas", explicou a professora.

Além desse aluno que foi diariamente para a casa de Antônia, outros estudantes também iam até lá quando a internet ficava ruim. O estudante do 2º ano Kelson Carlos, 19, foi um deles. "Eu agradeço muito a professora Antônia por ela ter deixado eu assistir as aulas na casa dela. Como eu não tenho Wi-fi em casa e os dados móveis [do celular] são limitados, eu dependo da internet da vizinha, mas a conexão fica caindo sempre. Então, se não fosse por ela, eu teria perdido muitas aulas. Ela é uma professora muito legal e que ajuda todo mundo que precisa", afirma.

Para a gestora da escola onde Antônia dá aulas, Iracelane Ferreira, as atitudes da professora merecem aplausos. "Um dia, eu estava vindo para a escola resolver uma questão burocrática e fiquei muito emocionada quando vi o aluno todo fardado, no meio da pandemia, indo para a casa da professora Antônia assistir aula. A gente vê que o compromisso dela transcende todas as barreiras. Certamente, por vezes, esses alunos até comiam na casa dela. Ela tem mesmo esse perfil de tentar suprir as dificuldades dos alunos e isso é digno de todos os parabéns", disse Iracelane.

As aulas à distância impuseram várias dificuldades, mas a professora não se deixou abater. "Aconteceu algumas vezes da internet cair, eu não perceber, seguir falando e, só no final, eu via as mensagens dos alunos dizendo que não tinham ouvido minha aula. Quando isso acontecia, na aula seguinte, eu repetia tudo novamente, afinal de contas, não era culpa dos alunos. Cheguei a dar a mesma aula para a mesma turma três vezes para que todos entendessem", lembra. A professora também doou um celular antigo dela e de uma amiga para alunos que não tinham os aparelhos poderem acompanhar as aulas.

Tanta dedicação ao longo de uma vida de amor pela docência gerou frutos. No ano passado, Antônia viu o filho único, Welleson Barros, 24, também se formando em História. "Foi ela quem me mostrou a importância da educação. Na minha infância, lembro-me que ela abria a porta de casa para primos e conhecidos que moravam na Zona Rural poder comer lá em casa e ir para a escola à noite. Assim como ela, quero motivar meus alunos e nunca fazer distinção entre eles. Como ela diz, todo mundo sabe de alguma coisa", comenta o jovem que, com outros amigos, também montou um cursinho pré-vestibular solidário em Itaquitinga.

Para os próximos anos, o que Antônia quer é apenas valorização. "Quando chove, meus alunos que moram na Zona Rural passam dias sem ir à escola. Nós ainda temos muitos problemas e espero que o poder público possa investir mais em infraestrutura e no salário dos professores. Não penso em me aposentar e ainda quero passar bons momentos na sala de aula", conclui Antônia.

 

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